São Paulo, litoral Sul e suas fragilidades
O litoral Sul de São Paulo é a área mais pobre do Estado mais rico da nação. Esta parte engloba os municípios de Iguape, Cananéia e Ilha Comprida. Agora uma pesquisa de Geociências da Unicamp investigou ‘a realidade natural e humana dessas cidades e cruzou dados geográficos e sociais para mapear os riscos ambientais aos quais a região está submetida’. Segundo o trabalho, estas ‘são áreas que necessitam de estudo e planejamento detalhado para que flora, fauna e comunidades possam viver em harmonia’. São Paulo, litoral Sul e suas fragilidades.
Litoral Sul de São Paulo e suas riquezas
Do ponto de vista ambiental não há nada no Estado como o litoral Sul. Ele contempla o Lagamar, um gigantesco estuário cercado pelo maior trecho contínuo de mata atlântica do Brasil, e considerado um dos mais importantes berçários de vida marinha do Atlântico Sul, ao lado do banco de corais de Abrolhos.
Pela importância do Lagamar, que começa em Iguape e segue até Paranaguá, no litoral norte do Paraná, foi criada, em 1985, a APA Cananéia–Iguape–Peruíbe, uma das mais importantes unidades de conservação federais do bioma marinho.
Por suas características únicas, o Lagamar é reconhecido como parte integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) e do Sítio do Patrimônio Mundial Natural, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Mais lidos
Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemA mídia e o pernicioso vício dos ‘paraísos do litoral’Vicente de Carvalho, primeiro a dizer não à privatização de praiasVírus da gripe aviária mata milhões de aves mundo aforaAinda no litoral Sul de São Paulo, em Peruíbe, fica outra unidade de conservação, desta vez estadual, o Mosaico Juréia-Itatins, também criada em 1985, e cuja história é das mais lindas do movimento ambiental. Uma disputa que envolveu especuladores imobiliários de grande poder, que queriam transformar a área em condomínio; militares, que queriam construir usinas atômicas; e ambientalistas, que queriam a proteção.
Com ajuda de um governador verde, e sério, Franco Montoro, venceram os ambientalistas. O Mosaico, além de ter extraordinária biodiversidade, é local das mais lindas e ainda desocupadas praias do litoral, não só do Estado como do Brasil.
PUBLICIDADE
A unidade de conservação ocupa uma área de cerca de 80 mil hectares, fica no bioma costeiro e está encravada entre quatro municípios do sul de São Paulo: Iguape, Miracatu, Itariri e Peruíbe.
A UC é deslumbrante. Entre os ecossistemas prevalece a Mata Atlântica e seus associados, mata de restinga e manguezais. Mas há praias, costões rochosos, e alagados.
Leia também
Vila do Cabeço, SE, tragada pela Usina Xingó: vitória na JustiçaInvestimentos no litoral oeste do Ceará causam surto especulativoCafeína, analgésicos e cocaína no mar de UbatubaSabendo, então, da riqueza, vamos agora às fragilidades identificadas no estudo.
As fragilidades identificadas no estudo
Logo no início o trabalho acerta ao nos lembrar que ‘o local é um dos mais pobres do Estado e, desde o período da colonização, sofre com os efeitos do extrativismo e da falta de planejamento para a ocupação de suas terras’.
O diagnóstico é verdadeiro e está em acordo com a visão do governo Doria que prometeu investimentos na região Sul para tirá-la do ostracismo. Em seu programa de governo, a ação de revitalização do Vale do Ribeira era conhecida como O Vale do Futuro.
Segundo o prefeito de Iguape, Wilson Lima (PSDB), que entrevistamos recentemente, ‘a proposta foi muito prejudicada por não haver destinação de recursos, e ainda pela pandemia’. Em outras palavras, promessas de campanha…
O novo estudo, uma tese de Edson Antonio Mengatto Junior, foi feito com intenção de auxiliar o poder público. A pesquisa chama a atenção para as vantagens de se utilizar informações de geoprocessamento para o planejamento da região.
A proposta foi oferecer à população e aos responsáveis pelas tomadas de decisões um mapeamento das áreas de maior vulnerabilidade ambiental da região.
PUBLICIDADE
As planícies e seus riscos
O trabalho mostra que a região do litoral Sul compreende uma área de cerca de 3,4 mil Km2, sendo predominantemente plana. E mostra que as planícies são justamente as áreas mais sensíveis à erosão.
Segundo o estudo, ‘isso se deve ao fato de ser um local de formação geológica mais recente, com pouco tempo de consolidação de materiais’.
Edson ressalta os riscos com o aumento das marés e o avanço da linha da costa, especialmente em eventos como ressacas, o que tem prejudicado principalmente os moradores de Ilha Comprida.
Especulação imobiliária em Ilha Comprida, com aval do prefeito Geraldino Junior (PSDB)
Curiosamente, recentemente comentamos sobre a especulação imobiliária em Ilha Comprida, ao nosso ver o maior problema do litoral brasileiro. E comentamos que seus 70 Km de praias estão na mira dos especuladores.
Durante o primeiro mandado de Geraldino Junior (PSDB) foi aprovada a Lei Municipal nº 1.625, de setembro de 2019, sem consulta pública. Ela foi feita especialmente para viabilizar o empreendimento de um dos ‘amigos do rei’, o empresário Chico Silvestre e o seu Ecco Ilha, que prevê prédios de 30 metros de altura.
Não se espante por um prefeito de um município costeiro favorecer a especulação imobiliária. Assim acontece em dezenas de outros, como Ilhabela e São Sebastião, para ficar só nos de São Paulo.
Histórico do Vale do Ribeira
Edson mostra que a área era grande produtora de arroz durante a colonização, o que representava 90% da economia local. E diz que os prejuízos se agravaram a partir da abertura do Canal do Valo Grande, em 1852, uma espécie de atalho ligando o rio Ribeira de Iguape ao porto de Iguape.
PUBLICIDADE
Já abordamos o escândalo da abertura do Valo Grande diversas vezes neste espaço. E mesmo com uma obra mal feita há 169 anos, e que desde então destrói grande parte do manguezal da região, a barragem continua aberta prejudicando não só a biodiversidade, mas o turismo, hoje a locomotiva da economia de Iguape, conforme nos confirmou o prefeito de Iguape Wilson Lima (PSDB).
O resultado do estudo
Cruzando dados relativos a aspectos físicos da região com informações sobre o desenvolvimento humano, o pesquisador chegou ao resultado do índice de vulnerabilidade ambiental.
De acordo com ele, 42% da região apresenta alta vulnerabilidade, 27% vulnerabilidade média, 19% baixa, e 11,7% vulnerabilidade muito alta. Só 0,05% apresenta índice de vulnerabilidade muito baixa.
Abrir os dados para a população
A pesquisa realizada por Edson traz contribuições importantes para prefeituras, secretarias e esferas de governo responsáveis pela elaboração de políticas de planejamento urbano e de ocupação do solo.
No entanto, ele argumenta que também é necessário garantir esse acesso à população, por meio de sistemas abertos de dados, como os sistemas WebGIS.
Segundo ele, conforme as pessoas se familiarizam com as informações sobre a região onde vivem, passam a contribuir com o uso do solo mais consciente e também a cobrar políticas e ações concretas do poder público.
Para Edson Antonio Mengatto Junior, “é importante que esses levantamentos não fiquem apenas no trabalho, mas que eles se expandam por essas regiões e pelo poder público, já que é uma região muito carente de informações.”
PUBLICIDADE
“E, quanto mais informações forem disponibilizadas, por artigos científicos ou trabalhos realizados nessas regiões, será possível que se tenha um avanço nas condições de planejamento e de tomadas de decisões por parte do poder público, se utilizando de dados produzidos pelas universidades.”
Imagem de abertura: www.unicamp.br/
Fonte: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2020/03/02/pesquisa-mapeia-vulnerabilidade-ambiental-do-litoral-sul-de-sao-paulo?fbclid=IwAR0Ij90_QRaddO7QAI2PpcflPy0hlzDfV_tmluulMNNwKguQu5S94vCtCSU.