Oceanos e descobertas sombrias, o efeito do aquecimento global nos oceanos
Oceanos e descobertas sombrias: há tempos venho lendo e colecionando notícias, artigos, e alertas de cientistas, uma espécie de tara masoquista da qual não consigo me livrar, publicados na imprensa sobre os potencialmente perigosos efeitos do aquecimento global no maior ecossistema do planeta, os oceanos.
Um deles, arquivado em meu computador desde 2006, é um relatório patrocinado pela National Science Foundation (NSF na sigla em inglês), em conjunto com a National Oceanic and Atmosphere Administration (NOAA): Impacts of Ocean Acidification on Coral Reefs and other Marine Calcifiers trazia revelações preocupantes.
Com ajuda da tecnologia, mostravam os cientistas, era possível verificar e mensurar o crescente aumento do gás carbônico, o dióxido de carbono, causador do efeito estufa, liberado na atmosfera pela atividade humana.
A proporção dos gases do efeito estufa até o início da Revolução Industrial
A proporção desta concentração de gases, desde os primórdios da civilização, até o início da Revolução Industrial, era de 180 por 300 “parts per million by volume (ppmv)”.
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Quais as consequências? Oceanos e descobertas sombrias
Como isto interfere com os oceanos? Entre os vários serviços vitais que os oceanos nos prestam, está a produção do combustível primário da humanidade: oxigênio, resultado da fotossíntese sofrida pelas algas do fitoplâncton. Só que, ao mesmo tempo em que liberam oxigênio, ao passarem por esta metamorfose, as algas seqüestram dióxido de carbono da atmosfera, e o depositam no fundo do mar. O estudo calcula que desde a Revolução Industrial, até hoje, passados 250 anos, os mares absorveram 118 bilhões de toneladas de carbono, metade do que foi produzido no período.
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Como conseqüência, suas águas se tornaram mais ácidas.
A partir da publicação deste relatório, esporadicamente saem matérias na grande imprensa (a especializada continua debatendo o tema), repercutindo a questão com biólogos, e especialistas nos mais diversos campos da oceanografia.
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A acidificação dos oceanos é a nova ameaça aos corais, o mais importante ecossistema marinho, comparado às florestas tropicais por sua biodiversidade. Justamente os corais, que já enfrentam dificuldades para se reproduzirem, devido à poluição, e ao próprio aquecimento.
Tecnologia a serviço da pesca: perigo mortal
O ser humano tem alcançado eficiência notável para minar a vida nos mares. Passados mais de 2 milênios de extração contínua, sem respeitar o ciclo de vida marinho, aplicamos alta tecnologia à colheita, especialmente depois dos avanços da Segunda Guerra Mundial. Foi a partir dela que surgiram os sonares, capazes de detectar os cardumes com precisão milimétrica.
As redes também mudaram. Antes da guerra, puxadas por força humana, eram menores. Depois, os barcos incorporaram dispositivos hidráulicos, e elas passaram a sofrer de obesidade mórbida, atingindo proporções descomunais. Algumas têm área equivalente a seis aviões Jumbo!
Oceanos e descobertas sombrias: a pesca em 1950 e hoje
Os dados da FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura, são públicos: em 1950 retirava-se do mar, por ano, 19 milhões de toneladas de peixes. Passados 50 anos, a cifra saltou para 130 milhões de toneladas!
Ainda, segundo a FAO, a frota pesqueira mundial é 40% maior que os oceanos podem suportar. Só em subsídios, prova maior da falta de sustentabilidade na atividade pesqueira, são 20 bilhões de dólares por ano (a maior parte do Japão e Comunidade Européia).
Habitas marinhos
Além destes dados acachapantes, é preciso lembrar o constante e metódico desaparecimento de habitats marinhos, como manguezais, e estruturas coralíneas, que cedem o espaço que ocupavam para a urbanização dos litorais.
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Sessenta por cento da população mundial mora na zona costeira. A outra conseqüência desta preferência é a poluição. O aglomerado humano precisa de banheiros. Mas a grande maioria não tem banheiro em casa…
Poluição por esgotos não tratados: mais oceanos e descobertas sombrias
Diariamente 2 milhões de toneladas de esgotos não tratados são despejados nos oceanos, o que torna os nossos dejetos a maior causa da poluição marítima mundial.
A despeito destes graves problemas, agora surge um ainda mais cabeludo: a acidificação da água dos oceanos.
Acidez
Os químicos medem a acidez em unidades de pH, numa escala que vai de zero (o mais ácido), até 14 (o mais alcalino). A água do mar, alcalina, tem pH de cerca de 8,1.
O estudo revela que a ação humana recente provocou a queda pH dos oceanos em 0,1 unidades. Até 2050 os cientistas imaginam que o índice possa cair mais 0,2 unidades. O que isto pode causar?
Na melhor das hipóteses, “é mais uma eficiente contribuição” para a morte da vida marinha. Caminhamos céleres para transformar os oceanos num deserto inanimado.
Já cansei de ler artigos de especialistas alertando que as futuras gerações, a continuar este ritmo de degradação, encontrarão apenas bactérias e águas- vivas no mar.
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Ameaças à base da cadeia de vida marinha
Descobri que o sinistro alerta está mais próximo de se tornar realidade do que eu pensava. A revista Nature acaba de publicar os resultados de uma nova pesquisa, arrasadora para nosso estilo de vida. Ela aponta evidências que o aquecimento global está atacando a base da cadeia alimentar de vida marinha, diminuindo a quantidade de algas do fitoplâncton. Pior: outras plantas, como as gramas marinhas, também estão desaparecendo.
Estes vegetais microscópicos são a alimentação do zooplancton, que depois se tornam comida de organismos maiores, que por sua vez são devorados por peixes e crustáceos, e assim por diante, até chegarmos nos tubarões e orcas do topo da cadeia.
Semana passada a Folha publicou um resumo deste novo relatório, que teve como base análises feitas em 445 mil medições, em mares de todo o planeta.
Sua conclusão: nos últimos 60 anos houve queda de 40% das algas do fitoplâncton. De acordo com os cientistas, a diminuição estaria ligada ao aquecimento do planeta, e ao aumento da temperatura dos oceanos.
Não é difícil entender. As algas precisam da luz do sol para viver, e produzir a fotossíntese, por isto ficam próximas da superfície, onde incide a luz solar. Com o aquecimento dos mares, as águas frias, ricas em nutrientes não conseguem aflorar. Sem que as águas frias subam, não há nutrientes para as algas, que diminuem.
Sem elas, ou melhor, com a diminuição das algas, base da cadeia alimentar, todo o sistema de vida fica comprometido.
Atingimos o moto- perpétuo ao contrário: quanto mais pessoas consumindo no mundo, mais liberação de dióxido de carbono. Quanto mais CO2, mais aquecimento global, e maior acidificação.
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Com mais aquecimento e acidificação, menores chances para a vida marinha.
A pesca industrial está fadada a desaparecer
Por estas e outras, a pesca, tal como a conhecemos, está liquidada. Cinqüenta por cento dos estoques já se foram. Falta pouco para detonarmos de vez outros 25%. Restam, hoje, cerca de 25% dos recursos pesqueiros mundiais. Os cientistas calculam que a pesca industrial acaba em 2048.
Você acha pouco?
O acidente da British Petroleum: perigo oceanos e descobertas sombrias
Bom, de vez em quando, como que para apressar a catástrofe anunciada, ainda temos um acidente, como o da British Petroleum e a tragédia do Golfo do México, provavelmente o maior acidente com petróleo da história.
Ninguém conseguiu calcular com precisão quanto óleo escapou para o mar. Os jornais trazem cifras que vão de 350, até 700 milhões de litros, nos 85 dias em que o combustível vazou ininterruptamente. O Golfo do México nunca mais será o mesmo.
Mas não se iluda. O problema é gerado por todos nós. Apesar destes acidentes dramáticos, eles são responsáveis por menos de 20% do óleo derramado no mar. O grosso vem de nossos automóveis, e estilo de vida.
É isto que queremos?
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Então, é bom se preparar, a carne de peixe criado em fazendas é insossa, insípida e inodora. E este é o menor dos problemas que a nova situação vai nos trazer.
PS
Recomendo a leitura da resenha de um livro, com o sugestivo título Four Fish: The Future of the Last Wild Food,” publicada pelo crítico de gastronomia do New York Times, em 29 de julho:
E bom apetite enquanto é tempo.
Fontes: http://www.nsf.gov/; http://www.noaa.gov/; http://www.ucar.edu/communications/Final_acidification.pdf;