Os lixões e a omissão, um grave problema ambiental
O Brasil é um país pra lá de curioso. Dá um passo pra frente, um pro lado, outro pra trás, para só depois prosseguir no avanço, sempre a passos de cágado. Aqui há outra curiosidade típica: leis que ‘pegam’, e leis que ‘não pegam’. Não conheço outro lugar onde este anacronismo ainda acontece. E assim vai se cristalizando o País do futuro. A gente nasce, cresce, envelhece, ouvindo a ladainha: o País do futuro. Sei… De vez em quando ainda aparece nova autoridade embalada em fracassos seguidos que insiste: ‘o Brasil vai surpreender o mundo’. Ora, já não surpreendemos o suficiente? O assunto de hoje são os lixões e a omissão, um grave problema ambiental.
Lixões e a omissão
A Lei n.º 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, parece que é uma destas que ‘não pegou’. Há mais de dez anos ela definiu que os lixões deveriam ter sido completamente extintos até 2014.
Sete anos depois, mais da metade dos mais de 5.500 municípios brasileiros (51,5%) ainda descarta lixo de forma inadequada, sem qualquer tipo de tratamento. O pior é que o assunto não comove a opinião pública. Parece até que estamos falando dos oceanos… Só isso justifica tanto atraso.
Os dados são do relatório Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, 2021, da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).
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A maioria das cidades ainda mantém depósitos de lixo sem qualquer tratamento. Se continuarmos nesta balada, só cumpriremos o objetivo de reduzir os impactos do lixo em 2060. Mas o prazo estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) vai só até 2030. Hora de rever a Lei?’
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Carlos Silva Filho, presidente da Abrelpe, disse ao jornal Valor: “O segmento (de tratamento do lixo urbano) avança a passos muito lentos, a despeito de todo o arcabouço legal para acabar com os lixões no Brasil.”
O lixo por região do Brasil
O relatório destaca que ‘A região Sudeste é responsável pela maior massa coletada dentre as demais regiões do país, com pouco mais de 40 milhões de toneladas por ano, seguida das regiões Nordeste, com pouco mais de 16,5 milhões de toneladas, e Sul, com cerca de 8,5 milhões de toneladas coletadas.
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A coleta seletiva
Sobre a coleta seletiva houve um certo avanço. Segundo o relatório, ‘Em 2020, o número de municípios que apresentaram alguma iniciativa de coleta seletiva foi de 4.145, representando 74,4% do total de municípios do país. Importante destacar, porém, que em muitos municípios as atividades de coleta seletiva ainda não abrangem a totalidade da população, podendo ser iniciativas pontuais. As regiões Sul e Sudeste são as que apresentam os maiores percentuais de municípios com iniciativa de coleta seletiva’.
A omissão de 30% dos prefeitos
‘Quanto à destinação dos RSU, ou Resíduos Sólidos Urbanos, cerca de 30% dos municípios brasileiros ainda destinam os resíduos coletados sem nenhum tratamento prévio, o que contraria as normas vigentes e apresenta riscos diretos aos trabalhadores, à saúde pública e ao meio ambiente’.
Logística Reversa
Com a vigência da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), a logística reversa foi estabelecida como um dos instrumentos de implementação do princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.
Diante disso, diversos setores passaram a ser responsáveis por encaminhar ações para a implementação de sistemas de logística reversa de produtos e embalagens pós-consumo, no intuito de priorizar seu retorno para um novo ciclo de aproveitamento.
EMBALAGENS DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS
No ano de 2020 demos esta boa notícia no post Reciclagem de embalagens de agrotóxicos, boa notícia confirmada agora pelo relatório da Abrelpe: O Sistema Campo Limpo, operado pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), teve expressiva evolução em seu processamento passando de cerca de 31 mil toneladas em 2010 para quase 50 mil toneladas em 2020 (Gráfico 11), das quais 93,1% foram enviadas para reciclagem e 6,9% para incineração’.
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Mas o relatório não fica apenas nas embalagens de defensivos agrícolas e aborda também pneus; lâmpadas; medicamentos; eletrônicos; baterias de chumbo-ácido irreversíveis; embalagens de aço; e embalagens em geral.
Monitoramento prevenção e combate ao lixo que vai para o mar
Este é outro dos tópicos do relatório da Abrelpe. Em resumo, eis o que diz: ‘Em todo o mundo, estima-se que a cada ano mais de 25 milhões de toneladas de resíduos sólidos têm os oceanos como destino. Cerca de 80% desse total são oriundos de atividades humanas desenvolvidas no continente…’
‘De acordo com estimativas da ABRELPE, o país contribui com cerca de 2 milhões de toneladas de resíduos sólidos que vazam para o mar anualmente, provenientes diretamente dos municípios litorâneos e regiões interiores, depois de percorrer grandes distâncias através de rios’.
Lixo Fora D’Água
‘Este foi um programa criado em 2018, fruto de um acordo de cooperação entre a ABRELPE e a Agência de Proteção Ambiental da Suécia (SEPA), tendo a cidade de Santos, no litoral de São Paulo, como destino das ações pioneiras de monitoramento, prevenção e combate ao lixo no mar e nos demais corpos hídricos’ (Este site já cansou de alertar que os rios do Brasil estão na UTI).
‘Após a bem-sucedida experiência em Santos, o projeto teve seguimento e hoje conta com 11 municípios brasileiros, que representam 14 milhões de habitantes e integram o Programa Lixo Fora D’Água no compromisso de aprimorar a gestão de resíduos sólidos como passo fundamental para a solução dessa problemática’.
E de onde vem o lixo que vai parar na costa brasileira?
‘E de onde vem o lixo que vai parar na costa brasileira? Um estudo inédito realizado em parceria com a Universidade de Leeds, no Reino Unido, no âmbito do Programa Lixo Fora D’Água, permitiu estimar que cerca de 690 mil toneladas de resíduos plásticos tenham como destino os corpos hídricos, todos os anos no Brasil’.
Por ‘corpos hídricos’ leia-se rios, a maioria dos quais está na UTI.
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Principais conclusões do estudo
‘Como observado em vários momentos desta edição do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2021, a pandemia da COVID19 trouxe novas dinâmicas para os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos nas cidades que além de registrar um aumento nas quantidades geradas e coletadas por conta da transferência dos centros de geração de resíduos para os domicílios, também ganharam mais visibilidade junto à população, principalmente pelo seu caráter de continuidade…’
Sistema linear de gestão
‘A partir dos dados apresentados, também se verifica que o país ainda permanece com um sistema linear de gestão de resíduos sólidos urbanos, apesar da vigência de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos desde 2010…’
Prejudicando a saúde de 77,5 milhões de pessoas
‘A despeito das diversas proibições existentes há décadas para impedir a poluição causada por resíduos sólidos, ainda vemos práticas de destinação inadequada presentes em todas as regiões do país, com lixões a céu aberto ainda em pleno funcionamento, prejudicando a saúde de 77,5 milhões de pessoas, com um custo anual na casa dos bilhões de dólares para tratamento de saúde e mitigação da contaminação ambiental’.
‘E, da mesma forma, a despeito das determinações para implantação obrigatória de sistemas de logística reversa, poucas iniciativas tornaram-se efetivas em âmbito nacional’.
Faltam recursos
Uma das conclusões do relatório é ‘A falta de recursos aplicados no setor – R$ 0,36/hab/dia para custeio de todos os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos em nossas cidades – influencia de maneira relevante os resultados observados (ou melhor, a falta de resultados)’.
Falta prioridade para o tema
A outra conclusão é a falta de prioridade: ‘A constatação de que, apesar de toda a legislação existente, o volume de RSU que segue para unidades de disposição inadequada continua aumentando, denota a falta de prioridade para o tema e a carência de recursos para financiar soluções que, além de dar cumprimento às determinações legais…’
Como mostra a Abrelpe, referência no assunto, o que de fato está faltando é ação do poder público. Está mais que na hora dos gestores priorizarem este que, além de um problema ambiental é, acima de tudo, um grave problema de saúde pública. Será que estes gestores já ouviram falar no conceito ESG, sustentabilidade, Agenda Verde, etc?
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A julgar pelo que nos traz o relatório, apenas uma minoria de nossos gestores já entraram no século 21. A grande maioria ainda está presa à questões menores, patrimonialistas, clientelistas, e corporativistas. É este o País do futuro?
Leia aqui a íntegra do relatório.
Imagem de abertura: Edilson Rodrigues/Agência Senado