Orla do Grande Recife aos poucos se dissolve
Recife é a mais vulnerável das capitais brasileiras às mudanças do clima e consequente subida do nível do mar. Uma série de fatores contribuem para a situação. O problema não se resume à capital, mas à orla do grande Recife. A região metropolitana tem uma população de 3,69 milhões de pessoas (IBGE, CENSO 2010) e que inclui quatorze municípios. Apesar do aquecimento não ser levado a sério no Brasil, muito em razão do negacionismo que hoje impera, o País está no 17º lugar entre os mais vulneráveis à subida do nível do mar. Os dados têm como base o último relatório do IPCC, e fazem parte de estudo do Climate Central, ONG que analisa e informa sobre a ciência do clima. O trabalho teve como base estudo publicado em outubro de 2021 na Environmental Research Letters que focalizou os locais mais sensíveis a sofrerem ‘inundações sem precedentes’, caso não sejam adotadas políticas e medidas de mitigação. Orla do Grande Recife é o tema de hoje.
As cidades brasileiras mais ameaçadas
Do Sul para o Norte, Porto Alegre, Santos, Salvador, Recife, Fortaleza e São Luís (Saiba mais em post interativo) são as cidades mais ameaçadas pela subida do nível do mar de acordo com estudo do Climate Central.
Mas, se levarmos em conta apenas os dados do último relatório do IPCC, de agosto de 2021, a ‘Veneza brasileira’ ocupa o 16º lugar entre as cidades mais ameaçadas. Os motivos são a geografia do Recife, com baixa topografia, alta densidade demográfica, e ocupação desordenada, uma das características do litoral brasileiro.
Recife: ocupação é muito próxima da costa
No Brasil, a academia também alerta o poder público. O professor Marcus Silva, do Departamento de Oceanografia e vice-coordenador do Centro de Estudos Avançados da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) falou à Folha de Pernambuco:
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E completou: “A gente tem muito ribeirinho, uma população pobre que mora nessa situação. Temos toda uma planície que acompanha os rios e a economia da cidade gira em torno de ilhas”.
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Má gestão de grande parte dos municípios costeiros
Para este site há outro problema. Na verdade um problemão, que acentua e anaboliza os outros: a má gestão de grande parte dos municípios costeiros, geridos por uma casta de políticos despreparados cujo principal interesse é patrimonialista.
Muitos não distinguem o público do privado, a maioria pensa mais nos benefícios que poderão auferir do cargo que nos problemas da população.
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Assim tem sido no Brasil. Na região Sul, os exemplos mais gritantes acontecem no estado de Santa Catarina onde a especulação se disseminou mais que a Covid-19. Como exemplos apontamos Florianópolis, Itajaí, ou o Balneário de Camboriú.
Especulação e má gestão no Sudeste e região Norte
No Sudeste, destacam-se os municípios do litoral norte de São Paulo, Ilhabela, São Sebastião, e Ubatuba e, no litoral sul, Ilha Comprida. Mas o Rio de Janeiro, e o Espírito Santo, não fogem à regra. E, na região Norte, Atalaia é o paradigma.
Recife, cidade entre rios
A capital de Pernambuco nasceu entre os rios Capibaribe e Beberibe, cercados por manguezais. Desde o início da colonização os mangues têm sido aterrados para o crescimento da cidade.
Carcinicultura e suas ‘contribuição’ para a perda de manguezal
Mais recentemente, no final do século passado, o Nordeste sofreu outro problema. A febre da carcinicultura que extirpou mangues em grande quantidade em toda a região, exceção ao Estado da Paraíba, o que menos sofreu.
Enormes manguezais, protegidos pela legislação ambiental, foram ‘doadas’ aos produtores de camarão do Nordeste contribuindo para a diminuição de sua área original. Pernambuco não escapou desta sina.
O que sobrou do mangue em Recife
Hoje, o que sobra de manguezal mal lembra o que havia no passado. Segundo o Diário de Pernambuco, ‘Hoje, dos 220 quilômetros quadrados de território do Recife, 5,34 são de área de mangue. Isto é, apenas 2,4% da superfície do centro urbano’.
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O que resta dos mangues da região metropolitana está na mira dos especuladores. Hoje, a maior área é o Parque dos Manguezais, com extensão de 320 hectares situado entre os bairros de Boa Viagem, Pina e Imbiribeira, e que pertence à Marinha.
E o manguezal do Pina, apontado como uma das maiores manchas de mangue em área urbana, mas que vem sendo degradado há anos. Nas bordas deste manguezal foram erguidos prédios empresarias, e até mesmo o RioMar Shopping, um centro comercial de grande porte.
Como se sabe, os mangues estabilizam a linha da costa, impedem a erosão entre muitos outros e importantes serviços que prestam, como a extraordinária capacidade de sequestrar dióxido de carbono da atmosfera, um dos gases causadores do efeito estufa.
O geólogo e pesquisador do Climate Lab da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Fábio Pedrosa, também opinou ao jornal Folha de Pernambuco. “Se você caminhar por ruas (dos bairros) de Santo Antônio ou São José, você vai ver que quando a maré está muito alta, a rua tem um pequeno alagamento e nem está chovendo.”
E alertou:
“A cidade precisa se preparar melhor revendo e discutindo de forma muito séria e elaborada a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento. Se não tivermos competência técnica e social de entender, não temos condição, enquanto cidade, de enfrentarmos a questão da elevação do nível do mar.”
O porto de Suape
Foi uma mega obra no litoral de Pernambuco que, segundo alguns ambientalistas, gerou uma série de consequências para os litorais norte e sul do Estado, alterando a dinâmica costeira. O porto entrou em funcionamento no início da década de 80.
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Para construí-lo, imensas áreas de mangue foram extirpadas, além da concretagem de molhes mar afora, etc, para receber os navios. As consequências da modificação na linha da costa não se fizeram por esperar. Suape é uma das causas dos ataques por tubarão na região metropolitana do Recife como já explicamos nestas páginas.
Além destes problemas há, na região metropolitana do Recife, uma ocupação desordenada fruto da especulação e da ignorância, que tende a ser feita sobre a areia da praia, ou na areia circundante. Isto é fatal para o acirramento do processo erosivo que é natural na zona costeira.
Para finalizar, temos o aumento da subida do nível do mar, e a violência dos eventos extremos, dois fatores oriundos do aquecimento do planeta. Está formado o cenário ideal para a erosão e degradação costeira.
É o que acontece em Recife, Paulista, Olinda, Itamaracá, e Ipojuca, entre outros municípios da região metropolitana.
As praias de Recife
São duas as praias do município. A praia do Pina, e a de Boa Viagem. Esta última já tem longos trechos sem areia, em que as pessoas são obrigadas a usarem o calçadão se quiserem prosseguir em seu passeio.
O processo é tão forte, e já faz tanto tempo, que há não apenas teses acadêmicas e estudos (Estudo de Monitoramento Ambiental Integrado -MAI-em 2008) sugerindo a recuperação da faixa litorânea nos municípios de Recife, Jaboatão dos Guararapes, Olinda e Paulista; até livros relatam a erosão em mais de um terço da praia de Boa Viagem.
Em 2016, segundo o Diário de Pernambuco, o então prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), informou ‘que as obras iriam começar no primeiro semestre do ano’. Mas não passou de mais uma promessa vazia, apesar da aprovação da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH).
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Jaboatão dos Guararapes
Jaboatão foi o único município a seguir o conselho em 2013, recuperando as praias de Piedade, Candeias, e Barra de Jangada, ao custo de R$ 41,5 milhões de reais.
Recife, Olinda, Paulista, e Itamaracá, não tomaram conhecimento. Ao contrário. Muitos fazem ainda mais bobagens, como um muro erguido em cima da praia de Maria Farinha, em Paulista, com apoio do atual prefeito, e que se continuar vai apenas apressar e acirrar o processo de erosão.
Ameaças à nova orla de Jaboatão
Apesar da engorda das praias ter custado mais de 40 milhões aos cofres públicos, a atual prefeitura de Jaboatão dos Guararapes ameaça as praias com um novo projeto ainda mal explicado.
Segundo o site marcozero.com.br, ‘o ousado projeto quer ligar Barra de Jangada a Boa Viagem, contemplando todos os oito quilômetros de praias do município, e será dividido em três etapas, ao custo total que ultrapassa os R$ 20 milhões’.
O marcozero.org informou que o novo projeto ‘foi apresentado com pompa e circunstância no começo do mês, com a presença do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon)’.
O novo projeto já tem um site. O marcozero ouviu o oceanógrafo e doutor em Engenharia Ambiental, Rodrigo Barletta, que foi certeiro:
“Qualquer coisa construída em cima de areia engordada não é uma boa ideia. Se esse calçadão fosse construído apenas em área pavimentada, já existente, tudo bem. Mas colocar mais concreto em cima de uma obra de engordamento de praia é construir algo fixo sobre algo que se mexe. A tendência disso é ter problemas.”
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O marcozero.org ainda informa que ‘Barletta, que trabalhava na Coastal Planning & Engineering, consultoria contratada pelo Governo do Estado e que, em 2011, fez um relatório desaconselhando construções na praia.’
Mesmo com o advertência da consultoria contratada pelo Governo do Estado, o prefeito de Jaboatão, Anderson Ferreira (PL), insiste investir no novo projeto. Estranho, não?
Em Itajaí, SC, o prefeito também se aliou ao Sinducon local, e ameaça acelerar ainda mais a especulação que já desfigura as praias do município. O roteiro de ambos é idêntico…
A engorda das praias
O professor Marcus Silva se manifestou sobre a ocupação de áreas muito próximas ao mar ao jornal Folha de Pernambuco, em outubro de 2021. Para ele, “Temos que respeitar o espaço da praia, já estamos sofrendo muito por termos ocupado. A Região Metropolitana do Recife avançou para o nível do mar.”
“Se pegar qualquer outra orla, como Natal, João Pessoa e Maceió, há uma ocupação diferente da nossa aqui. Temos que engordar [a praia], mas há um custo de manutenção porque isso não vai se manter.”
E mais uma vez o professor alertou sobre alterações na linha da costa, e possíveis consequências em outros locais do litoral.
“Não é só responsabilidade do Recife. A gente resolve o problema da gente e o problema dos outros termina contaminando. Precisamos de uma solução integrada e pensada num contexto um pouco maior. Você tem o mesmo problema em Olinda, Jaboatão e Paulista. Se você atua de forma errada, termina transferindo o problema para outro.”
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E, segundo o Diário de Pernambuco (04/01/2016), ‘A erosão marinha na Praia de Boa Viagem teve início na década de 1980, após a construção do calçadão. Segundo especialistas, o calçadão ficou muito próximo do mar.
As regiões estuarinas do Recife
Como sempre acontece, aos mais pobres sobram locais de risco, evitados por aqueles que podem.
Assim, as regiões estuarinas do Recife também foram ocupadas criando um problema social, e piorando ainda mais o ambiental. Sobre isto, disse o professor Marcus Silva:
“É um desafio de toda a sociedade, não é uma discussão de ambientalista. Temos que ter uma sociedade mais participativa.”
O geólogo Fábio Pedrosa, concorda. Ele declarou ao jornal Folha de Pernambuco: “É urgente que a sociedade, de uma forma geral e, sobretudo, para aqueles que moram numa cidade como o Recife, entendam que a questão ambiental precisa ser levada mais a sério. A sociedade precisa se engajar e cobrar mais medidas eficazes. Políticas públicas existem, mas muitas vezes são negligenciadas.”
Falta de segurança na orla do Recife
Outro problema comum, que demonstra o pouco caso do poder público com relação ao cartão postal do Recife, é a falta de segurança.
O site Correio24horas.com.br, em matéria de 2019, relata que ‘Assaltos constantes e falta de policiamento têm sido tema de reclamações entre comerciantes e frequentadores do calçadão da orla de Boa Viagem, na Zona Sul de Recife, em Pernambuco’.
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Segundo o site, ‘Os relatos de assaltos são muitos – de banhistas a comerciantes, todo mundo tem uma história para contar sobre o assunto’.
Em 2021 foi o g1 que alertou ao publicar ‘Comerciantes reclamam da falta de segurança na orla de Boa Viagem’. Pelo visto, o prefeito João Henrique de Andrade Lima Campos (PSB) tem coisas mais importantes a fazer que dotar o cartão postal de sua cidade, que vive também do turismo, de mínimas condições para bem atender os turistas.
Se o poder público sequer oferece segurança pública, que dizer de resolver o problema do deficit de areia da praia de Boa Viagem?
Imagem de abertura: www.observatoriodorecife.org.br.
Fontes: https://www.folhape.com.br/noticias/avanco-do-mar-ameaca-o-recife-uma-das-cidades-mais-suscetiveis-a/201803/; https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/inseguranca-preocupa-frequentadores-da-orla-de-boa-viagem-em-recife/; https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/vidaurbana/2018/10/apos-engorda-as-praias-de-jaboatao-sofrem-com-areia-de-sobra-e-pouco.html; https://marcozero.org/nova-orla-de-jaboatao-ameaca-engorda-que-resolveu-efeitos-da-erosao-avisam-especialistas/; https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/vidaurbana/2016/01/boa-viagem-tera-40-metros-de-faixa-de-areia.html;https://g1.globo.com/pe/pernambuco/ne1/video/comerciantes-reclamam-da-falta-de-seguranca-na-orla-de-boa-viagem-na-zona-sul-do-recife-6295905.ghtml; https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/vidaurbana/2017/07/a-relacao-do-recifense-com-o-manguezal-da-cidade.html.