O risco Bolsonaro para a Amazônia, por Paulo Artaxo
A revista Science é, provavelmente, a mais prestigiosa revista científica do mundo. Na edição de 25 de janeiro, a Science convidou o pesquisador brasileiro Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo, membro do IPCC, para escrever. Artaxo trabalhou na NASA (Estados Unidos), Universidades de Antuérpia (Bélgica), Lund (Suécia) e Harvard (Estados Unidos). Atualmente é professor titular do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP. O título original do editorial é ‘Working together for Amazônia‘, para remeter à conclusão do texto, mudamos para ‘O risco Bolsonaro para a Amazônia‘.

O risco Bolsonaro para a Amazônia
Neste mês, o presidente Jair Bolsonaro assumiu o cargo no Brasil. Ele deve liderar um país que está passando por sua pior recessão e divisões políticas em uma geração. Um momento assustador para tomar as rédeas. Suas soluções imediatas são uma ameaça para a floresta amazônica, recurso que a maioria dos brasileiros deseja proteger. Para que esse sentimento floresça, a ciência e seu papel na formulação de políticas devem ser fortalecidos, não reduzidos. O Brasil deve manter a conservação ambiental e a sustentabilidade como prioridades, se quiser soluções que beneficiem todos os seus povos, bem como o ecossistema da Terra.
‘Entre 2003 e 2014 o país reduziu o desmatamento da Amazônia de 27.700 para 4.500 km2’
Até cinco anos atrás, a ciência estava crescendo no Brasil. De 2003 a 2014, muitas universidades e laboratórios nacionais foram criados. O Brasil enviou cerca de 80.000 estudantes para o exterior para treinamento. Com foco na conservação, na redução das mudanças climáticas e no desenvolvimento econômico sustentável, o país reduziu o desmatamento da Amazônia de 27.700 para 4.500 km2 durante o período. Como a maior e mais diversificada floresta tropical do mundo, a Amazônia desempenha papel importante na regulação da mudança climática.
O sucesso do desmatamento no Brasil
O sucesso do desmatamento fez da nação líder global na mitigação das mudanças climáticas. Depois de 2015 surgiram crises políticas e econômicas. Cortes orçamentários severos foram feitos em agências científicas. Desde então, muitos laboratórios têm operado com muito pouco dinheiro. Alguns professores usam seus próprios salários para apoiar laboratórios e estudantes de pós-graduação. Importantes instituições federais, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, estão tentando obter entre 30 e 40% de seu orçamento para 2015. Os profundos cortes na ciência enfraqueceram a inclusão da ciência nas políticas e serviços públicos que preservam a Amazônia. Nos últimos quatro anos, o desmatamento cresceu, atingindo 8.000 km2 no ano passado.
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Em vez de abordar as crises do Brasil com um compromisso renovado com a ciência e soluções sustentáveis, o governo Bolsonaro está favorecendo os interesses da agroindústria e da mineração que intensificam essas atividades na Amazônia. O novo governo já transferiu a administração de terras indígenas do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura, colocando em perigo áreas protegidas e centenas de milhares de indígenas da Amazônia. Cerca de 20% da Amazônia brasileira já está desmatada. A nova agenda pode minar o “Código Florestal”. Ele exige que os proprietários de terra mantenham um percentual (80% no bioma Amazônia) de suas terras sob cobertura florestal.
‘ONGs sob monitoramento’
O governo também trabalha em um sistema que coloca organizações não-governamentais (ONGs) sob “monitoramento” do governo. Muitas ONGs desempenham papel importante ajudando o governo a preservar a Amazônia por meio de esforços como detecção e controle de incêndios em áreas desmatadas, defendendo os direitos humanos, e o desenvolvimento de estratégias socioeconômicas sustentáveis para políticas públicas.
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‘A seção climática foi eliminada do Ministério do Meio Ambiente’
A seção climática foi eliminada do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério das Relações Exteriores. O Brasil ameaça deixar o Acordo de Paris das Nações Unidas, ao invés de continuar seu papel de liderança global no tratamento da mudança climática. A ambiciosa contribuição nacionalmente determinada do Brasil para o Acordo de Paris visa reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% até 2030, com base nas emissões de 2005. Muitas dessas reduções dependem do fim do desmatamento ilegal e do reflorestamento de 12 milhões de hectares. Essas intenções estão em conflito com o desejo do agronegócio de expandir a pastagem e a agricultura intensiva na floresta amazônica e na vasta savana do Cerrado.
‘Destruir a Amazônia não é a resposta’
Destruir a Amazônia não é a resposta para os nosso problemas. A floresta tropical é um tesouro que deve ser bem mantido para esta e as futuras gerações. Cientistas brasileiros estão prontos para aconselhar o novo governo sobre formas de preservar a floresta amazônica e a região do Cerrado, aumentando a produção de alimentos e o crescimento da economia. Vamos trabalhar juntos para elaborar estratégias para o desenvolvimento da Amazônia que também protejam sua rica biodiversidade e povos indígenas.
Foto de abertura:revistaecoturismo.com.br.