Marinha quer afundar seu antigo porta-aviões
A venda do antigo porta-aviões pela Marinha do Brasil quase levou a empresa MSK Maritime Services & Trading, responsável pelo transporte e recebimento da embarcação, à bancarrota. Além disso, a MB protagonizou uma série de vexames internacionais. A ideia era rebocar a belonave até a Turquia onde seria sucateada no cemitério de navios de Aliaga. Contudo, o que deveria ser um procedimento corriqueiro, tornou-se um imbróglio internacional. Agora, a Marinha do Brasil decidiu-se por afundá-lo. Segundo o Jornal da Band, o dia marcado para o afundamento seria hoje, quarta-feira, 1º de fevereiro.
O futuro do porta-aviões São Paulo
Desde que foi comprado pela Marinha em 2001 operou por pouco tempo em águas brasileiras. Uma explosão em 2004 selou o seu fim. Entre tentativas de torná-lo um museu, a MB operou pela venda para o estaleiro turco Sök Denizcilik e Ticaret Limited .
Assim, em 21 de abril de 2021 começou a interminável saga do São Paulo. Inicialmente ele foi rebocado do Rio de Janeiro até a entrada do Estreito de Gibraltar, onde acabou barrado no baile.
Em razão de denúncias de grande quantidade de amianto a bordo, a Turquia recusou-se a recebê-lo. O rebocador que o conduzia foi obrigado a voltar ao Brasil.
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Ao chegar em águas do Recife, recebeu novamente ordem para não atracar. Assim, desde 5 de outubro o pobre NAe São Paulo está ao largo, fora de águas brasileiras territoriais, por ordem da Marinha.
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Finalmente, quase falida de tantos gastos extras, em 10 de janeiro de 2023 a MSK Maritime Services & Trading, responsável pelo transporte e recebimento da embarcação, enviou uma carta advertência para as autoridades brasileiras renunciando à propriedade do casco em favor da União.
Marinha quer afundar o antigo porta-aviões
Em 28 de janeiro, os jornalistas Catia Seabra e Cézar Feitas publicaram matéria na Folha de S. Paulo sob o título Marinha planeja afundar casco de porta-aviões barrado pela Turquia.
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‘O chamado afundamento controlado vai ser feito por uma série de explosões para abrir rasgos no casco, o que levaria ao oceano também as mais de nove toneladas de amianto presentes na embarcação.’
‘A decisão ainda não foi formalizada, segundo relatos feitos ao jornal. Contudo, diz a Folha, ‘integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmam ser a alternativa viável diante do avançado grau de degradação da embarcação de 266 metros de comprimento.’
A decisão da MB é de fato açodada. A Marinha, que provocou seguidos vexames, não vê a hora de se livrar do abacaxi.
Apesar disso, matéria do Estadão (1/2/2022) informa que ‘Puxando a estrutura a reboque, a Marinha não respondeu o que pretende fazer com ela a partir de agora. Paira uma interrogação – oceânica – sobre o destino do velho navio de guerra.’
Ao que parece, a ideia do afundamento estava em curso. Porém, quando as matérias começaram a sair na mídia a MB parou para pensar nas consequências sobretudo internacionais.
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Tanto é assim que a matéria do Estadão informa que ‘o Ibama disse, na noite dessa terça-feira, 31, estar buscando informações mais detalhadas sobre o local previsto para um possível afundamento do ex-navio “com vistas a eventual mitigação, reparação e salvaguarda do meio ambiente brasileiro”.
Se o Ibama estava ‘buscando informações sobre o local do afundamento’ é porque a MB teria tomado a decisão de afundá-lo.
Problemas no casco da belonave
O Mar Sem Fim entrevistou Zilan Costa e Silva, especializado em Direito Naval, que representa a empresa MSK Maritime Services & Trading.
Sobre a necessidade do navio atracar para consertos ele explicou que o casco de uma belonave como o São Paulo ‘é triplo, feito assim para enfrentar bombas e ainda navegar’. Ocorre que uma das placas de aço exteriores, de 12 metros quadrados, ‘sofreu corrosão pelos anos seguidos em que ficou no Arsenal da Marinha no Rio, tomando sol por bombordo. E esta placa deslocou-se durante a viagem exigindo reparos para voltar a navegar.’
US$ 10 milhões de dólares de custos extras
Entretanto, com as negativas dos vários portos brasileiros, e do gasto extra que atingiu US$ 10 milhões de dólares, a empresa estava praticamente quebrada. Perguntei se o contrato previa renúncia. A resposta foi curta e grossa.
“Renúncia é um ato unilateral, não temos como persistir. A obrigação da empresa era levar o lixo para fora do País. Como as autoridades envolvidas não permitem, o Governo tem a obrigação de receber o lixo que era dele (e arcar com o desastre ambiental que se avizinha, dizemos nós).”
Como esta patacoada foi noticiada em todo o mundo, nenhuma outra empresa se aventuraria a comprá-lo novamente. Com isso, sobrou a opção mais fácil para a Marinha do Brasil, o afundamento.
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A Folha confirma: ‘Militares envolvidos no caso afirmam que não há muitas opções para o descarte do porta-aviões, abandonado pela empresa responsável, e o naufrágio é a única alternativa para dar fim a uma controvérsia de proporções internacionais que se estende desde agosto.’
Contudo, uma informação de última hora, do jornalista Jorge de Sousa, diz que ‘No início da tarde de ontem (30), a força recebeu uma proposta de compra da embarcação proveniente de uma empresa de desmanche de navios da Arábia Saudita, pertencente ao grupo árabe Sela’.
Depois de tantas bobagens, parecia impossível que alguma empresa ainda quisesse o sucatão que a MB transformou em polêmica internacional.
No entanto, aconteceu. Isso torna o açodamento da MB em afundá-lo ainda mais inoportuno.
Marina Silva e preocupações ambientais com afundamento apressado
Segundo nos disse Zilan Costa e Silva, o São Paulo leva em seu bojo algo em torno de 10 T de amianto, material tóxico responsável pela maioria dos cânceres de pulmão ocupacionais e por um terço de todos os cânceres relacionados ao trabalho.
A Folha de S. Paulo informa que, ‘a seus pares, Marina Silva tem manifestado preocupação com os danos ambientais.’
Ela tem razão. Um navio, para ser afundado e tornar-se um recife artificial, deve passar por minuciosa limpeza geral. Todos os materiais corrosivos, ou perigosos como o amianto, as tintas, e muitos outros, precisam ser retirados. Além disso, para que funcione como recife artificial, é preciso um estudo do local apropriado, com várias aberturas no casco para que haja insolação, etc.
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Trata-se de um processo complexo. E nada disso vai acontecer, até porque proíbem sistematicamente que o navio atraque. Para encerrar, toda esta preparação é um processo demorado e caro. Assim, causa estranheza saber que a MB pretende afundá-lo nesta quarta-feira, a uma profundidade de 5 mil metros, mas ainda dentro da ZEE nacional.
Segundo Jorge de Souza, ‘o IBAMA também se pronunciou e afirma que os risco ambiental preocupa seriamente as autoridades justamente se a embarcação for afundada.’
Aparentemente, a Marinha do Brasil quer se livrar deste pepino o mais rápido possível.
Apesar das preocupações de Marina Silva, a Folha indica que ‘a decisão cabe exclusivamente à Marinha. E o governo não estaria disposto a abrir um novo foco de tensão com as Forças Armadas em meio às investigações dos responsáveis pelas invasões das sedes dos Três Poderes, ocorridas no dia 8 de janeiro.’
Reação internacional ao afundamento
Enquanto isso, as organizações ambientais aproveitam para denunciarem o País. O riotime.com publicou ‘Brasil quer abandonar navio de 34 mil toneladas no mar. Seria um desastre ambiental.’
O site diz que ‘. A embarcação, envolvida em uma disputa internacional por seu conteúdo tóxico, está prestes a se tornar um dos maiores lixos do oceano.’
Já o shipbreakingplatform.org, que acompanha a pantomima desde o início informa que, ‘Segundo as ONGs, a Marinha descumpriu as regras de Basileia ao se recusar a permitir que o navio atracasse com segurança no Brasil. Agora, com sua ação de afundar o navio, também está violando a Convenção sobre a Prevenção da Poluição Marinha por Despejo do Protocolo de Londres de Resíduos e Outras Matérias de 1996, bem como a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs).’
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Este não é o primeiro ‘sapo’ ambiental que Lula da Silva engole. Como noticiamos esta semana, o pior deles ainda está por vir. Trata-se da extração de petróleo na foz do Amazonas, dilema para Lula.
Seja como for, é um triste fim para um porta-aviões que a Marinha do Brasil jamais deveria ter comprado, empenhando dinheiro da população em forma de impostos em uma sucata inútil e dispendiosa e, para coroar, ainda mancha a imagem externa do País pelos vexames desde a venda.
New York Times repercute o afundamento
Enquanto isso a repercussão do afundamento proposto pela MB é enorme. Até o New York Times publicou matéria, A Proud Ship Turned Into a Giant Recycling Problem. So Brazil Plans to Sink It (Um navio orgulhoso se transformou em problema gigante de reciclagem. Então o Brasil planeja afundá-lo.). A matéria conta a saga do porta-aviões desde que foi vendido, navegando rebocado de um lado para o outro, com ambientalistas no mundo inteiro monitorando a sucata.
‘Os problemas com o São Paulo começaram quando os ambientalistas suspeitaram porque os inspetores relataram menos de 10 toneladas de amianto a bordo. A marinha disse que muito foi removido ao longo dos anos, mas os ambientalistas pediram provas. Nenhuma foi apresentada.’
Ao comentar a negativa dos portos brasileiros em recebê-lo, inclusive o Arsenal da Marinha, no Rio de Janeiro, onde sempre esteve, diz o jornal: ‘A marinha nunca ofereceu suas próprias bases, por razões que as autoridades nunca explicaram. Então, o navio e o rebocador começaram a navegar em círculos.’
E mais: ‘A Marinha do Brasil não respondeu aos repetidos pedidos de comentários para este artigo.’
Contudo, o Ibama respondeu às indagações do jornal: ‘Em uma declaração em resposta a perguntas do The New York Times, o IBAMA, agência ambiental do Brasil, disse que os produtos químicos de São Paulo podem prejudicar a camada de ozônio, causar a morte da vida selvagem marinha e deteriorar os ecossistemas em importantes hotspots da biodiversidade marinha.’
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Antigos donos do São Paulo contestam a Marinha do Brasil
Em mais um capítulo desta sucessão de vexames, em 2 de fevereiro a MSK e SOK, anteriormente responsáveis pelo ex porta-aviões São Paulo, emitiram nota ‘em repúdio a nota conjunta oficial do Ministério da Defesa, AGU e Marinha Brasileira. com o título’.
Com o título, ‘Ex-donos do porta-aviões São Paulo contestam nota do Ministério da Defesa, AGU e Marinha, o texto é duro: ‘A MSK e SOK repudiam veementemente à nota oficial conjunta do Ministério da Defesa, Advocacia-Geral da União e Marinha do Brasil que acusam indevidamente as empresas, então responsáveis pelo ex-porta-aviões Nae São Paulo de não terem tomados as providências necessárias e de terem atuado com “inércia do proprietário em atender aos requisitos determinados pela” Autoridade Marítima Brasileira (AMB). Também lamentam o velado ataque às autoridades nacionais da Turquia.’
Mais adiante, diz a nota: ‘O documento, longe de esclarecer a realidade dos fatos, encobre o desperdício de dinheiro público do contribuinte brasileiro, literalmente jogado por água abaixo e a inércia das autoridades, estas sim que se mostraram indiferentes ao longo de quase seis meses enquanto o navio vagava sem destino, queimava combustível no meio ambiente e seus representantes buscavam constantemente um diálogo com as autoridades, assim como alertar a sociedade e a imprensa sobre o problema posto e não resolvido.’
Por último, “Lembremos que o ex-porta-aviões pertenceu e pertence à República Federativa do Brasil”, afirma Costa e Silva.
Separando o joio do trigo
Contudo, uma observação merece ser registrada. Este descalabro aconteceu durante a deletéria gestão de do ex-comandante da MB, almirante Almir Garnier Santos escolhido pelo não menos deletério, Jair Bolsonaro. Simplesmente estourou na gestão do atual comandante, o Almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen.
Para quem não sabe, Garnier, não compareceu a posse do novo comandante. Não satisfeito, foi dele a ridícula ideia e organização da passeata de tanques expelindo fumaça negra na Esplanada dos Ministérios, numa cena digna de republiqueta de bananas, para intimidar o Congresso no dia da votação da proposta de retorno ao voto impresso.
Em tempo, segundo nova matéria da Folha de S. Paulo (31/1), depois da proposta Saudita, ‘a Marinha decidiu adiar o afundamento do casco, que estava previsto para ocorrer na quarta-feira (1º). Fontes militares não descartam a possibilidade de a embarcação naufragar de forma involuntária, já que as condições de flutuabilidade do navio estão péssimas.’
A ver o que a palhaçada ainda nos reserva. Continuaremos a seguir e informar nossos leitores.