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Inpe e ‘a perda de protagonismo que está em curso’

Inpe e ‘a perda de protagonismo que está em curso’

Desde a última campanha eleitoral, iniciada em 2018, um dos candidatos não se cansou de propalar que ‘acabaria com as multas do Ibama’. Que ‘retiraria o Brasil do Acordo de Paris‘, e ‘transformaria o ministério do Meio Ambiente em repartição secundária do ministério da Agricultura’. Ganhou o pleito, foi eleito, e iniciou o desmonte do MMA. As queimadas ilegais explodiram na Amazônia em 2019. E aumentaram ainda mais em 2020 provocando reações indignadas lá fora e aqui. Agora, segundo carta aberta assinada por 19 cientistas, muitos do próprio órgão,  e publicada por O Estado de S. Paulo, em 23 de julho de 2020, começa o desmonte do Inpe.

O Mar Sem Fim, engajado na causa ambiental, não pode deixar de dar visibilidade a mais este alerta da academia. Quanto mais informação, melhor.

Inpe e ‘a perda de protagonismo que está em curso’

O trecho entre aspas consta da carta aberta. Ela faz um retrospecto da criação do Inpe “em 1971 pelo general Emílio Garrastazu Médici, com a consolidação da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CNAE)”.

“Desde então”, dizem os cientistas, “o Inpe se dedica às atividades de observação da Terra, o que possibilitou ao Brasil tornar-se líder mundial em monitoramento de florestas tropicais.”

E finaliza: “Um dos marcos nessa trajetória foi a criação do Programa de Monitoramento do Desmatamento (Prodes), em 1989, que calcula anualmente a taxa de desmatamento na Amazônia e fornece dados para milhares de estudos científicos em todo o mundo, trazendo transparência às políticas de controle de desmatamento e preservação na Amazônia.”

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Redução de mais de 80% do desmatamento entre 2004 e 2012

“Foi com base no rigor científico, transparência e confiança depositados nos sistemas de monitoramento do Inpe que a comunidade internacional reconheceu a redução de mais de 80% do desmatamento entre 2004 e 2012. E transferiu para o Brasil quase US$ 1,4 bilhão em pagamentos por resultados. Por esses motivos, a prestigiosa revista Science atesta em 2007 que “o sistema de monitoramento do Brasil é a inveja do mundo”.

Em seguida os cientistas relembram que “desde 2004, com a criação do Deter (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real), o Inpe passou a apoiar o Ibama e demais órgãos ambientais federais e estaduais nas ações de combate ao desmatamento.”

O desmatamento de 2019 e a reação do Inpe

Os cientistas explicam que depois da explosão do desmatamento no primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro, “o Inpe, em colaboração com o Ibama, criou um novo sistema com precisão ainda maior.”

Eles conceberam o Deter Intenso. O sistema “combina imagens provindas de vários satélites ópticos e de radar para identificar novas áreas abertas na floresta.” E informam que “o sistema também agrega informações fundiárias e identificação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) das áreas de abertura.” Em seguida as informações são repassadas diariamente para as equipes de fiscalização.

Os cientistas reiteram que “é seguro afirmar que não faltam dados de monitoramento para o combate ao desmatamento.”

Capacidade do Inpe questionada

Vamos recordar que os problemas começaram em 2019 quando os dados do Inpe vieram à tona. Não demorou para o cientista responsável, Ricardo Galvão, ser exonerado da chefia do órgão. Para o seu lugar foi escolhido o coronel aviador da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião (E neste ano de 2020, depois de dados alarmantes sobre o desmatamento, foi a vez da coordenadora responsável por monitorar a região amazônica, Lubia Vinhas)

Voltamos à carta dos cientistas que afirma: “desde 2017 a capacidade do instituto em apoiar as ações de fiscalização e medir o desmatamento tem sido questionada.”

“Entre as alternativas propostas está o serviço de uma empresa privada dos Estados Unidos cujo principal diferencial são as imagens fornecidas por um enxame de microssatélites. Mas o Inpe já oferece soluções tecnologicamente superiores em diferentes aspectos.”

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Para os cientistas, o Deter Intenso “utiliza imagens ópticas de alta resolução” e “imagens de radar capazes de coletar dados à noite e através das nuvens.” E alertam que “os sistemas privados restringem o acesso às imagens e, desse modo, não podem ter seus resultados auditados de modo independente.”

O domínio sobre a produção dos dados

Os signatários do manifesto alertam que hoje o Brasil “tem o domínio sobre a produção dos dados sobre o próprio território graças aos sistemas de monitoramento do Inpe.” Mas temem uma possível mudança: “no exterior (onde) há muitos outros institutos, universidades e organizações não governamentais também monitorando o que acontece nas florestas do mundo, com a perda de protagonismo do Inpe, eles certamente se tornarão a principal referência sobre o desmatamento na Amazônia.”

A ideia do governo: terceirizar o monitoramento da floresta

Para os cientistas “ao questionar os próprios dados e terceirizar o monitoramento, o Brasil estará colocando em risco sua soberania epistêmica sobre a Amazônia, perdendo a autonomia para gerar o conhecimento sobre a região.”

E afirmam com razão que “é imperativo ao Brasil dominar e continuar mantendo a capacidade de monitoramento orbital constante dos biomas brasileiros.”

É bom a sociedade fazer sua parte e ficar atenta. Chorar depois, não resolve. Continua em curso no Brasil do atual governo, demitir o portador de más notícias, ou aqueles que não se dobram às ideias sem embasamento da ciência. Se mesmo isso não adiantar, então desacreditam as fontes de informação neste caso, o Inpe. O ministério da Saúde passou por isso durante a maior pandemia deste século, e até agora continua com um ministro interino que não é do ramo.

O que esta por trás da terceirização do monitoramento da floresta

No mesmo dia 23 de julho de 2020, no caderno de economia do Estado, o jornalista Celso Ming abordou o tema do Monitoramento das queimadas na Amazônia. E jogou luz sobre o que esta por trás da decisão do governo.

Ming começou explicando: “Uma das afirmações recorrentes do vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, também coordenador do Conselho da Amazônia, é a de que os mecanismos de monitoramento das queimadas “são péssimos”.

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E acrescentou:”É uma afirmação contestada e que possivelmente encobre certas coisas.” Mais adiante, disse mais ou menos o mesmo que a carta dos cientistas: “O problema não está no monitoramento.”

Celso Ming conversou com o cientista brasileiro Gilberto Câmara, hoje diretor secretário do Grupo de Observações da Terra (GEO, na sigla em inglês), com sede em Genebra que, da Suíça, corroborou o que diz a carta que motivou este post: “O problema não está nas informações obtidas por satélite, mas na incapacidade do governo brasileiro de fiscalizar, autuar e coibir o desmatamento nos lugares apontados pelo monitoramento”.

Os cientistas, em sua carta, disseram que  “é seguro afirmar que não faltam dados de monitoramento para o combate ao desmatamento.”

Guerra de ‘narrativas’

Para Celso Ming, “Câmara tem uma explicação e uma hipótese. A explicação é a de que o governo quer conduzir uma narrativa diferente da atual e que sirva a seus propósitos. Não está satisfeito com a transparência com que as informações do Deter foram colocadas à disposição da sociedade. Por isso, gostaria que fossem monopolizadas pelo Exército, que daria a elas o uso pretendido (Exatamente como fez no ministério da Saúde).”

Já a hipótese do cientista confirma a suspeita levantada na carta aberta: “A hipótese do cientista é a de que lobbies interessados na venda de serviços de satélite se empenhem em desqualificar o Deter e, assim, em facilitar seus negócios por aqui.”

Para os cientistas que assinaram a carta aberta, “ao questionar os próprios dados e terceirizar o monitoramento, o Brasil estará colocando em risco sua soberania epistêmica sobre a Amazônia, perdendo a autonomia para gerar o conhecimento sobre a região.”

Situação da Amazônia hoje

Finalmente, em 26 de julho a Folha de S. Paulo publicou matéria que explica a desqualificação de Mourão sobre os dados do Inpe, ‘são péssimos’.

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O qualificativo serve mais à reação do governo aos dados tanto de 2019, como os de 2020.

Segundo a matéria, “Em manifestação técnica encaminhada ao presidente do Ibama, Eduardo Bim, e ao presidente do Conselho da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão, mais de 600 servidores do órgão alertam para um aumento de 28% no desmatamento consolidado na Amazônia entre agosto de 2019 e julho de 2020, em comparação com o mesmo período em 2018-2019.”

Ficou claro agora?

Eis a lista dos assinam a carta que pode ser lida na íntegra neste link: ANA PAULA AGUIAR (INPE); ARNALDO DE QUEIROZ DA SILVA (UFPA); BRITALDO SOARES-FILHO (UFMG); CARLOS NOBRE (USP); LAUDIA AZEVEDO-RAMOS (UFPA); CLAUDIO ALMEIDA (INPE); EDUARDO ASSAD (EMBRAPA INFORMÁTICA AGROPECUÁRIA); FRANCISCO DE ASSIS COSTA (UFPA); GERD SPAROVEK (ESALQ/USP); IMA VIEIRA (MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI); JEAN OMETTO (INPE); JOICE FERREIRA (EMBRAPA AMAZÔNIA ORIENTAL); LUBIA VINHAS (INPE); MERCEDES BUSTAMANTE (UNB); PAULO ARTAXO (USP); PEDRO ROCHEDO (UFRJ); PHILIP FEARNSIDE (INPA); RAONI RAJÃO (UFMG); THELMA KRUG (INPE).

Fontes: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,novo-sistema-do-inpe-consolida-lideranca-do-brasil,70003373122; https://veja.abril.com.br/politica/coronel-da-aeronautica-e-escolhido-como-diretor-interino-do-inpe/; https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,monitoramento-das-queimadas-da-amazonia,70003374131; https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2020/07/desmatamento-da-amazonia-cresce-28-em-um-ano-diz-nota-de-servidores-do-ibama.shtml.

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