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Ilha Comprida está ameaçada pela especulação imobiliária

Ilha Comprida está ameaçada pela especulação imobiliária

A Ilha Comprida, no litoral sul de São Paulo, tem um papel estratégico na formação do Lagamar Iguape-Cananéia-Paranaguá, um dos mais importantes berçários de vida marinha do Atlântico Sul, e de quebra, cercado pelo maior trecho contínuo de Mata Atlântica do País. Por sua importância o lagamar tornou-se uma unidade de conservação federal marinha, no caso, uma APA, Área de Proteção Ambiental.

A ilha Comprida, com 70 Km de comprimento por 3 de largura, age como uma antepara, uma barreira constituída por estreita restinga, separada do continente pelo canal do Mar Pequeno, pelo Valo Grande, e pela foz do Ribeira de Iguape, no município de Iguape. Por este importante aspecto tornou-se também uma APA estadual, a Apa Ilha Comprida. Ilha Comprida ainda é reconhecida pela Unesco como reserva da biosfera do planeta.

O município foi emancipado em 1992

A ilha faz parte do município de mesmo nome, distante cerca de 200 km de São Paulo. Tem um território de apenas 192,09 km², com uma população estimada pelo IBGE em 10.965 habitantes em 2018. No passado, o território era parte de Iguape, 70%, e parte de Cananéia, com 30%. A partir de 1992 o município ganhou sua emancipação.

O transporte entre a ilha e o continente era feito através de balsas. Em 2000 uma ponte interligou Ilha Comprida a Iguape. Começavam aí os problemas de especulação tão comuns no litoral do Brasil.

Como se pode ver pelo mapa, Ilha Comprida tem 70 Km de praias, e praias hoje são o paraíso dos especuladores. As leis ambientais, já bastante desrespeitadas em terra firme, são quase ignoradas no litoral onde existe pouca fiscalização e muita maracutaia.

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Denúncias de verticalização em Ilha Comprida

É curioso como as histórias se repetem no litoral do Brasil. Não faz muito tempo comentamos o super adensamento e especulação muitas vezes comandada por prefeitos em Ilhabela, litoral norte de São Paulo.

Ainda no começo deste ano, o assunto foi o Plano Diretor em São Sebastião, em frente a Ilhabela, contestado pela população em mais um golpe do executivo para facilitar a verticalização do município.

Menos de um mês depois nova denúncia da velha prática, desta vez no litoral sul do Estado, em Ilha Comprida. Ali os ataques começaram quando a ponte foi construída, e não pararam até hoje.

A região do lagamar corre perigo

A última vez em que estive em ilha Comprida foi em 2014, quando fazia a segunda série de documentários para a TV Cultura. Naquela região, gravamos outro episódio que mostrou todas as unidades de conservação federais do bioma marinho. Já no título demonstrávamos apreensão com a situação: APA Cananéia – Iguape – Peruíbe, o lagamar corre riscos.

Sobre a especulação em Ilha Comprida anotamos: Ilha Comprida foi descaracterizada pela especulação imobiliária desde os anos 60. Centenas de casas de veraneio construídas em áreas proibidas como dunas, mata de restinga e mesmo na praia…

E mais: E alguns tipos de pinus, árvore exótica originária da Europa, e outras da Austrália, estão aos poucos tomando o lugar das espécies da Mata Atlântica, descaracterizando a paisagem.

Ilha Comprida está ameaçada pela especulação imobiliária com torres de 30 metros de altura!

Mas o que acontece agora, que nos chegou através do vereador Rogério Revitti, é bem pior: uma lei sob medida para um empresário prevê a construção de prédios com até 30 metros de altura e sete andares em Ilha Comprida!

O empreendimento EccoIlha, contemplado com um projeto de Lei feito sob encomenda.

Segundo o vereador, em 2019, durante a primeira gestão do prefeito Geraldino Junior (PSDB), foi aprovada a Lei Municipal nº 1.625, de setembro de 2019, sem consulta pública. A lei entrou em vigor em 2020 e prevê prédios de até 30 metros de altura.

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Ambientalista contesta empreendimento

O Mar Sem Fim conversou também com o morador da Vila das Pedrinhas, o ambientalista Roberto Nicacio, que já trabalhou na prefeitura em gestão anterior.

Para Roberto, a Lei Municipal  é inconstitucional em razão de não atender dispositivos legais, notadamente a construção popular e técnica, e as audiências públicas conforme prevê os dispositivos.

De acordo com os vereadores de Ilha Comprida, ‘a lei foi feita especialmente para legalizar o empreendimento Ecco Ilha, do empresário Chico Silvestre.

Câmara sabe que errou

Estes dispositivos, não observados à época, foram apontados pela própria procuradoria jurídica da Câmara, através de manifestação recente, corroborando a tese do vício de origem/inconstitucionalidade.

Roberto enviou questionamentos, através da Ouvidoria, à prefeitura relembrando as irregularidades que permitiram o início da verticalização no Município. E lembrou que mudanças estruturais como esta implicam, necessariamente, em consultas à população via audiências públicas.

Roberto Nicacio cita o que disse o vereador Daniel Ramos em recente seção da Câmara, quando afirmou que ‘a Lei nº 1.625 havia sido aprovada para atender exclusivamente um empreendedor em área específica’.

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No mesmo documento consta que a Procuradoria Jurídica da Câmara afirma que deu Parecer favorável (Parecer Jurídico nº 16, de 2021) sem observar certos dispositivos legais.

No ofício, Roberto Nicacio pede que a lei seja revogada em razão dos erros de origem. Ao mesmo tempo o vereador  Rogério Revitti (Cidadania) entrou com um  projeto de lei (PL), que prevê a revogação das leis 1.625/19 e 1.674/20, de autoria do prefeito Geraldino Junior (PSDB).

O PL de Revitti está sendo analisado e, caso seja aprovado, derruba as leis anteriores que permitem a construção de prédios com até 7 andares e 3o metros de altura.

CETESB licenciou empreendimento

Apesar do flagrante erro de origem da Lei Municipal nº 1.625/19, a CETESB emitiu parecer favorável ao empreendimento, dentro do rito Grapohab.
Vale destacar que, como já citado, o empreendimento está localizado em um Mosaico de Unidades de Conservação, dentro da APA Ilha Comprida. Por estar num mosaico de unidades de conservação, o Decreto Estadual 48.149/03 Art 4 Inc V exige consulta ao Conselho da APA Ilha Comprida, o que também não ocorreu.

Não houve consulta à Fundação Florestal

Não houve consulta à Fundação Florestal, tampouco ao Conselho da APA Ilha Comprida. Por sua vez, a Fundação Florestal, embora não provocada formalmente, tem plena ciência do que ocorre, diz Roberto Nicacio.
Sendo Conselheiro na época, Roberto alertou a Diretoria da Fundação Florestal que optou por ignorar a maior intervenção na história da APA Ilha Comprida, não cumprindo com sua principal função: participar do Ordenamento Territorial.

O erro principal de Ilha Comprida

Para o Mar Sem Fim o principal erro foi a emancipação política a reboque da nova Constituição, nos anos 90 do século passado. Ilha Comprida não tem território nem população suficiente para ser um município autônomo.

Criação de mais um município sem condições econômicas de manter-se

A economia é dependente do turismo. Não há praticamente nada além de um comércio incipiente. Mas as despesas com a criação do município seguem firmes e fortes. Há uma Câmara de Vereadores, com seus inúmeros funcionários, além de um prefeito e nove vereadores, e seus assessores. Sem falar em despesas  com carros, telefones, e outros auxílios que políticos recebem.

Um município ainda precisa postos de saúde, escolas, agentes de trânsito, agentes administrativos, funcionários na área de saneamento, assistentes sociais, enfermeiros, médicos, professores, etc. A lista de gastos é enorme. E a das receitas, mínima; a conta não fecha. O município será sempre deficitário.

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O gráfico do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada- não deixa dúvidas sobre o custo da farra dos novos municípios. São quase 6,5 milhões de funcinoários municipais no País.

Ilhas são ambientes frágeis

Além deste problema estrutural, o território é problemático. Ilhas em geral são ambientes frágeis, sujeitos a ressacas, erosão natural, ventos e correntes.

Ilha Comprida já tem problemas demais. Dê uma olhada no mapa e saiba que na cidade de Iguape fica o Canal do Valo Grande, espécie de atalho para as águas do Ribeira de Iguape, que quase destruiu a cidade desde que foi aberto em 1852.

De lá para cá, o canal cortou Iguape ao meio com a natural erosão, e acabou com o porto da cidade, um dos mais importantes do Sul do país no século 19.

Hoje, o excesso de água doce despejada pelo Canal do Valo Grande ameaça a frágil cobertura vegetal do manguezal tanto de Iguape, como da própria Ilha Comprida.

Lixo nas praias

Não bastasse isso, o lixo jogado em Ilha Comprida pela foz do Ribeira de Iguape é algo assustador. A quantidade de itens de plástico chega a entupir partes da praia do lado norte de ilha Comprida.

O lixo atirado nos rios volta às praias de Ilha Comprida.

Mas isso também não é tudo. Desde que a ponte foi construída, ligando Iguape a Ilha Comprida, começou o processo de especulação que não parou até hoje com maior ou menor intensidade.

Casas irregulares

Casas foram construídas irregularmente em cima da areia da praia, e receberam o troco. Foram destruídas pela erosão natural. Algumas áreas de dunas também foram ocupadas. Para finalizar, plantaram pinus em toda a área de Ilha Comprida, corrompendo a sua vegetação original formada pela Mata Atlântica.

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Assim acontece em todas as praias ocupadas irregularmente. É só questão de tempo para a erosão natural dar o troco.

Torres de 30 metros, a pá de cal que faltava

Em vez de trabalhar com esta não pequena lista de problemas, o prefeito Geraldino Junior (PSDB) parece dar guarida a especuladores que podem representar a pá de cal que faltava, ao aceitar um projeto francamente inconstitucional e irracional de se erguer torres com até 30 andares em Ilha Comprida.

Praia de Ilha Comprida com o pinus invadindo o que era local de Mata Atlântica.

E a mobilidade urbana, o recolhimento de lixo, o saneamento básico? Estes serviços não crescem na mesma proporção das enormes torres, muito menos o que ainda resta de vegetação e vida animal, quase sempre sacrificados quando a especulação imobiliária é, se não estimulada, ao menos permitida pelos prefeitos que deveriam zelar pela qualidade de vida de seus cidadãos.

Infelizmente, parece ser este o caso da Ilha Comprida do prefeito Geraldino Junior (PSDB). Se o município tem problemas financeiros não será com a entrega da região aos especuladores que a situação vai se resolver. Ao contrário, criará mais um problema que tende a agravar a situação pondo em risco seu derradeiro atrativo: o meio ambiente ainda saudável apesar dos problemas citados.

O Mar Sem Fim entrou em contato com a assessoria do prefeito Geraldino Junior (PSDB) para que ele se manifestasse sobre a denúncia. Deixamos nossos contatos mas o prefeito não nos procurou.

Enquanto a polêmica está aberta, o vereador Rogério Revitti iniciou uma campanha nas redes sociais via um abaixo-assinado contra o empreendimento que você pode assinar aqui.

Imagem de abertura: Eccoilha
Fontes: https://diariodoribeira.com.br/2021/02/22/vereador-quer-o-fim-das-leis-que-permitem-construcao-de-predios-em-ilha-comprida/; https://www.obugio.org.br/petitions/diga-nao-aos-predios-de-7-andares-na-ilha-comprida-apa?bucket&source=facebook-share-button&time=1614354624&utm_campaign&utm_source=facebook&share=1927efb1-87ba-4517-8b64-a0409f324590&fbclid=IwAR1PERRtM97QqqZfbugZc2RIfFuVsba_-tf1qMk8sq2yIEQpm7KFAYNlNnc; https://www.ipea.gov.br/atlasestado/.

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