Gravidade dos eventos extremos: ‘fora de escala’
No sul do Oregon, um incêndio assola há semanas uma área 25 vezes o tamanho de Manhattan, auxiliado por uma onda de calor recorde. Na China, as enchentes deixaram 51 mortos depois que a chuva de um ano caiu em um único dia na cidade central de Zhengzhou, causando mais de US$ 10 bilhões em danos. Na Rússia, um estado de emergência foi declarado em Yakutia, no Extremo Oriente, onde as autoridades estão criando chuva artificial, semeando nuvens com iodo de prata na tentativa de apagar mais de 200 incêndios. No Brasil o frio extremo provoca geadas e ameaça o agronegócio. A gravidade dos eventos extremos está ‘fora de escala’, segundo os cientistas.
Gravidade dos eventos extremos: ‘fora de escala’
Com o aquecimento global os eventos extremos são mais frequentes e acontecem com maior intensidade, isso já se sabia.
Mas, segundo matéria do Financial Times de 24 de julho, ‘cientistas do clima disseram que a gravidade desses eventos extremos está simplesmente “fora da escala”, em comparação com o que os modelos atmosféricos preveem – mesmo quando o aquecimento global é totalmente levado em consideração’.
Chris Rapley, professor de ciência do clima na University College London disse ao FT: “Acho que falaria para muitos cientistas do clima que estamos um pouco chocados com o que estamos vendo. Há uma mudança dramática na frequência com que ocorrem eventos [climáticos] extremos.”
Mais lidos
Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemPirataria moderna, conheça alguns fatos e estatísticasMunicípio de São Sebastião e o crescimento desordenadoFrota de pesca de atum gera escândalo e derruba economia de MoçambiqueDa enchente mortal na Alemanha na semana passada ao calor escaldante no Canadá que matou um bilhão de animais marinhos, e um dilúvio na região do Mar Negro, o ritmo e a escala dos danos catastróficos têm sido quase inimagináveis, mesmo para especialistas que passaram suas vidas estudando-os.
Frio extremo no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil
Pelo mesmo motivo, aquecimento global anabolizando eventos extremos, os meteorologistas explicam o fenômeno marcado para acontecer durante a semana que vai de 26 até 30 de julho. Meteorologistas ouvidos pela BBC News Brasil disseram que a passagem de massas de ar frio é comum nesta época do ano. No entanto, a magnitude e frequência desses fenômenos podem ter sido alterados pelas mudanças climáticas.
PUBLICIDADE
Mudança no padrão da corrente de jato
Segundo o Financial Times, ‘um fator que está por trás de muitos desses eventos do Hemisfério Norte é a mudança no padrão da corrente de jato, uma faixa de fluxo de ar rápido que governa o clima nesta porção do planeta. A corrente está se tornando mais lenta, principalmente nos meses de verão’.
‘Quando a corrente de jato se torna lenta e instável, os sistemas de alta e baixa pressão aumentam em magnitude e ficam presos em determinados lugares, explicou Michael Mann, diretor do Earth System Science Center da Pennsylvania State University’.
Leia também
Acidificação do oceano está à beira da transgressãoConheça o novo navio de carga híbridoBrasil pega fogo, espanta o mundo, e Lula confessa: ‘não estamos preparados’Para o FT, isso significa que as ondas de calor e a seca (ligadas a sistemas de alta pressão) e inundações (ligadas a sistemas de baixa pressão) se tornam mais persistentes.
Os prejuízos da mudança de padrão da corrente custou US$ 15 bilhões de dólares às seguradoras!
Segundo o jornal The Guardian, ‘o evento causado por um vórtice polar que varreu o Ártico resultou em perdas para as seguradoras de US$ 15 bilhões de dólares, tornando-se o caso mais caro de um evento extremo’.
Seis meses de ventos extremos de 2021 custarão US$ 42 bilhões aos Estados Unidos
A destruição provocada pelos eventos extremos é terrível. Depois das mortes, países começam a contar os prejuízos. Só nos Estados Unidos as seguradoras terão que desembolsar nada menos que US$ 42 bilhões de dólares pelos seis primeiros meses de 2021 de acordo com matéria do The Guardian.
“Ressonância de ondas planetárias”
O fenômeno, conhecido como “ressonância de ondas planetárias”, está por trás da recente onda de calor na América do Norte, por exemplo, onde as temperaturas no oeste do Canadá atingiram os escaldantes 49ºC.
Contribuiu também para o calor extremo na região ártica russa, onde extensos incêndios florestais estão produzindo uma fumaça tóxica que cobriu Yakutsk, uma cidade portuária na Sibéria, mais conhecida como uma das cidades de inverno mais frias do planeta. Os incêndios causaram um dos piores eventos de poluição do ar do mundo, gerando níveis perigosos de partículas.
Processo semelhante aconteceu em Nova York onde o ar ficou ‘embaçado’, turvo, de tantas partículas das queimadas da costa Oeste do país.
PUBLICIDADE
“Embora o aquecimento geral do planeta esteja em linha com as previsões do modelo climático de décadas atrás, o aumento de eventos climáticos extremos está excedendo as previsões”, observou Mann.
Aquecimento de cerca de 1,2° C em média desde os tempos pré-industriais
O Acordo de Paris foi firmado na expectativa de que o mundo não ultrapasse 1,5º C até o fim deste século. Mas já atingimos 1,2º C. Haverá tempo para limitarmos o aquecimento em 1,5º C?
O Financial Times diz que o mundo aqueceu cerca de 1,2° C em média desde os tempos pré-industriais, mas esse aquecimento é distribuído de forma desigual, com o aquecimento da região ártica cerca de três vezes mais rápido do que o resto do mundo, em grande parte devido à perda de neve e gelo reflexivos.
Este aquecimento ártico tem um grande impacto na corrente de jato, que é governada em parte pela diferença de temperatura entre o ar polar frio e o ar tropical quente.
Alemanha e Bélgica, jato mais lento
O jornal explica que na Alemanha e na Bélgica o jato mais lento é um fator que contribuiu para as enchentes que neste mês causaram a morte de mais de 120 pessoas e destruíram cidades e vilarejos.
“Tínhamos um campo de baixa pressão na Europa central que não se movia, era persistente e duradouro. Normalmente, nossos padrões climáticos [mudam] de oeste para leste”, disse Fred Hattermann, pesquisador do Instituto de Pesquisa de Impacto Climático de Potsdam.
“O motor do nosso vento oeste é o gradiente de temperatura do equador ao Ártico”, explicou ele. O aquecimento no Ártico significa que “este motor que temos está enfraquecido”.
PUBLICIDADE
Mas nem todos os eventos climáticos extremos estão relacionados exclusivamente ao jato. O aquecimento global também tem um impacto direto na precipitação e nas chuvas, porque o ar mais quente pode reter mais umidade – cerca de 7% a mais de água para cada 1° C de aquecimento.
Essa é parte da razão pela qual as recentes inundações na Índia e na China foram tão devastadoras, envolvendo ciclos de monções em vez de comportamento de fluxo de jato.
Brasil não aprende com exemplos
O mais lamentável em todas estas informações é que em muitas partes do globo elas não são aproveitadas. Não servem de alertas, especialmente nos países mais pobres ou em desenvolvimento, como o Brasil, que já conta com problemas graves, tendo uma das piores distribuições de renda.
E são, em princípio, os mais pobres os primeiros a pagarem a conta, afinal são eles que moram em barracos em encostas de morros, entre outros locais de risco. Até em prosa e verso cantamos esta ladainha, mas nem com barracão de zinco/pendurado no morro/tradição de meu país nossos gestores políticos acordam.
É muito triste perceber o fosso em que nos encontramos. E prepare-se: ao longo do segundo semestre o fogo vai arder violentamente na Amazônia, Pantanal, e Cerrado, piorando ainda mais a imagem de Pindorama, e ameaçando o que temos de melhor e mais raro, a biodiversidade.
Em outras palavras, são as consequências do desgoverno que estamos vivendo. Antes os problemas fossem apenas na área ambiental.
Imagem de abertura: Tom Rightwood
Fonte: https://www.ft.com/content/9a647a51-ede8-480e-ba78-cbf14ad878b7; https://www.bbc.com/portuguese/geral-57979006?at_custom1=%5Bpost+type%5D&at_custom3=BBC+Brasil&at_custom2=facebook_page&at_medium=custom7&at_custom4=C2D6C566-EE63-11EB-943B-C6FD15F31EAE&at_campaign=64&fbclid=IwAR14pnRJCDr5I27QhmRoQv3x-2N5yqULMnF4mP7kx41n7iM1S50U2KDc3Fo; https://www.theguardian.com/business/2021/jul/21/2021s-extreme-weather-leads-to-insurers-biggest-payout-in-10-years.