Especulação na praia dos Nativos, Trancoso, suspensa pela Justiça
Desde minhas primeiras viagens à região (2006) tenho denunciado a transformação por que passa o litoral da Bahia. Na verdade, não só Trancoso sofre com desmatamento, crescimento desordenado, ocupações irregulares, especulação imobiliária em escala épica, e inação do Estado. O mesmo acontece no litoral norte do Estado. Em Mangue Seco, fronteira com Sergipe, podem ser vistas grandes áreas cobertas com Eucaliptos e Pinus, onde antes havia Mata Atlântica. A carcinicultura que extirpa manguezais era estimulada pelo governo do Estado, ao menos desde o início dos anos 2000, em Jandaíra, Baía de Todos os Santos, Canavieiras, e Caravelas. No início de 2023 foram feitas novas denúncias de desmatamento acelerado no sul da Bahia, na praia dos Nativos, onde seria construído um condomínio (Este post foi originalmente publicado em janeiro de 2023, e atualizado em Outubro de 2024).
Mata Atlântica da Bahia
Não é preciso reforçar a importância da Mata Atlântica para a biodiversidade brasileira. Segundo a SOS Mata Atlântica, ‘ela abrange cerca de 15% do território nacional, em 17 estados. É o lar de 72% dos brasileiros e concentra 80% do PIB. Dela dependem serviços essenciais como abastecimento de água, regulação do clima, agricultura, pesca, energia elétrica e turismo. Hoje, restam apenas 24% da floresta que existia originalmente, sendo que apenas 12,4% são florestas maduras e bem preservadas. É preciso monitorar e recuperar a floresta, além de fortalecer a legislação que a protege.’
Para além disso, a porção que cobre o litoral baiano é ‘um dos mais importantes centros de endemismo do país, com alta diversidade biológica, nela se concentrando 30% das espécies endêmicas de aves, 10% das espécies endêmicas de anfíbios e todos os seis gêneros de primatas encontrados no bioma com três dessas espécies só existentes na região’, informa o Ministério Público do Estado.
Contudo, diz a mesma fonte, ‘de uma área original equivalente a 36% do território baiano, hoje restam menos de 6%, assim mesmo, de forma bastante fragmentada.’
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Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemLençóis Maranhenses, ameaçados por imenso condomínioProjeto de Lei do Governo do Paraná ameaça o licenciamento ambientalCajueiro da Praia, PI, enfrenta a especulação imobiliáriaOu seja, aparentemente não aprendemos a lição e seguimos destruindo o que resta. Ainda em 2017 denunciamos que a Bahia havia sido a ‘campeã nacional’ em desmatamento neste bioma.
Dois anos depois a situação seguia inalterada. Segundo o Atlas da Mata Atlântica, publicação da SOS Mata Atlântica, que monitora o desmatamento ano a ano desde 1989, ‘no período entre 2019 e 2020, foram desflorestados 13.053 hectares (130 quilômetros quadrados).’
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‘Os três estados que mais desmataram no período anterior seguem no topo do ranking, embora mostrem ligeiras reduções em seus índices: Minas Gerais (de 4.972 para 4.701 hectares), Bahia (de 3.532 para 3.230 hectares) e Paraná (de 2.767 para 2.151 hectares). ‘
Janeiro, 2023, nova denúncia de desmatamento em Trancoso
Agora, uma nova denúncia do Um Só Planeta afirma que ‘Entre 2001 a 2021, uma área total de 88,89 km2 de Mata Atlântica foi desmatada no município, de acordo com o site Terra Brasilis, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a partir de imagens do satélite Landsat.’
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Cajueiro da Praia, PI, enfrenta a especulação imobiliáriaDiocese de Sobral envolvida na especulação no litoral oesteDepravação moral da Câmara de Vereadores de Ubatuba‘O maior ritmo de desmatamento ocorreu de 2001 a 2004, quando 9,1 km2 foram destruídos a cada ano. O ritmo caiu em 2020 para 1,01 km2, mas já cresceu novamente para 1,13 km2 em 2021 – o equivalente a 105 campos de futebol.’
Construções na beira da praia
E concluiu: “É bem preocupante esse avanço todo. A área de mangue tem importância ecológica muito alta, é um berçário de muitas formas de vida.” Isto acontece, alerta, para a expansão de construções na beira da praia e destruição de áreas verdes para dar espaço à pecuária.
Como construções na beira da praia entenda-se casas, condomínios, e hotéis frequentados pela classe média alta, ricos e os muito ricos. Conheço e frequento a região até hoje. Existem mansões ‘enxertadas’ dentro do mangue! Foram copiadas por condomínios e hotéis, mesmo sendo o manguezal uma área protegida, ou seja, uma APP, Área de Preservação Permanente.
Praia dos Nativos, Trancoso, é a vítima da vez
A praia dos Nativos é outra que entrou na moda. Consequentemente, aumentam as construções irregulares. g1, ‘Moradores e pescadores do distrito de Trancoso, em Porto Seguro, extremo sul da Bahia, denunciaram a construção de um condomínio de luxo. Segundo eles, as obras comprometem a área de mangue da região. O empreendimento fica em uma Área de Proteção Ambiental (APA), às margens do Rio Trancoso.’
Trata-se de mais uma obra para os ‘muito ricos’. Assim, prossegue célere, embora dentro de áreas protegidas como lembra o g1. ‘Além de estar em uma APA, o lugar também é uma Área de Proteção Permanente (APP), estabelecida pelo novo código florestal brasileiro. A lei determina que mangues devem ser preservados em toda a sua extensão, sendo permitido apenas o uso sustentável do solo.’
Vitória do vereador Vinícius Parracho
Em tempo, segundo o Um Só Planeta, a construtora é a ‘empresa Hartwood Administradora de Bens Ltda, do Paraná.’ E, apesar das imagens, ela jura que tudo é regular. Sua proprietária é a empresária curitibana Vanessa Guimarães Pereira Taques
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O Mar Sem Fim conversou com o vereador Vinícius Parracho, presidente da Comissão de Meio Ambiente, e único a se manifestar contrário à obra que considera ‘totalmente irregular’. Perguntei o que mais poderia fazer para brecar este atentado. “Somos 17 vereadores na Câmara, 15 são ‘governistas’; dois, contra 15 não conseguem aprovar nada.”
Os processos do prefeito Jânio Natal (PL)
O prefeito de Porto Seguro Jânio Natal (PL) declarou que o “maior presente” que os brasileiros podem dar ao Brasil é reeleger Jair Bolsonaro (PL) presidente’. Ele parece comungar do horror ao meio ambiente que tinha seu ídolo.
Como sói acontecer, Jânio já sofreu inúmeros processos. Quando foi prefeito de Porto Seguro pela primeira vez respondeu a a três ações penais no TJ por dispensar ou não exigir licitação para prestação de serviços.
Mas tem mais. Por unanimidade, a segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou denúncia formulada pelo Ministério Público (MP) contra o deputado federal Jânio Natal (PRP-BA) por desvio de verbas municipais quando prefeito de Porto Seguro (BA).
Ou seja, é este tipo de gente que costuma se aliar à indústria do turismo e/ou da construção civil para impulsionar a especulação imobiliária e seus rastros de destruição nas comunidades que ‘administram’ e assim financiarem suas candidaturas.
Acontece exatamente assim no Sul, Sudeste e Nordeste. Só que cada vez mais rápido.
Ocupação de uma área triplamente ‘protegida’
Vinícius disse ainda que foi expulso do conselho de Meio Ambiente de tanto reclamar e apontar as falhas, como a deste empreendimento.
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Entretanto, não se conforma com ocupação de área triplamente protegida. Ele denunciou ao MPF alertando que além de ser uma APA, e o manguezal, APP, a área foi tombada pelo IPHAN. Contudo, lembrou que o período Bolsonaro destruiu não só as estruturas ambientais, assim como as do IPHAN, transformando o órgão numa autarquia ‘inoperante’.
O desmonte, como se sabe, não foi apenas na esfera federal. Em consequência, disse Vinícius ‘o projeto foi aprovado em tempo recorde e sequer passou pelo INEMA – Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, órgão responsável pelo licenciamento ambiental.’
Justiça manda parar obras do condomínio na praia dos Nativos
Para surpresa geral o resultado da denúncia do vereador Vinícius Parracho acaba de sair. Segundo a decisão, da ação civil pública promovida pelo MPF em face de HARTWOOD ADMINISTRACAO E PARTICIPACAO DE BENS LTDA, VANESSA GUIMARAES PEREIRA TAQUES, MAURICIO LUPION TAQUES, MUNICIPIO DE PORTO SEGURO e INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, na qual requer a concessão de tutela de evidência, nos termos do art. 311, IV, do CPC/2015, para que:
Seja declarada a nulidade da Licença Ambiental Municipal no 159/2022; do Parecer Autorizativo do IPHAN no 05/2021 e no 56/2021; e, do RIP no 38070100108-60, a fim de salvaguardar o meio ambiente e patrimônio paisagístico, bem como, impedir os novos danos decorrentes da implantação do projeto aprovado irregularmente…
‘O Inquérito Civil Público nº 1.14.010.000243/2022-00 foi instaurado para apurar a ocorrência de danos ambientais, paisagísticos e dominiais, perpetrados pela empresa Hartwood Administração e Participação de Bens LTDA, durante a implantação de empreendimento em área da União, de preservação permanente, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, na Praia dos Nativos em Trancoso, município de Porto Seguro’.
Mais adiante, diz a Decisão: ‘Conforme exposto, analisando os documentos que compõem o presente feito, é possível constatar dano ao ambiente histórico e cultural, e que, se não for imediatamente suspenso, resultará em prejuízo irreversível à sociedade…’
Mostra ainda que a empresa não agiu de boa fé: ‘Analisando os autos, verifico que o IPHAN, ao fiscalizar a execução do projeto da empresa ré, encontrou divergências entre o que está construído em área da União, de preservação permanente, pela empresa Hartwood Administração e Participação de Bens LTDA e o projeto apresentado e aprovado pela autarquia’.
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O Mar Sem Fim conversa com Vinícius Parracho
Mas uma vez procuramos um dos protagonistas desta justa luta, Vinícius Parracho. Ele está feliz, ‘o Estado finalmente deu uma resposta à especulação imobiliária no sul da Bahia, é bom saber que ainda existem trincheiras onde podemos lutar’.
Mas ele mesmo sabe que se trata-se de uma decisão em primeira instância, que ainda pode mudar. Vencemos mais um round, caro Vinícius, é assim mesmo, dá um trabalhão, demora, mas muitas vezes a gente também alcança a vitoria. Se a Justiça seguir a lei ambiental, não há como reverter a decisão que impede a destruição do mangue dentro de uma APA, e na margem de um rio. Parracho diz que não vai concorrer em outubro, mas tem ajudado a formar candidatos com plataformas ambientais em várias cidades do sul da Bahia, não basta apenas Trancoso, o flagelo castiga toda a região.
A decisão do Juiz Titular Federal Pablo Baldivieso
‘Declara a suspensão da Licença Ambiental Municipal nº 159/2022; do Parecer Autorizativo do IPHAN nº 05/2021 e nº 56/2021; e do RIP nº 38070100108-60, a fim de salvaguardar o meio ambiente e patrimônio paisagístico, bem como, impedir os novos danos decorrentes da implantação do projeto aprovado irregularmente’.
‘Que os réus HARTWOOD ADMINISTRACAO E PARTICIPACAO DE BENS LTDA, VANESSA GUIMARAES PEREIRA TAQUES, MAURICIO LUPION TAQUES promovam, no prazo de 30 (trinta) dias corridos (prazo material), a retirada das cercas e telhas metálicas do entorno do terreno, bem como, o cercamento da área referente à Casa 1, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)’.
E, finalmente, ‘que os réus HARTWOOD ADMINISTRACAO E PARTICIPACAO DE BENS LTDA, VANESSA GUIMARAES PEREIRA TAQUES, MAURICIO LUPION TAQUES sejam obrigados a elaborar um PRAD, no prazo de 60 dias, para recuperar as áreas informadas pelas peritas do órgão ministerial, notadamente os danos decorrentes do cercamento do entorno do terreno e da casa 1, construção das pontes e demais danos verificados no laudo, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00’.