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Especulação imobiliária no litoral catarinense tem aval do governo

Especulação imobiliária no litoral catarinense tem aval do governo

É ultrajante a forma como certos governos agem em relação à zona costeira em época de aquecimento global fora de controle. O litoral catarinense, por exemplo, recebe uma carga de desaforos de governos estaduais e municipais há décadas, não é de hoje. Estes agentes se esmeram em alterar regras para favorecer a indústria da construção civil. Assim, novas construções avançam para beira-mar e, depois, são destruídas ou ameaçadas pelos elementos naturais provocando prejuízos econômicos e sociais. Sai governo, entra governo, persiste a relação incestuosa entre o público e o privado. Enquanto isso,  nossas praias mostram-se reféns das ressacas como aconteceu no final de julho. Centenas de vídeos impressionantes circularam nas redes antissociais. Eles mostram praias cercadas por concreto armado, encurraladas, sem chance de resistir à força da maré.

Erros e omissões do poder público em Santa Catarina

Às vezes parece que o flagelo dos litorais mundo afora enche os cofres de certos gestores políticos de Pindorama. Em vez de investir para reduzir os impactos do aumento do nível do mar e da força dos eventos extremos, esses gestores — especialmente os últimos governos de Santa Catarina, muitas vezes ao lado dos prefeitos de Florianópolis e de outros municípios — preferem atiçar a fogueira ao comandar, permitir, apoiar ou fomentar a especulação imobiliária.

O prefeito de Itajaí, Volnei Morastoni, por exemplo, nomeou vários secretários indicados pelo Sinduscon/Itajaí para liberar obras em áreas proibidas. Mesmo quando não age de forma tão descarada, o poder público encontra maneiras de alimentar a especulação, como ignorar a legislação ambiental que protege dunas, restingas e manguezais — ecossistemas essenciais para repor a areia das praias. Em Florianópolis, o prefeito Topázio Neto deu um exemplo claro: durante a revisão do plano diretor, autorizou cercas, muros, extração de areia e até a circulação de carros sobre dunas.

Outra forma é dar o mau exemplo e erguer infraestrutura onde não deveria, junto à areia da praia. Todos sabem disso, ninguém pode alegar ignorância, mas as obras públicas seguem repetindo o erro. Há também os projetos que deveriam mitigar a erosão costeira — um problema grave, permanente e global — mas que em Santa Catarina viraram um festival caro e inútil de engorda de praias, já criticado pela universidade, mas em vão, como veremos adiante.

Jurerê Internacional: Polícia Federal deflagrou a operação Moeda Verde em 2006

A famosa Jurerê Internacional no litoral catarinense tem em sua raiz uma série de crimes ambientais que detonaram as restingas, dunas e manguezais de Florianópolis. A sujeira era tamanha que, em 2006, a Polícia Federal deflagrou a operação Moeda Verde. Após investigação do Ministério Público Federal, 39 pessoas foram denunciadas, das quais 16 foram condenadas pela Justiça.

Jurerê Internacional. O Il Campanário Villaggio e sua muralha de concreto numa praia tropical. Jurerê o que mesmo? (Foto: Il Campanário Villaggio).

Segundo a Moeda Verde a empresa Habitasul, que tinha uma rede de contatos com funcionários públicos, conseguia com suborno as liberações em Jurerê Internacional. O juiz do caso afirmou que Péricles de Freitas Druck, empresário da Habitasul, era o líder da quadrilha. Ele recebeu a pena mais alta, 28 anos em regime fechado.

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Plano Diretor de 2014: ‘um golpe para impor os interesses da especulação imobiliária’

Em Florianópolis, a orgia com o meio ambiente começou ao aprovarem o Plano Diretor de 2014. Ele foi considerado ‘um golpe orquestrado pelo setor imobiliário da cidade em conluio com a maioria dos vereadores’, como já comentamos.

O exemplo do que o Estado não deve fazer: colocar infraestrutura próxima demais da areia da praia, neste caso, a do Caldeirão.

O manifesto da população aponta o ex-prefeito Gean Loureiro (União Brasil),  e o então vice e atual prefeito, Topázio Neto (PSD), como articuladores da sabotagem da participação popular e favoráveis à especulação imobiliária. ‘A história da lei atual já evidenciava o embate entre os interesses da população versus o interesse do capital imobiliário e sua influência na Prefeitura, Câmara de Vereadores, Instituições do Estado e imprensa hegemônica.’

A população, como sempre, foi deixada de lado. Entretanto ela produziu um manifesto público mostrando que sabia exatamente o roteiro do crime e não compactuava com ele.

‘A gana para impor os interesses da especulação imobiliária acima dos anseios da população ganhou outra intensidade durante a gestão de Gean Loureiro. Nela, a estratégia passou a ser de evidente negação e, posteriormente, neutralização do processo de participação popular por parte da Prefeitura, buscando impor um Plano Diretor à toque de caixa e sem discussão com a sociedade, em evidente desacordo com a lei federal do Estatuto da Cidade.’

UFSC: governo do Estado ‘estimula negócios’ no litoral catarinense

Depois de inúmeras engordas de praias, sempre a um custo de milhões de reais,  a UFSC  publicou uma Nota Técnica onde, entre outras, diz que…

‘A presente nota técnica trata de novas evidências indicando que os empreendimentos de aterro de praia realizados em Santa Catarina não cumprem com os seus objetivos e não cumprem os próprios projetos licenciados. Trazemos evidências inéditas de que após o aterro as praias apresentam piora na balneabilidade e aumento do risco de afogamentos’.

A NT registra que, nos últimos anos, aumentaram os aterros, o engordamento, o alargamento e a alimentação artificial de praias em Santa Catarina. O governo do Estado estimula esses negócios’. A publicação alerta ainda que ‘a análise das etapas do processo de licenciamento, das licenças ambientais e dos monitoramentos em praias como Canasvieiras e Ingleses mostra uma situação ainda mais grave’.

Ou seja, a Nota Técnica deixa claro que por interesse do governo há excesso de engorda de praias no Estado que, no entanto, não cumprem o que diz o licenciamento. E reitera que o Estado estimula estes negócios.

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O litoral catarinense e a ‘guerra’ do prédio mais alto

A estupidez dos prédios tão altos que impedem a insolação, e com isso justificam novas engordas de praias sempre a custos milionários, é fato comum na costa de Santa Catarina. Começou em Balneário Camboriú que já teve que fazer várias novas engordas depois da principal, de 2021. Depois, espalhou-se, com apoio do poder público, para Balneário Perequê.

Veja que não há nenhuma preocupação em esconder o concreto armado, ao contrário, quanto mais exposto melhor.

O balneário é um bairro de Porto Belo, a 72 km de Florianópolis, com população estimada pelo IBGE, em 2022, de 27.726 mil hab. Encontrei dezenas de matérias fomentando a especulação. Todas  muito parecidas, apesar de estarem em sites diferentes.

MP alerta para o perigo das ‘construções desenfreadas em Itajaí’

Depois de Perequê o processo foi para Itajaí onde encontrou amparo do poder público, em outras palavras, do prefeito Volnei Morastoni (MDB) que deu um golpe parecido ao de Florianópolis durante a revisão do Plano Diretor em 2018. Ele é acusado por uma ação orquestrada, planejada para atender interesses de um grupo específico: o setor da construção civil.

Aos poucos o litoral catarinense fica sem sol.

Um das primeiras medidas da prefeitura foi aprovar a construção de prédios que sabidamente tirariam parte da insolação da praia Brava, entre outras.

O Ministério Público de Santa Catarina alertou para o fato de que ‘a liberação de construções sem a elaboração do estudo de impacto ambiental pode acarretar em retrocesso ambiental ou danos ao meio ambiente, devido às construções desenfreadas.’

Enquanto isso, o Ministério Público deu um cala boca na Prefeitura de Florianópolis pela ameaça de extinguir as 11 unidades de conservação da ilha. Ainda podemos ter esperança enquanto o MP estiver atento aos desmandos no litoral.

Prédio ‘pé na areia’ na praia dos Ingleses  cria polêmica

A polêmica da vez é um ‘prédio pé na areia’ que está à venda na praia dos Ingleses por R$ 964 mil a unidade, e gerou protestos dos moradores. Segundo o NSC Total a construção de um prédio de 10 andares na Praia dos Ingleses, tem gerado debates acalorados na comunidade local.

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Imagem, Rocks Investments, Divulgação.

Apesar da promessa de luxo e valorização imobiliária, a Associação de Moradores dos Ingleses e Santinho (Amoris) já se manifestou contrária à construção. Para a entidade, o projeto ameaça a paisagem natural da região, compromete a infraestrutura urbana e pode trazer prejuízos diretos a imóveis já existentes.

De acordo com a presidente Dany Novaes, o projeto traz impactos para a natureza local, afeta construções menores e “ofusca” imóveis ao redor, com potencial para desvalorizá-los, revelou o NSC Total.

O metro quadrado mais caro fica no litoral catarinense

Matéria da Folha de S. Paulo mostra que o processo especulativo começou na década de 1980 ‘impulsionadas por Balneário Camboriú, que possui os edifícios mais altos do país e preços milionários, cidades vizinhas no litoral catarinense vivem um boom imobiliário que fez com que um novo bairro lançado por uma empresa fosse vendido em um único dia e que alcançasse valorização superior a 160%. O preço médio do metro quadrado de imóveis residenciais prontos em Balneário Camboriú atingiu R$ 12.335 em julho, segundo o índice FipeZap+, com valorização de 21,27% em um ano.

‘Ela é seguida por Itapema, com R$ 11.717 (alta de 20,21%), e, entre as seis primeiras cidades do ranking, figuram ainda Florianópolis, quinto lugar, com R$ 10.313 de média por metro quadrado, e Itajaí, em sexto, com R$ 10.106’.

Festival de obras estúpidas e caras

O campeonato sem noção do prédio mais alto gera outras ideias tão estúpidas quanto, e sempre caras, lógico. Foi o que aconteceu em Itapema onde a construtora GPC Empreendimentos ‘ofereceu ao município’, para gáudio do prefeito Alexandre ‘Xepa’, a construção de uma torre de observação de 500 metros de altura.

Por R$ 300 milhões por quê não? O que é esse dinheiro pata Itapema?

Com um investimento estimado em R$ 300 milhões, ela será a mais alta da América Latina e a quinta maior do mundo. A torre, que destruirá o que sobra da paisagem protegida pela Constituição,  incluiria mirantes, ‘experiências gastronômicas’ e ‘espaços culturais’. A brilhante ideia que o prefeito Alexandre ‘Xepa’ mandou estudar é para fazer uma parceria público privada entre a GPC Empreendimentos e a prefeitura.

Lavagem de dinheiro com ajuda do poder público

O poder público forçou a barra, projetou balneário Camboriú País afora, ‘a Dubai brasileira’ erguida também com lavagem de capitais. A moda brega pegou, levou vários milionários inconsequentes a investir assim como despertou o apetite de dezenas de ‘empresários’ entre aspas, e muitas imobiliárias, numa orgia de obras que não param mais.

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Agora, quando acontece uma saturação em algum local os municípios ao lado passam a ser os mais visados. “Porto Belo e Bombinhas, essa região toda aqui, é uma nova Balneário Camboriú”, disse o prefeito de Porto Belo, Joel Orlando Lucinda (MDB).

Com isso o valor dos terrenos sobe sem parar e as renovações de Planos Diretores abrem as portas, facilitam como podem, para os grandes empreendimentos na orla.

O processo de valorização  também faz dos imóveis um nicho de investimentos, assim, investir em imóveis nessa região tornou-se um grande negócio, seja pela valorização, seja pela possibilidade de ganhos com locações o que faz com que os moradores menos abonados hoje não tenham onde morar nestes municípios.

‘Operação “Black Flow”, um dos maiores golpes imobiliários da história de SC’

Esta orgia de construções, em relação incestuosa com o Estado, produz casos escabrosos que, no entanto, aparecem na mídia menos destaque.

Foi o que aconteceu em setembro quando o Gaeco de Santa Catarina desencadeou a operação “Black Flow”, um esquema milionário de um grupo imobiliário composto por sete empresas principais e uma holding com sede nos Estados Unidos que lançavam projetos imobiliários, conseguiam compradores e desviavam o dinheiro para questões particulares. O esquema fraudulento totalizou quase R$ 90 milhões movimentados pelos investigados do grupo empresarial (NSC Total).

O empresário Bruno Fabbriani e familiares, acusados de comandar um dos maiores esquemas imobiliários da história de Santa Catarina foram presos.

Outro golpe imobiliário investigado pelo MPSC em Itapema envolveria a venda de apartamentos de forma ilegal e sem respeitar prazos de entrega, resultando em prejuízo de R$ 90 milhões para as vítimas.

Justiça Federal confirma condenação de Nivaldo Pinheiro, da construtora Procave

Ainda em setembro de 2025, outro caso veio à tona. A Justiça Federal confirmou a condenação de Nivaldo Pinheiro, dono da construtora Procave e um dos empresários mais conhecidos de Balneário Camboriú. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a decisão de primeira instância e determinou pena de 5 anos de prisão em regime semiaberto, além do pagamento de 60 dias-multa, por 14 atos de lavagem de dinheiro ligados a operações financeiras ilegais.

A gente sabe como o processo começou, mas ninguém é capaz de dizer como e quando vai parar. O que se sabe, é que cada vez mais empresas são atraídas pelo lucro fácil. Como mostrou a revista Exame, agora é a vez das grifes internacionais investirem no litoral catarinense que, a cada dia que passa, se parece menos a um litoral e mais com um imenso centro urbano.

Estuário de São Vicente contaminado por cocaína e outras drogas

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