❯❯ Acessar versão original

Elmano de Freitas (PT) e a especulação no litoral do Ceará

Elmano de Freitas (PT) larga o litoral oeste do Ceará na mão de especuladores

A beleza extrema e as condições naturais favoráveis ao turismo e aos esportes náuticos, como surf e kitesurfe, fazem do litoral do Ceará um alvo da especulação imobiliária desde o final do século passado. O litoral leste foi o primeiro a sofrer com boa parte dos empreendimentos turísticos ignorando as leis ambientais. Ocuparam de forma criminosa praias, dunas, falésias, manguezais (para não falar em outro flagelo do Nordeste, a carcinicultura que detonou mangues em todos os Estados da região, exceção à Paraíba), restingas e margens de rios, quase sem reação do Estado. Essas intervenções devastaram a beleza cênica e a biodiversidade do litoral leste. Agora, na atual gestão de Elmano de Freitas (PT), a ameaça acontece no extremo oeste do litoral.

duas casas na praia no litoral leste do Ceará
Juro que adoraria saber como os donos das duas casas puderam ter uma ideia tão boçal simultaneamente e, mais que isso, quanto deve ter custado em propinas. Litoral leste do Ceará, imagem feita em 2006. Acervo MSF.

O foco se desloca para o litoral oeste

Aos poucos, o foco da especulação se deslocou para o litoral oeste, especialmente a partir do início dos anos 2000 quando chegou a luz elétrica. Nestes últimos 20 anos, porém, o fenômeno tomou proporções gigantescas. Estamos falando em investimentos de R$ 200 milhões de reais, ou até mais, e da participação de gente muito ‘graúda’ da sociedade civil, e de políticos do Estado interessados na ‘farra do boi’.

Ao mesmo tempo, o turismo cresce vertiginosamente, Jeri e adjacências recebem dezenas de excursões que saem de Fortaleza de ônibus diariamente, em outras palavras, o turismo de massa.  Foi nesse cenário que surgiu Iracema Correia São Tiago, afirmando ser a proprietária de 80% da centenária vila de Jericoacoara, além de partes do Parque Nacional.

Enquanto os perplexos moradores tentavam entender a nova ameaça, o governador Elmano de Freitas (PT) apressadamente manifestou apoio à pretensão, enfurecendo a população. Desde que a história surgiu senti no ar um cheiro de ‘podridão’, é muito estranho isso acontecer no meio de um ataque maciço da especulação.

Falésias do litoral leste foram ocupadas sem nenhuma represália do Estado. Imagem de 2006, acervo MSF.

A ausência deliberada do Estado no litoral

Fomos à região para acompanhar não só esse caso, como ver de perto o ataque da especulação em todo extremo oeste. Durante dez dias percorremos todas as praias, e estivemos em quase todas as comunidades. Entrevistamos dezenas de líderes comunitários, grandes e pequenos empreendedores, nativos, comerciantes, pessoal envolvido com kitesurfe e outros interessados.

Duas questões se tornaram claras para nós: primeiro, o medo—quase um terror—que a maioria dos entrevistados sentem ao conversarmos sobre a especulação, e os maiores interessados, ou seja, políticos e poderosos investidores.

PUBLICIDADE

Eles temem represálias, muitos já foram ameaçados de morte; segundo, a total ausência do Estado que não percebeu, ou ‘não quis’ perceber que, atrelado à especulação, há um grave problema social que atinge em cheio os mais pobres. Em razão disso, decidimos não divulgar o nome de nenhum dos entrevistados apesar de termos todas as gravações.

Como garantir que as futuras gerações possam desfrutar esta beleza? Praia das Curimãs.

O caso Iracema começou em 2010

Descobrimos que o caso Iracema começou em 2010, quando ela entrou com três processos administrativos contra o ICMBio. Como não houve acordo, em 2017 a empresária processou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Ela pediu R$ 55,5 milhões pelos três territórios desapropriados.

O poder público soube em 2010, a população envolvida, apenas em 2024

Apesar do poder público tomar ciência do caso em 2010, os moradores afetados ficaram sabendo apenas 14 anos depois. Esta é mais uma prova de desleixo do poder público em relação ao litoral cearense e seus 23 municípios, onde mora quase metade da população do Estado. Eles, os maiores interessados, descobriram por acaso o pleito de Iracema de quem nunca ouviram falar, segundo os testemunhos que recolhi.

Em julho de 2023, Iracema protocolou uma reivindicação no Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace). Na ocasião ela apresentou a escritura de três fazendas compradas pelo marido nos anos 80 e propôs uma conciliação.

Nela, Iracema ofereceu ao Estado as áreas tituladas a terceiros até dezembro de 2022, o que representa 55,3 hectares ou 62% da área da Vila. Três meses depois, o governador Elmano de Freitas (PT) apoiou o pleito, afirmando que “a escritura é válida” (referindo-se à de Iracema) e que “o Estado está protegendo o direito de propriedade”.

Um dos muitos protestos dos moradores. Neste, eles abraçaram a praça.

Procuradoria-Geral do Estado do Ceará

O caso chegou à Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) em agosto de 2023, depois que a empresária procurou o Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace). Iracema levou documentos que indiciavam a posse das fazendas Junco I, onde fica a Vila, e Junco II, no Parque Nacional de Jericoacoara, e a terceira em Caiçara. Desde então, a PGE reconheceu a propriedade sobre as terras. Ato contínuo, passou a negociar um acordo extrajudicial. Mesmo assim, a população não foi avisada.

A polêmica veio à tona em 2024, quando o primeiro dos três processos teve sentença proferida. O juiz Sérgio de Norões Milfont Júnior, da 18ª Vara da Justiça Federal no Ceará, condenou o ICMBio a pagar a indenização pela Fazenda Caiçara. E fixou o valor de R$ 2,3 milhões. Os advogados de Iracema recorreram.

Depois da furiosa reação da população, com direito a diversos atos públicos que chamaram a atenção da mídia, mesmo com a ‘apressada’ concordância de Elmano, nos primeiros dias de novembro a PGE-CE ‘achou’ certas ‘inconsistências’ (demorou!) nos documentos, e suspendeu, por tempo indeterminado o acordo extrajudicial firmado com Iracema.

PUBLICIDADE

Os moradores ficaram furiosos, com total razão.

‘Há algo de podre’ muito mais ao sul do que ‘no reino da Dinamarca’

Por que raios houve esta mudança? Quanto dela corresponde à realidade, e quanto deriva da irada reação que levou o Fantástico a enviar sua equipe expondo o caso para todo Brasil?

Ninguém pode com as dunas do Ceará, elas engolem casas, carnaúbas, e vilas inteiras.

Meu palpite é que há algo de podre que escapa ao ‘reino da Dinamarca’.

A falta de indenização e a criação de Unidades de Conservação federais

Antes de mais nada, em nosso primeiro comentário sobre este imbróglio lembramos que a raiz do problema poderia ser falta de indenização ao se criarem unidades de conservação federais, mais um dos erros cometidos pelo MMA. Se a área é rica em beleza natural e biodiversidade a ponto de justificar a proteção, por que a demora no pagamento de indenizações? Apesar de ser óbvio, o governo federal criou muitas UCs sem que os antigos proprietários tenham sido indenizados, o Parna de Jericoacoara não é exceção.

O concreto armado aos poucos vai surgindo, sempre em locais proibidos, em cima de dunas. Litoral extremo oeste.

Em outras palavras, muitas de nossas UCs não passam de ficção como temos denunciado. E isso poderia justificar a pretensão de Iracema Correia São Tiago.

O caso da Vila Jeri e a especulação imobiliária no litoral oeste

Além disso, o diagnóstico é complexo porque o trecho final do litoral oeste do Ceará enfrenta ao mesmo tempo dois surtos, a intensidade da especulação imobiliária, e o início do turismo de massa. Duvideodó, que alguém conheça o litoral brasileiro como este escriba e posso garantir: jamais vi coisa parecida.

Os municípios de Acaraú, Cruz, Jijoca de Jericoacoara, Camocim e Barroquinha atraem cada vez mais especuladores e hordas de turistas durante todo o ano. O cenário se assemelha a um imenso canteiro de obras, repleto de placas de “vende-se” (terrenos).

O processo ganhou tração oficial em 2019 quando o governador Elmano de Freitas (PT), através do COEMA – CONSELHO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE – passou o licenciamento ambiental, antes de responsabilidade do Estado, para os municípios. Foi o mesmo que escancarar as porteiras para a boiada.

PUBLICIDADE

A praia de Jericoacoara continua linda mesmo sem a duna do pôr do sol (desmoronou por mau uso  de turistas, excesso de gente), que chegou a ter 60 metros de altura, e hoje não chega aos 30. Litoral e turismo de massa nunca dão certo. É preciso cautela

‘Cortina de fumaça para encobrir a especulação’

Para dizer a verdade, nada disso é novidade em Jericoacoara. O Estadão, em matéria de de 2001 portanto antes da criação do parque nacional, revelava que ‘para muitos moradores de Jericoacoara (CE), o projeto do Ibama de transformação da APA de Jericoacoara em parque nacional, não passa de uma cortina de fumaça para encobrir um ganancioso plano de especulação imobiliária.

Dois meses antes de anunciar o projeto para a criação do Parque Nacional de Jericoacoara, o Ibama editou uma Instrução Normativa liberando a criação de novos hotéis e pousadas na vila. Além disso, o limite de altura das construções foi elevado de 4 metros para 7,5 metros’. 

A mudança gerou uma avalanche de investimentos. Alguns empresários disseram que o processo de especulação acelerou ainda mais depois da inauguração do hotel Mosquito Blue, em 2004, onde uma diária hoje custa R$ 790,00.

Antes do ICMBIo tomar a controversa, estranha, e polêmica decisão de aumentar os gabaritos, as casas dos pescadores de jeri eram como esta. Pitorescas, bonitas, condizentes com o local. Agora…Acervo MSF.

Chegada de europeus provoca novo surto especulativo

Houve outro surto em 2007 com a chegada de europeus. Residências de nativos à beira-mar passaram a valer na casa do ‘milhão’, como dizem. Muitos venderam suas posses e foram para a periferia, e o custo de vida saltou enormemente e assim prossegue até hoje.

Valores praticados em Jeri/Preá equivalem aos de Paris ou Milão

Segundo o Diário do Nordeste (2018), ‘adquirir, hoje, um imóvel ou terreno na badalada Praia de Jeri é tarefa para aqueles endinheirados que veem o lugar como potencial para mais um de seus megainvestimentos, ou ainda, para aqueles corajosos, que largam tudo que construíram, para abrir um negócio voltado ao turismo…o metro quadrado de um terreno para venda, pode variar entre R$ 1.300 a R$ 12 mil; preços praticados em cidades da Europa, como Paris e Milão, compara a corretora Érica Merly, que morou nesses lugares, e atua há três anos no ramo imobiliário na Vila de Jericoacoara’.

A única coisa que nunca mudou em Jeri são as ruas de areia

A única coisa que nunca mudou em Jeri são as ruas de areia, a população simplesmente não deixou asfaltá-las, queriam manter o charme da vila que atrai milhares de turistas. Entretanto, outras dificuldades foram superadas.

PUBLICIDADE

Hoje, a vila dispõe de internet rápida, centenas de pousadas, resorts, hotéis de luxo e muito mais. Entretanto, a infraestrutura como sempre não acompanhou este crescimento populacional, assim, o que era precário antes, agora é caótico.

As novas construções ainda avançaram sobre as ruas, estreitando-as, em mais um desrespeito à legislação de uso e ocupação do solo. “Rola muito dinheiro sujo na área”, afirmam diversas fontes. E, como conheço bem este processo, não duvido nem um pouco.

O concreto armado começa a chegar em Bitupitá, uma das últimas praias do Ceará, quase na divisa com o Piauí.

Formação da população de Jericoacoara

A população de Jericoacoara é composta por três grupos distintos: um terço são brasileiros vindos de outras regiões; outro terço, nativos; e o último grupo é formado principalmente por europeus, que contribuem com uma atmosfera internacional ao local. Essa diversidade cultural cria uma mistura única de influências e estilos de vida, tornando Jericoacoara um destino charmoso, diferente,  mesmo com todas as deficiências.

A praia Maceió é uma das mais badaladas do município de Barroquinha, ao contrário da maioria, esta forma uma linda baía.

Jeri está na moda entre as “celebridades”

Atualmente, mesmo com todos os problemas, Jeri está na moda entre as “celebridades”, os “famosos”, incluindo atrizes e atores das novelas mais conhecidas, cantores, modelos, playboys e outros. Todos “amam” Jeri. Depois saem repetindo o velho e nem sempre real adjetivo, ‘paraíso’. A diferença entre mim e eles é que, enquanto eles saem falando apenas das maravilhas, atraindo ainda mais turistas, eu denuncio sempre que vejo a ‘insustentabilidade’ se abrigando no litoral.

Aproveito para reforçar que também gosto de Jeri. Justamente por isso, para ajudar a preservar seus encantos, não me canso de denunciar os descalabros.

‘Os últimos 4 ou 5 prefeitos estão pouco se lixando para o Parque’

Em 2017, conversei também com Sônia Cavalcanti, empreendedora há, e membro da associação Eu Amo Jeri. Segundo ela, ‘os últimos 4 ou 5 prefeitos estão pouco se lixando para o Parque. Tudo que querem são os benefícios advindos do turismo desordenado que ameaça enterrar de vez a bela Jericoacoara’.

Em 2015 o prefeito era Francisco Lindomar Filomeno que escapou da cassação por desvio de verba pública. O prefeito, e padre da igreja católica, também foi acusado de corrupção. “Na mesma operação, o Ministério Público apreendeu na comissão de licitação da atual gestão, de responsabilidade do Padre Francisco Lindomar, vários processos com indícios de fraude.”

PUBLICIDADE

Padre/prefeito abandona o ministério sacerdotal

Sim, Lindomar era padre da igreja católica e, diz o povo, não deixava de sair sem um 38 escondido na batina. Pouco depois de deixar o cargo, o padre assumiu o namoro com sua ex-chefe de gabinete e abandonou o ministério sacerdotal ‘para formar sua família’.

A Barra dos Remédios é outro lugar deslumbrante, e um hotspot. De um lado, campos de dunas, do outro, manguezal e, para completar, um estuário entre ambos. Na praia mora apenas uma família, completamente isolada.

Assim age a maioria dos prefeitos do litoral, em total sintonia com a incoerência. Há exceções, claro, mas a vasta maioria é tão, ou mais inconsistente que o padre que casou com a ex-secretária de gabinete.

O bote bastardo é outro dos modelos tradicionais usados no Ceará, Rio Grande do Norte, e Piauí. Sem nenhum equipamento elétrico, às vezes ficam 15 a 20 dias pescando em alto-mar. A curiosidade é que os modelos do Ceará têm seus mastros muito parecidos com os das jangadas, com aquela ‘curva’ na ponta, o mesmo tipo usado nas canoas. O bote bastardo é candidato a desaparecer em breve.

“O assassinato foi obra da Camorra que já está aqui”

Segundo Sônia, roubos, estupros e até assassinatos (para o secretário de Turismo e Meio Ambiente, Zé Bezerra, “o assassinato foi obra da Camorra que já está aqui.”) eram comuns em 2017.

Para os ‘graúdos’ tudo é permitido. Assim, em 2021 ‘o Ministério Público do Estado (MPCE), por meio da Promotoria de Justiça, ingressou com Ação Civil Pública pedindo a condenação do (atual) prefeito do Município, Lindberg Martins (PSD), e da secretária da Saúde da cidade, Joila Carneiro, por furarem a fila de vacinação contra a Covid-19′.

Pode?

Municípios não têm condição de emitirem laudos de licenciamento ambiental

A maioria dos municípios não tem condições de emitir complexos laudos de licenciamento ambiental, em geral são paupérrimos. Além disso, alguns prefeitos priorizam obras e mais impostos em seu território, enquanto outros municípios costeiros são comandados por alcaides que incentivam a especulação.

Meu programa predileto em Camocim é acordar cedo para assistir a chegada das lindas canoas dos pescadores artesanais e  depois trocar uma prosa com os pescadores. Show!

Esse parece ser o caso do prefeito de Cruz, o milionário Jonas Muniz (PSDB), o político mais rico do Ceará. Muniz é um dos maiores proprietários de terras na região. Em 2020, sua declaração de bens revelou um patrimônio total de R$ 75.886.371,22, quase 76 milhões de reais.

PUBLICIDADE

‘Em Cruz, todos os prefeitos saíram da ‘tribo’ de Jonas Muniz’

Minhas fontes (mais de uma) disseram que desde que Cruz se emancipou, em 1985, todos os prefeitos saíram da ‘tribo’ de Jonas Muniz. Sem o aval dele, ninguém se elege. Ou seja, mais um dos típicos ‘coronéis’ do sertão.

Os fatores que contribuem para o aumento dos especuladores incluem as excelentes condições para esportes como o kitesurf, a inauguração do aeroporto de Jericoacoara em 2018 e a quase total ausência de fiscalização. Conversamos com uma dúzia de líderes comunitários. Todos afirmaram, unanimemente, que “os prefeitos (de Cruz, Jericoacoara, e Acaraú) só aparecem às vésperas das eleições”. Não houve exceção a essa resposta.

Kitesurfe, símbolo de Preá.

Litoral extremo oeste, a Meca dos especuladores

Assim, em pouco tempo, a área se transformou na Meca de aventureiros, grileiros, especuladores, tanto de fora quanto de dentro do Estado, além de grandes, médios, e pequenos empresários dos setores de turismo e construção civil. Mas atenção, os mais pobres, nativos, também participam vendendo parte dos terrenos em que vivem, grilando terras, e construindo casinhas para vender aos turistas.

Quando o Estado se omite, como é o caso do Ceará, barbaridades como o ‘esqueleto’ deste hotel surgem naturalmente e detonam a paisagem que demorou eras para se formar. E vamos lembrar que as Constituições brasileiras, desde a de 1934 até a de 1988, incluem a proteção da paisagem como um princípio, elas são consideradas um ‘bem comum’, ninguém tem o direito de destruí-las. Para piorar, ainda o fazem em local proibido, ou seja, em cima das dunas frontais, importantíssimas para evitar erosão.

Entretanto, não os culpo. Eles simplesmente não sabem o que fazem. Até pouco tempo atrás o papel moeda mal circulava por estas aldeias de pescadores, as ‘compras’ eram feitas na base do escambo, tantos peixes valem um kg de açúcar, e assim por diante. Agora, com o frenesi das construções, os nativos,  abandonados pelo poder público, vendem posses de frente para o mar por 10, 15 mil reais, achando que ficaram ricos…

Paisagens como esta estão ameaçadas. Estas dunas estavam todas cercadas, com placas tipo “Proibida a entrada, área particular’.

Muitas vezes os compradores são ‘laranjas’, atuando no lugar dos especuladores para conseguirem preços mais baixos. Depois, revendem por muitos milhões.

As dificuldades na gestão de municípios costeiros

Já comentamos nestas páginas a dificuldade em gerir um município costeiro, seja em que Estado for, devido à avassaladora força econômica dos atores envolvidos, dos novos problemas que surgem quase diariamente em razão do aquecimento global como erosão, eventos extremos que alagam cidades, destroem moradias e obras de infraestrutura,  e do exíguo espaço à beira-mar, o mais visado pela especulação.

O maior número de prefeitos do litoral é formado por gente muito simples, eles mal sabem o que é o aquecimento global e como proteger a população.  Apesar dos alertas da academia há mais de 30 anos prevenindo que viveríamos o caos que hoje nos cerca, não houve quase nenhuma ação federal, estadual, ou municipal para mitigar os problemas e tornar as cidades mais resilientes.

PUBLICIDADE

Mais uma canoa de risco voltando da pescaria. Elas costumam sair por volta da meia-noite, com 4 tripulantes. E voltam pela manhã, entre 07h e 09h.

Quanto à especulação, podemos dizer sem dúvida que muitos prefeitos de cidades costeiras têm suas campanhas financiadas pelos setores da construção civil, do turismo, além de investidores inconsequentes, por vezes. Quando eleitos, pagam a conta permitindo ‘aos amigos’ todas as irregularidades.

Só duas, em cada dez cidades brasileiras, estão preparadas para lidar com o aquecimento

Em maio de 2024, tivemos a confirmação de que o segmento majoritário dos alcaides não dá pelota ao fenômeno. Pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostrou que apenas 22% dos gestores municipais consideram suas cidades preparadas para lidar com as mudanças do clima. A pesquisa ouviu cerca de 3,6 mil municípios.

Neste momento, o governo federal promove a revisão do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, de 2009. Ou seja, não há exemplos vindos de cima, da presidência da República. Então, se nem os presidentes priorizam, como deveriam, o aquecimento global, por que os prefeitos de Cruz ou Jijoca deveriam fazê-lo?

A força e a constância dos alísios de Nordeste determinaram o futuro de Preá.

Agora, imagine o que acontece nestes municípios cearenses que vivem três ataques simultâneos, a crise do clima, a violência da especulação, e o início do turismo de massa. As cidades não suportam o inchaço da população, e a quantidade de novos empreendimentos na rapidez em que acontecem.

Lixões a céu aberto se proliferam, enquanto o esgoto não tratado vaza para o mar

Veja-se o caso da Vila de Preá. Até a pandemia, ela tinha 5 mil habitantes. Depois, como muitas pessoas resolveram sair das grandes cidades, a população saltou para 18 mil em apenas dois anos! E levas de aventureiros continuam chegando todos os dias atrás de terrenos com ‘vista para o mar’.

Este é apenas o lixão de Barroquinha, há muitos outros provando a insustentabilidade de um local pobre dobrar ou triplicar sua população de uma hora para outra.

Em tempo, vários entrevistados da vila do Preá reclamaram do posto de saúde, por exemplo, ‘que não consegue nem medir a pressão’. Quando alguém precisa um médico, é preciso se deslocar para Jericoacoara. Além disso, denunciaram que depois do calçamento ‘meia boca’ das ruas da vila do Preá, ‘agora quando chove alaga tudo’.

A falta de infraestrutura dos municípios mais visados pela especulação

Vejamos alguns dados: Segundo o IBGE, Acaraú tem uma população de 62.500, o que gera 1.216,60 mil m³ de esgotos por ano. Do volume gerado, 10,49% é coletado, e 10,49% é tratado. Em 2022, foram despejados 1.088,94 mil m³ de esgotos na natureza sem tratamento’.

PUBLICIDADE

Passamos ao município de Cruz, onde fica a praia do Preá, uma das mais visadas pela especulação, com obras espalhadas por toda a orla. Muito bem, dos 32.700 habitantes, apenas 2,13% da população afasta seus esgotos por meio de Rede geral, rede pluvial ou fossa ligada à rede, e 51% da população não é atendida pela coleta de resíduos sólidos.

Jijoca de Jericoacoara, o ‘must’ do litoral oeste, tem 25.500 habitantes, mas ‘apenas 8,55% têm acesso aos serviços de esgotamento sanitário. O município gera 873,74 mil m³ de esgotos por ano. Do volume gerado, 47,11% é coletado, e 47,11% é tratado. Em 2022, foram despejados 462,14 mil m³ de esgotos na natureza sem tratamento’.

Hoje o dia foi bom, bingo!

Camocim, com uma população de 62.300 é um pouco melhor que os outros mas, mesmo assim, só  42,6% da população afasta seus esgotos por meio de Rede geral, rede pluvial ou fossa ligada à rede. O município gera 5.724,00 mil m³ de esgotos por ano. Do volume gerado, 46,17% é coletado, e 46,17% é tratado. Em 2022, foram despejados 3.081,00 mil m³ de esgotos na natureza sem tratamento’.

Camocim também vive o frenesi das construções.

A mesma fonte revela que somente ‘9,6% da população de Barroquinha  têm acesso aos serviços de esgotamento sanitário. O volume anual gera 393,91 mil m³ de esgotos. Desta parte, só 14,31% é coletado e tratado. Assim, em 2022, foram despejados 337,55 mil m³ de esgotos na natureza sem tratamento’ .

402 mil piscinas Olímpicas de esgoto jogadas na natureza todos os anos

Somando o esgoto jogado na natureza por quatro, dos cinco municípios (Cruz não informou ao IBGE a quantidade jogada na natureza), temos cerca de 800.000 mil m³, ou o equivalente a 402 mil piscinas olímpicas de esgotos não tratados despejados na natureza todos os anos.

É uma delícia conversar com esta gente cordial, e simpática. Aprendo com eles. Perguntei para um mestre, como ele consegue sair até perder a terra de vista, e depois voltar ao mesmo lugar sem sequer uma bússola de mão. Na saída, eles usam os contornos de terra, de dia, e as luzes das vilas ou cidades, de noite como pontos de referência. Depois de ficarem alguns dias no mar sem ver terra, o mestre disse que ‘bastava olhar o banzé das ondas, que ele já sabia qual rumo tomar.

É com esta precariedade de serviços básicos que estes municípios enfrentam a especulação, o crescimento desordenado, além de milhões de turistas todos os anos. Só em 2023, o Parque de Jericoacoara recebeu 1.400.000 mil turistas.

‘Engarrafamento’ de pessoas nas ruas de Jeri

Há ‘engarrafamento’ de pessoas andando nas estreitas ruas da vila de Jeri, mesmo fora da alta temporada, como constatei mais uma vez. O trânsito de veículos, então, não para. Existem 3 mil automóveis, grande parte 4X4, com autorização para levar turistas até a vila. Além destes, há frotas de buggies, e muitos quadriciclos. Na alta temporada, disse-me um dos motoristas, faltam carros para levar todos! Por qual estrada eles chegam em Jeri? Grande parte, pela praia, a partir do ‘paraíso’ de Preá, e a outra parte pela imensa restinga que fica na retaguarda da vila.

PUBLICIDADE

Os maus tratos à restinga podem ser irreversíveis, chove pouco, venta muito, e a quantidade de carros é grande demais. Ou o ICMBio põe ordem na bagunça, ou a restinga vai desaparecer, como aconteceu com a duna do pôr do sol. Um estudo de capacidade de carga, e vias demarcadas e obrigatórias, resolveriam. Assim não pode ficar.

Por causa disso, a restinga está retalhada de trilhas, já que cada um escolhe o próprio caminho. É um disparate que isso aconteça dentro de um Parque Nacional.

As ruas da vila são assim: muito estreitas porque as construções avançaram para onde não poderiam, além do charmoso ‘chão’ de areia.

Por fim, saiba que, das cinco espécies de tartarugas marinhas que frequentam nosso litoral, quatro desovam em praias cearenses. E estas também têm outras funções além do lazer. Praias arenosas são vitais como proteção da linha de costa contra o avanço do mar, e abrigam tanta vida como outros ecossistemas marinhos, não deviam nunca servir como estradas.

Os caminhões que abastecem a vila de Jeri também usam a praia como estrada.

Tráfico de drogas: maior problema de Preá e Jericoacoara?

Alguns empresários do setor de turismo responderam da mesma forma minha pergunta sobre qual seria o maior problema do local: ‘o tráfico de drogas comandado pela facção criminosa Comando Vermelho, ou C.V’.

Nada de novo no front. No litoral norte paulista, onde a especulação começou nos anos 70 e não parou até hoje, quem foi para a periferia das cidades foram os caiçaras que venderam suas posses, os trabalhadores da construção civil que não param de chegar, e o PCC que, assim como o C.V no Ceará, domina o tráfico de drogas.

O processo da especulação no litoral é igual em toda parte, o que muda apenas é a intensidade.

A famosa praia de Jericoacoara.

Crimes ambientais sem qualquer ação da secretaria de Meio Ambiente

Em Cruz, cercaram e até nivelaram as dunas para futuros empreendimentos. O mesmo aconteceu com os manguezais, que cercaram ou aterraram, enquanto extirparam restingas. E, finalmente, alteraram cursos d’água, apesar de todos serem Áreas de Preservação Permanente (APPs).

kitesurfe na praia do Preá.

E ainda ocuparam muitas (beiradas de) praias  por condomínios, hotéis e casas de veraneio. Com isso, a erosão aumentou na praia de Jericoacoara. Hotéis, bares e restaurantes que avançaram sobre a praia agora correm perigo. Há barreiras de pedras na frente dos estabelecimentos numa vã tentativa de conter a erosão e invasão da água salgada.

PUBLICIDADE

Para coroar  a decisão do governador, até mesmo as áreas estaduais ‘protegidas’ passaram a ser alvo de especuladores. É o que acontece na APA Lagoa da Jijoca, uma unidade de conservação estadual criada no ano 2000, com 3,995 hectares nos municípios de Cruz e Jijoca de Jericoacoara. A APA é espetacular, com muita vegetação e uma das lagoas mais lindas que já vi, a lagoa do Paraíso, cujas margens já foram vendidas. Um dos que compraram terrenos é o milionário prefeito de Cruz, Jonas Muniz (PSDB).

APA da Lagoa da Jijoca: retalhada e desmatada

A ‘área protegida’ está sendo desmembrada e desmatada para dar espaço a condomínios, clubes, hotéis internacionais, casas de veraneio, parques aquáticos e até mesmo a construção de um “Jurassic Park”, acredite se quiser.

A lindíssima lagoa da Jijoca, na Área de Proteção Ambiental, começa a mudar de feição. A dúvida é como ficará quando todos os terrenos já vendidos receberem novos ‘empreendimentos’, condomínios, ‘Beach Clubs’. Acervo MSF.

Apesar de a área ser rural, o que impediria a divisão dos terrenos em parcelas menores que um módulo rural — cujo valor no Brasil varia de 5 a 110 hectares, justamente para evitar o superadensamento e a especulação — foi exatamente o que aconteceu.

O mesmo italiano riquíssimo, Giorgio Bonelli  filho do maior cartunista do país, foi o responsável  pelo primeiro ‘empreendimento’ nas margens da lagoa e ainda promete diversão à beça. Será?

Terrenos com menos de 4 hectares são vendidos

Hoje, terrenos com menos de 4 hectares são vendidos. Como é possível? Simples: mudaram a classificação da área, de rural, para urbana.

O empreendedor  construirá um modesto ‘Beach Club’, como se vê no desenho, nas margens da lagoa. Fico aqui pensando sobre como reagiria se eu fosse um nativo, ‘Beach Club’? Sei, não…

Omissão da secretária de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Vilma Freire

O descalabro, sem qualquer interferência da secretária estadual do meio ambiente e mudança do clima, Vilma Freire, é um escárnio. Tudo acontece às claras apesar da evidente irregularidade.

‘Habitacional multifamiliar’ em construção em Jijoca, pela Gran Vellas. Note que o escudo da empresa ressalta que é ‘Juridicamente Perfeito’. Você já viu isto antes? Eu, não. Assim, deduzo, apenas imagino, que ‘aí tem coisa’. Qual  motivo de garantir perfeição jurídica antes mesmo de ser contestado?

Um mosaico de outros biomas

A vegetação que o Ceará está perdendo é um mosaico de quatro biomas, entre eles, o Cerrado, a Caatinga, floresta Amazônia, e Mata Atlântica, esta ‘protegida’ por lei. E mesmo assim não há reação do Estado.

‘O efeito cascata’

Em Preá, passamos pela placa do ‘Habitacional Multifamiliar’ sem planejar, apenas seguíamos nosso itinerário para um restaurante. Ao vê-la, pedi ao motorista que parasse para gravar e fotografar. Depois, entrei no carro, andamos poucos metros e viramos à esquerda numa ruazinha que não tinha mais que 150, 200 metros de comprimento.

PUBLICIDADE

Eu não entendo a escolha dos nomes, seja como for, o ‘Gran Vellas’ é mais um empreendimento turístico em Preá.

Pedi para parar três vezes. Porque, neste curto trajeto, duas pistas denunciavam com clareza o que acontece durante uma invasão especulativa em áreas até então ocupadas unicamente por pescadores artesanais.

O muro e a placa. Note o ‘For Sale/Vende-se’, e ‘Proprietário/Owner’.

Saiba quanto um simples muro agride a cultura dos nativos

Arrisca um palpite? Vamos lá, a primeira são os muros jamais usados por nativos pelo simples fato de que até antes da chegada dos caras-pálidas tudo era deles, cercar, por quê?

50 metros a diante, mais uma placa e outro muro denunciam a chegada de gente desconfiada, um enorme contraste com a cultura local.

A segunda, são as três placas de ‘vende-se’. Isso porque, quando grandes investimentos chegam a áreas abandonadas pelo poder público, sem regras claras ou fiscalização, o processo de especulação explode na rapidez de uma pandemia.

Não houve uma imposição para que os nativos vendessem suas terras; na verdade, eles acreditam, em sua essência, que ‘agora é a chance da salvação’, o momento de garantir o tão sonhado pé-de-meia. E assim, vendem por valores baixos terrenos que, depois, serão fracionados e revendidos por especuladores.

O terreno do Emídio foi o terceiro murado que procura novo dono em menos de 200 metros. O que isso significa, se não uma pandemia especulativa?

Quanto à cultura perdida, o delicioso sotaque, a beleza cênica soterrada por concreto, ou a introdução do anglicismo que banaliza linguagens ancestrais como a dos nativos da zona costeira, nada a fazer se não lamentar.

O que diz a legislação ambiental do Ceará

Segundo o Atlas Costeiro Marinho do Estado do Ceará, ‘a gestão costeira está associada à Secretária Estadual do Meio Ambiente (SEMA) e à Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE), autarquia vinculada à SEMA’.

PUBLICIDADE

O Atlas Costeiro Marinho do Estado do Ceará informa que “a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais na Zona Costeira e Marinha do Ceará são condições necessárias para promover a qualidade de vida da população, reduzir a pobreza, conservar os bens e serviços ambientais, e garantir a sustentabilidade de diversas atividades sociais, culturais e econômicas que dependem do capital natural”.

Conservação e uso sustentável, onde? Para nós, estes requisitos indispensáveis para ‘aumentar a qualidade de vida’ e ‘reduzir a pobreza’ aparecem apenas em discursos oficiais.

Quanto às dunas, em processo de ocupação, diz o Atlas: ‘É uma zona de alta vulnerabilidade à ocupação e instabilidade. Ela é  marcada na atualidade por problemáticas como a ocupação humana desordenada, implantação de malha viária sem a devida articulação com as demandas ambientais, mineração clandestina de areia para a construção civil e poluição do lençol freático, provocando modificações na sua paisagem e impermeabilizando o solo’

O plástico, sempre ele, no lixão de Barroquinha.

Como a falta de fiscalização é notória, não duvido que a areia necessária para fazer o concreto seja retirada de áreas de dunas. Por que não?

Enquanto isso, as dunas que ficam dentro do Parque Nacional estão sendo degradadas por playboys ignorantes que adoram nelas subir com seus quadriciclos, ou os 4X4, para ‘voar’ como numa montanha russa. Como não há fiscalização, este é outro problema a ser corrigido enquanto ainda dá tempo.

Projeto Orla

Há ainda outro instrumento do governo para o litoral. O Projeto Orla, a partir das alterações advindas da Lei nº 13.240/2015, trouxe a possibilidade de transferência da gestão das orlas para os municípios. O Ceará, com seus 23 municípios costeiros, é o estado nordestino com o maior número de solicitações para esta transferência…’

O objetivo é o ‘fortalecimento da capacidade de atuação e articulação de diferentes atores do setor público e privado na gestão integrada da orla, aperfeiçoando o arcabouço normativo para o ordenamento de uso e ocupação desse espaço’.

PUBLICIDADE

E mais: o projeto procura ‘desenvolver mecanismos de participação e controle social para sua gestão integrada’.

Como, então, justificar a ausência de participação da população no caso da Vila de Jeri?

Fiscalização ambiental

Quanto à fiscalização ambiental, ‘a Lei Complementar Nº 140/2011 também definiu que os casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, qualquer órgão ambiental que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para o licenciamento da atividade, para que tome as providências cabíveis’.

Depois da entrada dos avassaladores investimentos, surgiu o primeiro concreto armado na praia do Preá.

Mais adiante, diz o documento, ‘considerando que o artigo 8º, da Lei Federal nº 12.651/2012, prevê a possibilidade de intervenção ou supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental…’

Finalmente, o projeto define o que seriam as APPs, ‘considerando que as Áreas de Preservação Permanente, localizadas em cada posse ou propriedade, são bens de interesse nacional e espaços territoriais especialmente protegidos, cobertos ou não por vegetação, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas’.

E ainda reforça a necessidade da preservação da vegetação nativa: ‘A supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente de que trata o caput não se aplica aos casos de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas, que somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública, conforme Art. 3º, inciso VIII, da Lei Federal 12.651, de 25 de maio de 2012′.

Apesar de todo o blábláblá, o…

PUBLICIDADE

Ceará, campeão em degradação ambiental

Elmano de Freitas sabe muito bem o que acontece na região, tanto ele como sua secretária, Vilma Freire. Ainda em maio de 2024, o Atlas da Mata Atlântica, coordenado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), informou, e o jornal, O Povo, repercutiu: ‘o Ceará é a unidade da federação que mais degradou a área de restinga em 2022 e 2023. O Estado é líder na supressão dessa vegetação costeira, presente principalmente em dunas, pelo menos desde 2017’.

O ‘Vila Cargalla’ é mais um condomínio nascendo em cima de dunas, e com um projeto agressivo, que nada tem a ver com a região, algo que banaliza uma paisagem tão espetacular. Assim age o ‘Condomínio Boutique’ como eles se batizaram.

‘Segundo o levantamento, o Ceará ainda é um dos quatro estados com aumento no desmatamento de mata atlântica. Enquanto o Brasil teve uma queda de 27% no desflorestamento do bioma, Ceará, Piauí, Mato Grosso do Sul e Pernambuco foram na direção contrária. Foram 7 hectares (ha) desmatados no período de 2022 e 2023 no Estado, contra 6 ha na edição de 2021 e 2022 da pesquisa’.

Jijoca de Jericoacoara, Cruz, Acaraú e Camocim, entre outros, lideram o desmatamento

Por fim, informa O Povo, ‘outras dez cidades do Ceará aparecem na lista de municípios do Brasil com maior degradação de área de restinga. São elas: Aquiraz (87 ha), Acaraú (45 ha), Paracuru (20 ha), Paraipaba (19 ha), Jijoca de Jericoacoara (19 ha), Cruz (19 ha), Caucaia (16 ha), Camocim (9 ha), Itarema (9 ha), Bela Cruz (4 ha)’.

De Acaraú para cima (e provavelmente para baixo também) sou testemunha da degradação deixada pelo rastro da especulação. E, sou convicto que sim, é fácil e possível ocupar o litoral sem degradar a paisagem, basta ter humildade e uma dose de bom senso. Dose esta que está faltando às autoridades nordestinas.

Mais uma vez, isso acontece justamente quando o aquecimento global totalmente fora de controle cobra um alto preço com devastadores eventos extremos, aumento do nível do mar e consequente piora na erosão costeira que ameaça cidades inteiras.

Então, como justificar a ausência de ação?

‘Nativos vulneráveis seduzidos pelos confortos e prazeres da ‘civilização’

No post Praia do Preá, turismo, e um perverso casamento, nosso colaborador José Barbosa diz com razão que os especuladores, ou aficionados pelo kitesurf, chegam à região com um enorme apetite para comprar um pedacinho de terra num lugar até alguns anos atrás intocado pelo turismo e pela especulação imobiliária. Quando chegam, encontram um povo vulnerável,  desprovido de bens materiais e seduzido pelos confortos e prazeres da ‘civilização’. Esses nativos entregam seu próprio lugar – suas raízes; sua identidade – em troca de montantes de dinheiro jamais vistos por eles, sem que o Estado intervenha.

Pontal das Almas, a última praia do litoral oeste. Do lado esquerdo está o Piauí. A primeira praia do Estado é Cajueiro da Praia. O pessoal do kitesurfe gostou dos ventos de lá. Resultado, começou o processo de especulação…

O surto espalhou-se por toda parte, inclusive nos vilarejos de Castelhano, Carrapateira e na comunidade Quilombola Córregos dos Iús, além da aldeia da Barrinha de Baixo, ou simplesmente Barrinha.

PUBLICIDADE

Assim, os nativos, de olho na valorização dessas terras, iniciaram  um processo de grilagem e subsequente venda da posse dessas terras. Estas ações fizeram com que o custo de vida subisse para todos, pescadores, artesãos, trabalhadores da construção civil, etc, sem que prefeituras ou o Estado atuem para pôr ordem na baderna.

Elmano de Freitas falta com a verdade

Outra ‘falta com a verdade’ de Elmano aconteceu em 2023, quando o governador enviou ofício à ministra do Meio Ambiente pedindo a suspensão do edital de concorrência que previa a concessão do Parque Nacional de Jericoacoara à iniciativa privada; Elmano fez uma declaração mentirosa: “Informo que, da área total do parque, 6.150,29 hectares pertencem ao Governo do Ceará. O Estado realizou ações e investimentos nos últimos anos, buscando promover a preservação da área, o estímulo do turismo sustentável e o desenvolvimento socioeconômico da região, que é um dos principais cartões postais do país” (Fonte: portal Terra).

O turismo na região onde estive é predatório, até turistas de um dia chegam às carradas em ônibus de excursões. Quanto à ‘preservação’, só pode ser piada de mau gosto. ‘Turismo sustentável’? Francamente, governador…

A declaração não passa de greenwash, em outras palavras, mentiras verdes. Em nossa opinião o Governador Elmano de Freitas (PT) simplesmente abandou o litoral oeste do Ceará abrindo as portas para a avalanche especulativa que está fazendo a fortuna de muitos investidores e, possivelmente, prefeitos e outros políticos da região extrema do litoral oeste.

O processo se estende pelo menos a partir  do município de Acaraú, e devasta os litorais de Cruz, Jijoca de Jericoacoara, Camocim, e Barroquinha, onde estão algumas das mais lindas, e últimas praias ainda desocupadas do Estado. É preciso aprender com os erros, o litoral oeste não pode ser degradado como aconteceu na parte leste.

Elmano de Freitas (PT) não é o único

Na verdade, Elmano não é uma exceção, mas sim a regra dos últimos anos. Quando estive lá pela primeira vez, em 2006, já percebia os efeitos das portas abertas pelos governos anteriores, que, de forma ineficaz e omissa, permitiram a destruição impune do litoral leste do Estado.

PUBLICIDADE

Resumindo: um desastre

Se fosse necessário resumir tudo em uma única palavra, minha escolha seria “desastre”. Nesse contexto, considero tão omissos quanto os governadores Tasso Jereissati (PSDB), de 1995 a 1999, e Lúcio Alcântara (PSDB), de 2003 a 2007. Ambos não tomaram atitudes efetivas ou, no mínimo, fingiram não ver o que acontecia, apesar de todos os sinais.

Depois desses mandatos, o Ceará foi governado por Cid Gomes, um dos “caciques” do Estado —, de 2007 a 2015, seguido por Camilo Santana (PT), que governou de 2015 a 2022. E, por fim, em 2023, a responsabilidade caiu sobre Elmano. Por isso, agora depois de nivelá-lo aos anteriores, a palavra é do governo do Ceará.

Por criticarmos o governador do Estado, Elmano de Freitas (PT), e  a omissão da secretária de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Vilma Freire, enviamos este artigo para o e-mail dos dois, em seguida ligamos e confirmamos com as respectivas assessorias. Ambos prometeram responder mas, a única que enviou um texto, imenso, foi a secretaria de Meio Ambiente.

Publicamos do jeito que veio, a única alteração foi diminuir o tamanho das frases que eram enormes. Quem lida com sites sabe que o Google não gosta delas, então, mudamos a pontuação para sermos melhor avaliados pelos algoritmos. E só, nada mais, nem erros de digitação e/ou outros, foram alterados.

A palavra do governo do Ceará

Quantos as alegações expostas na matéria que estão relacionadas a seara do meio ambiente, cumpre salientar que a competência sobre a matéria ambiental é concorrente entre união, estado e município. Sendo assim, salienta-se que a delegação da competência do licenciamento ambiental de atividades de impacto local para os municípios fora definida na Lei Complementar nº140/2011. Lei esta formulada pela União, sendo esta apenas regulamentada no âmbito do Estado do Ceará pela Resolução COEMA nº07/2019.

Nos termos do art. 9º, inciso XIV, da Lei Complementar nº 140/2011, compete ao município exercer o controle e o licenciamento de atividades que gerem impacto ambiental de âmbito local e à Semace em âmbito regional.

Essa prerrogativa inclui a análise técnica, a emissão de licenças e a fiscalização das atividades licenciadas, visando assegurar a conformidade com as normas ambientais e a proteção dos recursos naturais.  

PUBLICIDADE

O art. 12 da mesma Lei reforça que, para atividades ou empreendimentos em APAs que utilizem recursos ambientais, que sejam potencialmente poluidores ou capazes de causar degradação ambiental. A definição do ente federativo responsável pelo licenciamento não se baseia no ente instituidor da unidade de conservação, mas segue critérios específicos.

‘As APAS’

No caso das APAs, a responsabilidade será determinada conforme as alíneas “a”, “b”, “e”, “f” e “h” do inciso XIV do art. 7º, o inciso XIV do art. 8º e a alínea “a” do inciso XIV do art. 9º, considerando-se a natureza e o impacto das atividades.

Adicionalmente, as Resoluções COEMA Nº 2/2019 e COEMA Nº 7/2019 complementam o entendimento sobre a competência municipal. A Resolução COEMA Nº 2/2019 reforça a autonomia dos municípios para o licenciamento de atividades de impacto local. Enquanto isso, a Resolução COEMA Nº 7/2019 estabelece diretrizes para o licenciamento e fiscalização, orientando que o órgão ambiental municipal adote as medidas necessárias para prevenir e mitigar impactos ambientais.

Com base nessas resoluções, o município é o responsável legal para licenciar e fiscalizar atividades de impacto local, mesmo em áreas de proteção como as APAs, quando o impacto se restringe ao âmbito municipal. Dessa forma, o município tem o dever de fiscalizar continuamente as atividades potencialmente poluidoras e aplicar sanções quando houver descumprimento das condições estabelecidas nas licenças ou evidências de danos ambientais.

‘O processo de Autorização Ambiental’

O processo de Autorização Ambiental de atividades e empreendimento potencialmente poluidores em Unidades de Conservação Estaduais, sob responsabilidade da Sema, é um ato administrativo vinculado ao licenciamento ambiental, conforme procedimento estabelecido na Resolução COEMA nº11/2022.

Assim, a gestão da APA da Lagoa de Jijoca, ao receber a solicitação de Autorização Ambiental do órgão ambiental licenciador (municipal ou estadual), realiza a análise técnica da viabilidade da implantação desses empreendimentos seguindo as diretrizes estabelecidas no Plano de Manejo da Unidade de Conservação. Em seguida, indicam condicionantes em seu Parecer Técnico para serem observados pelo órgão ambiental competente, que deverá fazê-las cumprir e monitorar a sua obediência pelos titulares.

‘Implantação de empreendimentos na APA’

Além da avaliação da viabilidade da implantação de empreendimentos na APA por meio da emissão de Autorização Ambiental, quando identificada alguma irregularidade no monitoramento ambiental de rotina realizado. Então, a gestão da APA solicita a adoção de providências pelo órgão municipal competente, responsável por emitir a maioria das licenças ambientais de grandes empreendimentos na Unidade de Conservação.

PUBLICIDADE

Considerando a identificação de inúmeras irregularidades relacionadas aos grandes empreendimentos autorizados na APA e a ausência de fiscalização e resposta dos órgãos ambientais municipais, a gestão realizou comunicação oficial ao Ministério Público. Este, determinou recentemente a suspensão das atividades do órgão e recomendou a atuação supletiva do órgão estadual, no caso, a Semace, conforme o processo judicial nº 0000696-93.2016.8.06.0111.

‘Acerca da alegação de que o Estado do Ceará é líder na supressão dessa vegetação costeira’

Acerca da alegação de que o Estado do Ceará é líder na supressão dessa vegetação costeira, cumpre salientar os 573 hectares degradados estão situados em municípios detentores de órgãos fiscalizadores próprios (Itapipoca, Aquiraz, Acaraú, Paracuru, Paraipaba, Jijoca de Jericoacoara, Cruz, Caucaia Camocim, Itarema, Bela Cruz, Acaraú).

Outrossim, quanto as alegações que o estado não está atuando no âmbito das mudanças climáticas, segue explanação acerca do tema. O Ceará apresenta alta vulnerabilidade aos efeitos das alterações do clima. O estado é considerado um “hotspot” mundial (local que concentra alta biodiversidade, associada a uma grande ocorrência de endemismos (espécies que só ocorrem numa certa região) e sujeitas a grande pressão antrópica) em relação às mudanças climáticas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

‘Os processos erosivos nas praias’

Enquanto na área litorânea vem sendo intensificado os processos erosivos nas praias, com ameaça iminente ao patrimônio público e privado, a região do sertão e agreste padece do fenômeno das secas. Um dos reflexos é o menor aporte continental para o ambiente marinho pela redução das chuvas.

Consequentemente, o assoreamento dos rios e um aumento da erosão da faixa de praia. Na zona costeira estes efeitos podem ser agravados pelo aumento médio do nível do mar, tendo em vista a alta densidade populacional, e o elevado percentual de impermeabilização do solo, o que acarreta grande risco para as cidades e atividades comerciais, turísticas e industriais.

‘Aumento da pressão sobre os recursos naturais’

É de se considerar que nas últimas décadas houve um aumento da pressão sobre os recursos naturais, seja por questões naturais, seja por questão antrópicas. Isso atinge diretamente a conservação e manutenção dos ecossistemas costeiros e marinhos. Portanto, reconhecendo esses desafios, a Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Estado do Ceará (SEMA) implementa políticas públicas e ações voltadas para mitigar os impactos climáticos e promover o desenvolvimento sustentável.

A Sema possui ações coordenadas para as mudanças climáticas, gerenciamento costeiro e marinho, tais quais destacam-se, por exemplo:

PUBLICIDADE

‘Zoneamento Ecológico-Econômico Da Zona Costeira do Ceará (ZEEC)’

O ZEE é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981) que atua na organização territorial. Estabelece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade. Isso garante o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população, em consonância com as diretrizes do Zoneamento Ecológico-Econômico do território nacional, como mecanismo de apoio às ações de monitoramento, licenciamento, fiscalização e gestão.

O ZEE constitui um instrumento de gestão norteador do desenvolvimento sustentável a partir da compatibilização do desenvolvimento socioeconômico com a conservação ambiental. Este mecanismo de gestão ambiental consiste na delimitação de zonas ambientais e atribuição de usos e atividades compatíveis segundo as características (potencialidades e restrições) de cada uma delas.

O Zoneamento Ecológico-Econômico da Zona Costeira do Ceará – ZEEC é um instrumento da Política Estadual do Gerenciamento Costeiro (Lei n° 13796/2006). Esta política  tem por objetivo organizar, de forma vinculada, as decisões dos agentes públicos e privados quanto à gestão territorial da Zona Costeira do Estado do Ceará. Desse modo, assegura a plena manutenção do capital e dos serviços ambientais da região, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população do Estado.

‘No Ceará, o ZEEC foi elaborado em 2006’

No Ceará, o ZEEC foi elaborado em 2006 por meio de um convênio entre o governo do Estado através da Superintendência Estadual do Meio Ambiente – SEMACE. E, também, da Universidade Federal do Ceará, em atendimento, dentre outros, ao Decreto Federal n° 4297, de 10 de julho de 2002 e as Resoluções CONAMA n° 303/2002 e 341/2003 vigentes na época.

Este zoneamento abrangeu todo o litoral do estado do Ceará e alguns municípios interioranos, onde se desenvolve a atividade de carcinicultura. A partir destes estudos, foi elaborada a Lei do Gerenciamento Costeiro do estado do Ceará, publicada em junho de 2006 sob n° 13.796.

O processo de revisão do ZEEC’

No ano de 2013 iniciou-se o processo de revisão do ZEEC, sob a coordenação da SEMACE, tendo como premissa básica realização da “reestruturação e atualização do mapeamento do ZEE da Zona Costeira do Estado e Unidades de Conservação Costeiras”, na escala de 1:10.000 a partir da utilização de geotecnologias em uma base de Sistema de Informações Geográficas – SIG.

Os trabalhos realizados nesta etapa abrangeram todo o litoral do Ceará, com ênfase nas Unidades de Conservação Costeiras. Foram envolvidos vários municípios. Entre eles, Chaval, Barroquinha, Camocim, Jijoca de Jericoacoara, Cruz, Acaraú, Itarema, Amontada, Itapipoca, Trairi, Paraipaba, Paracuru, São Gonçalo do Amarante, Caucaia, Fortaleza, Eusébio, Aquiraz, Pindoretama, Cascavel, Beberibe, Fortim, Aracati e Icapuí.

PUBLICIDADE

Atualmente, todos os estudos relacionados ao ZEEC estão disponíveis no site da Sema (https://www.sema.ce.gov.br/gerenciamento-costeiro/zoneamento-ecologico-economico-da-zona-costeira-zeec/). O foco é na adequação do meio físico e atualização dos diagnósticos biológico, social e econômico da Zona Costeira do Ceará e seguindo as diretrizes metodológicas do Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil.

‘Diagnóstico Participativo e Cartografia Social Costeira do Ceará’

A cartilha aborda a Cartografia Social da costa do Ceará que foi realizada como parte do Diagnóstico do Zoneamento Econômico-Ecológico da Zona Costeira do Estado do Ceará (ZEEC), em 2020 e 2021. As oficinas de Cartografia Social foram focadas nas comunidades situadas na faixa costeira cearense. Tais ações, tiveram por intuito principal promover a mobilização e o envolvimento dessa população, de modo a inserir a participação popular no processo de planejamento territorial da costa do Estado. Essas informações estão disponíveis no site da Sema (https://www.sema.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/36/2024/07/Cartografia-Social-FINAL-2024_compressed.pdf).

‘Projeto Orla’

O Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima (Projeto Orla) é uma ação do Ministério da Economia, no âmbito da sua Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União. Atualmente essa discussão cabe ao Grupo de Trabalho – ORLA, discutido no âmbito do GI-GERCO. Suas ações buscam o ordenamento dos espaços litorâneos sob domínio da União, aproximando a política ambiental e patrimonial, com ampla articulação entre as três esferas de governo e a sociedade. Os seus objetivos estão baseados nas seguintes diretrizes.

– Fortalecimento da capacidade de atuação e articulação de diferentes atores do setor público e privado na gestão integrada da orla. Assim agindo, aperfeiçoa o arcabouço normativo para o ordenamento de uso e ocupação desse espaço.

– Desenvolvimento de mecanismos de participação e controle social para sua gestão integrada.

Valorização de ações inovadoras’

– Valorização de ações inovadoras de gestão voltadas ao uso sustentável dos recursos naturais e da ocupação dos espaços litorâneos.

No Estado do Ceará, todos os 20 municípios defrontantes com o mar já aderiram ao Projeto Orla. São eles Barroquinha, Camocim, Jijoca de Jericoacoara, Cruz, Acaraú, Itarema, Amontada, Itapipoca, Trairi, Paraipaba, Paracuru, São Gonçalo do Amarante, Caucaia, Fortaleza, Aquiraz, Cascavel, Beberibe, Fortim, Aracati e Icapuí.

PUBLICIDADE

Dentre os quais sete municípios elaboraram o PGI. Participaram Beberibe, Cascavel, Caucaia, Cruz, Fortaleza, Icapuí e Itapipoca. Assim, o Projeto busca responder a uma série de desafios como reflexo da fragilidade dos ecossistemas da orla, do crescimento do uso e ocupação de forma desordenada e irregular. E, também, do aumento dos processos erosivos e de fontes contaminantes. Informações disponíveis no link da Sema (https://www.sema.ce.gov.br/gerenciamento-costeiro/projeto-orla/).

‘Rede oceano limpo’

A Sema em parceria com a Rede Oceano Limpo, coordenada pela Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano (chamada simplificadamente de Cátedra Oceano) em parceria com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). A Rede tem apoio da Embaixada da Noruega, desempenha um papel central na integração de iniciativas de limpeza e preservação marinha às políticas públicas estaduais.

Congregando diferentes parceiros na busca de um oceano limpo e saudável, capaz de sustentar espécies marinhas e costeiras e prover diversos serviços ecossistêmicos à população humana.  A Rede soma-se aos movimentos globais para combater o problema do lixo no mar de uma forma estruturante e sistêmica.

O objetivo da Rede Oceano Limpo’

O objetivo da Rede Oceano Limpo é fortalecer arranjos institucionais para abordar a agenda do lixo no mar ao longo da costa brasileira, articulando diferentes setores da sociedade para o estabelecimento de um processo integrado e participativo de produção e compartilhamento de informações e ações sobre o lixo no mar.

Nessa perspectiva, a Rede Oceano Limpo busca estabelecer uma estrutura colaborativa com os diversos atores. A ideia é gerar uma base de conhecimento e elaborar estratégias para combater o problema por meio da internalização dessa agenda como política pública.

Para isso, a Cátedra Oceano se coloca como uma facilitadora, trabalhando junto aos governos estaduais e instituições locais parceiras. A Cátedra reconhece e busca potencializar iniciativas e ações já existentes. Em cada estado mobilizado na Rede Oceano Limpo. De maneira idêntica, a Cátedra Oceano fomenta a criação de um Grupo Focal, institucionalizado ou não, formado por gestores estaduais e organizações convidadas para construir, organizar e conduzir a estratégia desejada para o estado.

‘Programa Cientista Chefe’

Nos últimos anos, o Ceará tem se destacado e servido de exemplo no cenário ambiental no que concerne à união entre a academia e a gestão pública, sendo impulsionado por sua abordagem inovadora e pelas políticas públicas que foram implementadas no Estado nos últimos meses.

PUBLICIDADE

Desde 2020, um dos principais impulsionadores desse considerável avanço é o Programa Cientista Chefe Meio Ambiente (CCMA), uma iniciativa da FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da SEMA (Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima). O processo tem contribuído com órgãos integrantes do SIEMA (Sistema Estadual do Meio Ambiente), como a SEMACE (Superintendência Estadual do Meio Ambiente), municípios costeiros do estado e outros órgãos de nível federal como o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Dentre as diversas atividades desenvolvidas no âmbito do CCMA, destaca-se o subprojeto dedicado ao Planejamento Espacial Ambiental (PEA) dos ambientes costeiros e marinhos do Ceará.

O PEA possui dois pilares importantes de desenvolvimento científico e tecnológico, são eles: o PCM (Planejamento Costeiro e Marinho do Ceará) e o SIG Ambiental (Sistema de Informações Geográficas Ambiental do Ceará). O subprojeto promove significativos avanços na compreensão e na gestão dos recursos costeiros e marinhos do estado.

‘A PEDEA’

A PEDEA (https://pedea.sema.ce.gov.br/portal/) está orientada a partir da Lei Complementar Nº 231, 13 de janeiro de 2021 que instituiu o Sistema Estadual do Meio Ambiente – SIEMA, e o Fundo Estadual do Meio Ambiente – FEMA, reformula a Política Estadual do Meio Ambiente.

A Plataforma, por sua vez, é um software de aplicação web integrado a uma base de dados espacial pautado na responsividade e acesso democrático a informações. Por meio da PEDEA, um usuário pode acessar de forma fácil e ágil, informações ambientais diversas sobre o Ceará, relacionadas por exemplo, aos instrumentos de gestão ambiental e de ordenamento territorial, como o Atlas Digital Costeiro Marinho, permitindo melhor compreensão da dinâmica socioambiental do território.

Os Planos de Ação previstos no Decreto Estadual n°35.071, de 21 de dezembro de 2022 apresentam em três temáticas. Derramamento de óleo, riscos associados a ambiente de falésias e erosão costeira. Os planos são como guias/manuais que auxiliarão a lidar com situações emergenciais e utilizam o PNC (Plano Nacional de Contingência) para compatibilizar com as iniciativas nacionais.

‘Plano de Ação de Contingência para derramamento de óleo’

– Plano de Ação de Contingência para derramamento de óleo visa prevenir, controlar e mitigar os impactos decorrentes de derramamentos de óleo e outros produtos de origem química na região costeira e marinha do estado.

PUBLICIDADE

O documento estabelece os procedimentos para resposta imediata, como a contenção do vazamento, a remoção do material contaminante e a proteção da fauna e da flora do ambiente afetado.

Ação de Contingência para Processos de Erosão Costeira’

– Plano de Ação de Contingência para riscos associados à ambientes de falésias estabelece diretrizes para identificação e monitoramento de falésias instáveis. Além disso, define ações de prevenção, como a sinalização e o isolamento de áreas de perigo iminente.

– Plano de Ação de Contingência para Processos de Erosão Costeira estabelece estratégias para monitorar e combater a erosão. Isso inclui  ações e medidas de contenção do processo. Ele prevê medidas de prevenção, como o mapeamento de áreas de risco. E também o controle das atividades humanas que possam contribuir para manutenção de praias e dunas e a implementação de ações de mitigação do problema.

Trata-se, portanto, de uma área de elevada dinâmica e de extrema vulnerabilidade em função de aspectos já citados. Tais características precisam ser levadas em consideração para fins de planejamento de ações e políticas públicas voltadas para a zona costeira.

Os planos elaborados possuem relevância para gestão sustentável e integrada da zona costeira do Ceará. Cabe por fim destacar que os planos irão contribuir, principalmente, para a consecução dos objetivos estratégicos do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável – ODS 14 estabelecido pela ONU. O objetivo é a conservação e uso sustentável do oceano, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.

‘Seminário Ceará Pelo Clima: Desenvolvimento, Sustentabilidade e Justiça Social’

A Sema preocupada com as questões ambientais realizou o seminário (17 e 18/ junho/2024). E evento teve a participação dos mais diversos públicos em dois dias de imersão sobre emergência climática, transição energética e justiça social.

Foi uma oportunidade de troca de experiências com os mais renomados especialistas do país para discutir sobre as abordagens necessárias para impedir o aumento de 1,5°C na temperatura global, o que poderá trazer rupturas na economia, nas instituições e em todo tecido social.

PUBLICIDADE

Frente à atual crise climática que enfrentamos, torna-se urgente definir orientações e propostas que possam diminuir o impacto dos efeitos da degradação ambiental, especialmente zona costeira e no semiárido do Ceará.

Ações práticas e parcerias’

O evento possibilitou a definição de ações práticas e parcerias, com muitos objetivos. Um deles foi identificar soluções buscando ampliar a produção de energias renováveis. Mas isso, de forma justa, inclusiva e popular a juventude cearense sobre a importância da conscientização cidadã ambiental e climática.

E mais, aprofundar conhecimentos acerca dos mecanismos de financiamento climático para o desenvolvimento de políticas públicas estaduais. Além disso, aproximar governo e sociedade, criando um ambiente propício para implementar políticas públicas estratégicas que enfrentem o racismo ambiental. Explorar as possíveis alternativas de adaptação e mitigação no contexto do Ceará e estimular gestores municipais a enfrentarem a problemática da gestão de resíduos.

A SEMA segue à disposição para fornecer informações adicionais e aprofundar discussões sobre as ações em andamento e os planos futuros.

Aos leitores do Mar Sem Fim

A viagem de 10 dias ao Ceará produziu uma enorme quantidade de informações, centenas de fotos, carradas de depoimentos das mais variadas personagens, algumas horas de filmagens, e muuuitas outras denúncias. Algumas são ‘cabeludas’, tenho certeza que provocarão grande impacto. Entretanto, são tantos os aspectos diferentes que decidi escrever uma série de artigos.

Enquanto confirmo por telefone as denúncias mais grotescas que ouvi, já começo a redigir as partes, digamos, menos polêmicas dos outros artigos.

Se você se interessa pelo litoral do Ceará fique atento ao site.

Sair da versão mobile