Dragar o Canal do Varadouro: má-fé, insensatez, ou só ignorância?
A Fundação Florestal, a quem compete cuidar das unidades de conservação Estaduais de São Paulo, esclarece que “Por ser uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, o Parque Estadual Lagamar de Cananéia busca atingir objetivos, como a preservação dos ecossistemas e da diversidade genética e a pesquisa científica, além das atividades de educação ambiental e ecoturismo”. Correto. E nós acrescentamos que o Complexo Estuarino-Lagunar Iguape-Cananéia-Paranaguá é o maior criadouro de espécies marinhas do Atlântico Sul. Por suas excepcionais qualidades, o Lagamar é mais um sítio Ramsar (zona úmida classificada como local de importância ecológica internacional ao abrigo da Convenção sobre as Zonas Húmidas de Importância Internacional) e foi reconhecido pela Unesco. Contudo, agora está ameaçado ante a ideia dos governos de São Paulo e Paraná de dragar e alargar o Canal do Varadouro para promover o turismo náutico na região.

Organizando a resistência
Assim que a notícia foi divulgada pelo Estadão meu irmão, Rodrigo Lara Mesquita, um dos maiores defensores do Lagamar e um dos fundadores da SOS Mata Atlântica desceu imediatamente para a região para conversar com as comunidades e lideranças caiçaras. Ao tempo em que era editor do Jornal da Tarde, Rodrigo colocou todo o peso do jornal para denunciar as maracutaias de empresas que queriam especular ou transformar o local em pasto para búfalos!
Em seguida, junto com um grupo de amigos, aproximou-se do governo Montoro, sensível ao meio ambiente e o levou, junto com o grupo de fundadores da ONG, para conhecer o Lagamar. Montoro ficou encantado, e tornou-se um aliado da causa. Para resguardar ainda mais o tesouro biológico, Franco Montoro tombou a parte paulista da Serra do Mar, e convenceu José Richa, seu colega no Paraná, a fazer o mesmo naquele Estado.
Patrimônio Mundial e Reserva da Biosfera, pela Unesco, e um sítio Ramsar
A geografia do Lagamar é única. Em quase nenhum outro ponto do litoral a Serra do Mar chega tão perto do oceano. Nessa faixa entre Paraná e São Paulo, uma rede de rios desce das encostas e serpenteia pela planície costeira, cortando manguezais, restingas, ilhas, praias, dunas e florestas até alcançar os canais. Esses canais têm ligações com o oceano através de várias aberturas — as chamadas barras — e formam um vasto estuário de cerca de 140 km, entre Iguape e Paranaguá.
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Ilhabela em último lugar no ranking de turismo 2025Garopaba destrói vegetação de restinga na cara duraCores do Lagamar, um espectro de esperançaOs canais também são o habitat de mamíferos marinhos como os ameaçados botos-cinza, e tartarugas, especialmente a verde. Já o interior da mata atlântica abriga espécies em risco de extinção como a onça-parda e os bugios, ou animais endêmicos, e criticamente ameaçados, como mico-leão-da-cara-preta ou o papagaio-de-cara-roxa. Só em Samambaias e Licófitas são 55 espécies. Por estas qualidades, o Lagamar recebeu a chancela de Patrimônio Mundial e Reserva da Biosfera, pela Unesco, e também é mais um sítio Ramsar.
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Para ter um sítio Ramsar o Brasil assume compromissos internacionais
O Brasil se comprometeu a preservar suas características ecológicas — a biodiversidade e os processos que a sustentam —, dando prioridade à consolidação dessas áreas em relação a outras unidades de conservação, como estabelece o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), aprovado pelo Decreto nº 5.758/2006.
Mesmo assim, os governos de São Paulo e Paraná colocam deliberadamente essa riqueza em risco. Propor a dragagem e o alargamento do Canal do Varadouro para dar passagem a uma flotilha com milhares de embarcações de recreio é um deboche — ou pura demência. Até um paralelepípedo mostraria mais juízo.
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Pobreza e dificuldade de acesso contribuíram para o Lagamar
Proposta de SP e PR é muito pior que o Projeto Turis, da Embratur, que destruiu o litoral norte
“Aquilo que aconteceu no âmbito federal com o governo Bolsonaro, que desmontou todo o Sistema Nacional de Meio Ambiente, a capacidade do poder público de reagir a esses momentos que a gente está vivendo, no estado de São Paulo vem acontecendo esse desmonte, essa desestruturação”, disse o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP).
Tarcísio de Freitas lançou um ‘Pacote Climático’ em agosto que foi muito criticado. Entre outras, o governador fundiu as secretarias de Infraestrutura e Meio Ambiente e Logística e Transporte. O objetivo é acelerar o processo de licenciamento ambiental de São Paulo para obras de infraestrutura.
Natália Resende, secretária de meio ambiente sem qualquer prestígio ambiental
Para os ambientalistas, a fusão representou um desprestígio. A decisão mostrou a mesma falta de sensibilidade que levou Tarcísio a escolher Natália Resende — sem histórico na área — para comandar a Secretaria de Meio Ambiente.
Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental), disse à Folha de S. Paulo que “a fusão é um dumping para a área ambiental. Isso vai custar muito caro para a população do estado no futuro”. Segundo ele, “essa superpasta revela uma lacuna enorme e um caráter amadorístico. A questão ambiental está sendo diluída, justamente quando o mundo exige o contrário.”
Desmonte de Tarcísio é a ‘pá de cal’, diz Carlos Bocuhy
O presidente do Proam classifica como “pá de cal” o modelo que o governador implantou em São Paulo. Malu Ribeiro, Diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, também foi ouvida pela Folha.
“O Conselho Estadual de Recursos Hídricos, que funcionava no Palácio dos Bandeirantes, o que dava um peso político importante para essa agenda, foi transferido para a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. Isso veio numa espécie de desprestígio para essa agenda“, diz Ribeiro. “Não representou um desmonte, como ocorreu no governo federal, mas foi uma perda de status.“
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Alargar e dragar o Varadouro?
Com todo respeito aos governadores, a proposta mostra um total desconhecimento sobre meio ambiente. Como temos repetido há tempos, a imensa maioria dos políticos de Pindorama não faz ideia do período em que vivemos — o Antropoceno. Não se preocupam em tornar as cidades mais resilientes nem em proteger a biodiversidade. No máximo, instalam apitos em áreas de risco depois de sucessivos desastres ambientais ou criam comissões e conselhos quando não sabem o que fazer.
A proposta de Tarcísio e Ratinho afronta o bom senso justamente quando o mundo debate as três maiores ameaças ambientais que a humanidade enfrenta. Em outras palavras, a perda irreversível da biodiversidade, o aumento dos eventos climáticos extremos e a incapacidade global de conter o aquecimento.
A situação é tão grave ao ponto de ultrapassarmos sete dos nove limites planetários. Não é hora de brincar. É hora de levar a sério a ameaça que ameaça a humanidade, o aquecimento sem controle.
Ratinho Junior: o exterminador de restingas
Ratinho Junior já mostrou seu obscurantismo em 2020, ao publicar um decreto que permitia o ‘manejo das restingas’ no litoral do Paraná. O motivo? Segundo o texto, “a vegetação de restinga favoreceria a proliferação de vetores que causam mal à saúde humana”. Pode um absurdo destes? Mas tem mais, a restinga “facilita crimes como assaltos, estupros e uso de drogas” e “estimula o crescimento de espécies arbustivas exóticas”. Parece uma declaração de Dilma, mas não é. Para piorar, o decreto ainda dispensava qualquer autorização do órgão ambiental. É desta mesma cabeça que sai a ideia de dragar o Varadouro. Não pode dar coisa boa…
Governador do Paraná entrou com pedido no Ibama
Segundo matéria de José Maria Tomazela, no Estadão, ‘o governo do Paraná, que detém a maior parte do canal, entrou com pedido no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para aprofundar e alargar a passagem marítima que sofreu estreitamento ao longo dos anos. O objetivo é criar uma nova rota turística navegável entre os dois Estados’.
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Diz ainda que, ‘para o governo de São Paulo, o projeto pode alavancar o turismo no extremo sul do seu litoral, uma região que tem grande potencial, mas que ainda atrai poucos visitantes’.
Congresso Internacional de Náutica
Segundo Tomazela, ‘Em agosto, o projeto foi apresentado no 9.º Congresso Internacional de Náutica, em São Paulo. “A pesca esportiva é o segundo esporte mais praticado no Brasil, movimentando as regiões costeiras e as cadeias do setor, com a construção de marinas e a indústria de embarcações. É por isso que esperamos concretizar esse projeto do Canal do Varadouro, uma espécie de ‘BR do mar’, disse Ratinho Júnior (PSD)’.
Finalmente, revela Tomazela, ‘Em março de 2024, os secretários de turismo do Paraná, Márcio Nunes, e de São Paulo, Roberto de Lucena, assinaram protocolo de intenções de ações conjuntas para ‘revitalizar’ o Canal do Varadouro. A Secretaria de Turismo de São Paulo (Setur), também iniciou estudos para a dragagem da parte paulista do canal. “Estamos em tratativas com o Departamento Hidroviário (órgão do Executivo paulista) e discutindo a melhor forma de fazer a dragagem”.
Dragar o Canal do Varadouro tem cheiro de uma ‘nova Cancun‘
Como se vê, essa ideia não nasceu agora. Ela é cultivada há tempos e exala o cheiro de uma ‘nova Cancun‘ no mais rico ambiente costeiro do Brasil. Resta torcer para que o Ibama cumpra seu papel e não aprove a obra sem exigir que o projeto passe por todas as etapas de um licenciamento ambiental rigoroso.
O projeto ainda ameaça o caráter natural do lugar ao propor a construção de trapiches, banheiros, conveniências, ambulatórios, áreas de espera e 160 pontos de apoio náutico com boias ao longo do Lagamar. Este aparato seria instalado entre as humildes comunidades caiçaras de Tibitanga, Vila Fátima, Marujá, Ararapira, Guaraqueçaba e Ariri — para atender a uma flotilha de milhares de lanchas.
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Parece mais um projeto para “urbanizar” a floresta nativa. É arrogante, presunçoso e estúpido alterar o que a natureza levou eras para criar. Uma ideia inconcebível, que beira o surreal. Resta a dúvida: a ignorância é a única explicação, ou haveria interesses escusos?
Fechem a barragem do Canal do Valo Grande!
Se este governo quer auxiliar a região a primeira medida a ser tomada seria o fechamento da barragem do Canal do Valo Grande que ameaça a integridade do manguezal de Iguape com excesso de água doce.
Além disso, o governo deveria investir em educação de qualidade para os caiçaras que vivem nos rincões do Lagamar, oferecer postos de saúde dignos e apoiá-los na formação e no desenvolvimento de novas atividades, como a maricultura. Por que criar ambulatórios apenas para atender turistas náuticos?
A repercussão
Para Carlos Bocuhy, presidente do Proam, ‘A proposta peca na origem, anunciada sem nenhum suporte científico sobre a proteção necessária de uma das mais importantes áreas úmidas do Brasil, plena de biodiversidade em seu rico ecossistema marinho. Alterar drasticamente esse ecossistema destruiria os atributos ambientais da região. Atingiria ainda comunidades vulneráveis que dependem desses recursos naturais para sua sobrevivência’.
José Pedro de Oliveira Costa é outro notável ambientalista. Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, e representante no Brasil dos Observadores do Patrimônio Mundial.
Ele considera a região ‘uma preciosidade biológica, nacional e internacional. Aí estão os últimos remanescentes de natureza costeiras de todo o Sudeste e Nordeste do Brasil, em um mosaico de áreas protegidas como não existe similar no planeta’.
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Para Zé Pedro de Oliveira Costa, ‘é uma ideia delirante’
Depois de enumerar várias outras qualidades como o endemismo, e as espécies criticamente ameaçadas, Zé Pedro comenta: ‘é uma área de extrema vulnerabilidade geológica e biológica que já mostra muitas variações de terreno em função das mudanças climáticas…’
Por isso, diz, ‘não há a mínima possiblidade de se intervir nessa área que não seja com extremo cuidado e controle. É delirante a ideia de implantar nesse conjunto magnífico uma ‘rodovia marinha’ de grande circulação’.
‘Conclamamos todos os interessados para implantar um sistema de turismo sustentável compatível com a pujança natural do Lagamar Paranaguá – Peruíbe’.
Dra. Yara Schaeffer-Novelli
A Dra. Yara Schaeffer-Novelli foi outra personalidade emblemática da academia a falar sobre o plano. A professora nos dá uma magnífica aula, demonstra sua profunda indignação de forma elegante, e ainda puxa a orelha de seus proponentes.
Ela diz que ‘a dragagem de apenas 6 km do Canal do Varadouro, que está assoreado há 50 anos não dando passagem ou navegabilidade de embarcações de maior calado, é uma pretensão lançada agora pelos governos do Paraná e São Paulo que traz sérias preocupações’.
‘A área costeira deste trecho do litoral Sudeste e Sul brasileiro está sobre um substrato arenoso, uma planície costeira arenosa que preenche todo este espaço entre o contraforte da Serra do Mar e o oceano Atlântico’.
‘Este substrato arenoso, muito friável, é fruto de assoreamento que vem ocorrendo há 120 mil anos. Todos estes traçados da dinâmica, tanto fluvial como marinha, que sustentam e dão suporte a uma rica flora, ou cobertura vegetal, caracterizada principalmente por manguezais, e porque não dizer, por nossos representantes da Mata Atlântica, como restingas e manguezais que dão abrigos ricos em alimento para uma biodiversidade incrível. Não podemos ter um ambiente mais rico, sensível e vulnerável’.
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‘Nós já temos o Valo Grande’
‘Mais alterações infringidas pelo homem? Nós já temos o Valo Grande que tornou Iguape uma ilha. Ao fazerem este canal para agilizar a exportação de arroz, veremos que nos primeiros metros de abertura do Valo Grande, já se queria fechá-lo porque estava saindo do controle’.
‘Era para ser um canal para a passagem de canoas carregadas de arroz que, de repente, foi se abrindo, abrindo…porque a areia não tem uma forma de ser segura, de ser barrada. Então, veio a erosão. Uma barragem que era para ter 2 metros de largura passou a ter 200. Portanto, já houve a confirmação de que a alteração proposta pelo homem num sistema frágil, sensível, numa planície costeira arenosa, não deu os resultados pretendidos’.
‘Canal do Varadouro aberto na década de 1950’
‘Já na década de 1950 do século passado, agora também vemos que foi aberto o Canal do Varadouro para facilitar o transporte e a comunicação entre as comunidades costeiras do norte do Paraná com o sul de São Paulo. Comunidades costeiras nunca visaram motonáutica, turismo de alto impacto. Eu vi, em dezembro de 2023, verdadeiras hordas de Jetskis que vêm sempre no fim de semana, de Paranaguá para Cananéia’.
‘São hordas de jetskis passando por todos estes canais’
‘São hordas de jetskis passando por todos estes canais. Isto é motonáutica agressiva num espaço costeiro protegido pela restinga do Marujá e pela Ilha do Cardoso. São locais ricos em fauna marinha, mamíferos marinhos como os botos que ensinam suas crias a caçar e se alimentar dentro do canal de Ararapira, com uma avifauna impressionante, belíssima, e os papagaios chauás (Amazona rhodocorytha, espécie brasileira ameaçada de extinção)’.
‘Gente, pensar em uma dragagem que proporcione 30 metros de largura, com uma profundidade planejada de 2.4 metros, pra quê? Para passar o quê? Pra ter mais jetskis, mais lanchas? Aquilo não é lugar para velejar, não é um lugar de turismo contemplativo apesar da riqueza cênica. Não! É pra botar lanchas correndo! E tudo isto num canal de 30 metros de largura, escavado e dragado numa planície arenosa?!’
‘Já temos exemplos de uma nova barra sendo aberta pela natureza, na restinga do Marujá, em 2017/2018. Temos a barra de Ararapira, e agora a barra nova, uma erosão costeira promovida pelos novos sistemas, o novo normal como dizem por aí. Diante de todas estas alterações do ser humano, a erosão costeira é algo normal’.
‘Cuidado, governador do Paraná, cuidado governador de São Paulo!’
‘Erosão costeira ocorre, as barras se abrem e se fecham. A barra nova foi algo que assistimos por filmagens, uma coisa absurda. Visitei a área, vejam como é sensível; as coisas de areia se esvaem com a força da hidrodinâmica costeira. A água constrói, remodela a zona costeira, assim como as águas interiores’.
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‘Vamos com calma. Um pedido ao Ibama para uma simples dragagem? Ou vamos pensar no todo, aonde está inserida esta ‘simples dragagem’? Estamos lidando com a APA costeira Peruíbe-Iguape-Cananéia, um sítio Ramsar, ou seja, uma área úmida de importância internacional’.
‘Não vamos deixar vulnerável nossa linha de conservação neste santuário. Cuidado, governador do Paraná, cuidado governador de São Paulo! O valor desta área está na beleza cênica, na biodiversidade, na riqueza cultural de nossos caiçaras. Eles não vão usar jetski, os caiçaras não têm lanchas com motores potentes, eles usam canoas! Vamos manter a nossa cultura, a tradição e o valor em serviços sistêmicos prestados graciosamente pela floresta atlântica, os manguezais, e a riqueza das restingas que abrigam muitos sambaquis. Temos uma história rica neste segmento costeiro. Mas é uma história que envolve cultura, que envolve o homem local; não envolve forasteiros’.
Fábio Feldmann, ambientalista, advogado, ex-secretário de Meio Ambiente de SP
Fábio também foi fundador e primeiro presidente da SOS Mata Atlântica, e ex-deputado federal por três mandatos, um dos responsáveis pelo capítulo do Meio Ambiente da Constituição de 1988. Dos Estados Unidos, onde está a trabalho, Fábio mandou o seguinte depoimento:
‘Praticamente há 40 anos houve uma discussão muito semelhante no Lagamar. A ideia era fazer uma intervenção no Canal do Varadouro, mas o movimento ambientalista à época, liderado pelo Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo, conseguiu chamar a atenção da opinião pública e impedir a obra que teria grandes impactos’.
‘Logo depois foi assinado um convênio entre São Paulo e Paraná em defesa do estuário lagunar Cananéia-Iguape-Paranaguá. O que acontece é que nestes últimos 40 anos ficou claro que esta área é muito importante, e com o advento da Convenção da Biodiversidade, com toda a discussão ambiental e ecológica no mundo, estes temas foram muito valorizados. Hoje temos a Convenção da Biodiversidade, temos a Constituição de 88, a Constituição do Estado de São Paulo, de modo que o que se pretende fazer vai contra exatamente todo este movimento, esta tendência que ocorreu nos últimos 40 anos’.
‘Acredito que os dois governos vão pensar bem e voltar atrás até mesmo para não chamar a atenção contra si em relação à necessidade de rever esta obra, na época em que a biodiversidade, a Mata Atlântica, os oceanos, e estuários estão sendo valorizados e apontados como muito importantes para as medidas de adaptação às mudanças do clima’.
Professor Eduardo Vedor, da Universidade Federal do Paraná
Eduardo Vedor é do LAGEAMB – Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais, da UFPR. Ele lidera um grande projeto de pesquisa fundiária desde 2014. Por isso está baseado em Guaraqueçaba com sua equipe de 40 pessoas. O diagnóstico (que será entregue em novembro) envolve 18 comunidades tradicionais, 700 famílias foram entrevistadas, localizadas no entorno do Parque Nacional do Superagui, ‘justo na baía dos Pinheiros, diz Vedor, onde será feita a dragagem’.
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‘Nós entrevistamos 700 famílias, em conversas de uma hora e meia, duas horas, o que gerou um imenso banco de dados que certamente vai propiciar uma ampla regularização fundiária na região. Por isso, por estarmos sempre ‘em campo’, percebemos todo o movimento atrelado à especulação imobiliária decorrente do projeto que o governo do Paraná vem anunciando’.
Canal do Varadouro está com menos de 30, 40 centímetros de profundidade
Eduardo Vedor considera que o Canal do Varadouro tem que ser dragado porque está com menos 30 a 40 centímetros de profundidade, então a dragagem é necessária, no entanto estamos falando numa dragagem para chegar em um metro de profundidade, que é o que precisam as embarcações das pessoas por aqui’.
‘Eu já vi anunciado pelo governo (do Paraná) 2,5 metros, em alguns lugares até 3 metros de profundidade. Do ponto de vista ambiental isto não existe…estão falando de embarcações com portes que nunca circularam nesta região, estão falando em iates, isso assusta’.
‘Assusta pescadores, e a gestão do parque nacional tendo em vista que estas intervenções estão previstas para acontecer dentro do parque. A gente ficou ainda mais preocupado quando o governo informou que estava se autolicenciando. Mas, como o parque é federal, o rito desde o início tinha que começar pelo Ibama. O ICMBio (a quem compete cuidar das UCs federais) precisou se manifestar oficialmente pedindo que o autolicenciamento com dados dentro do parque fosse paralisado. Assim, o processo já começou de forma equivocada no âmbito legal’.
Eduardo Vedor diz que ‘a UFPR não se manifestou porque que não tivemos acesso ao projeto, e recebemos com bastante infelicidade o chamado para esta reunião dentro de nossas instalações em Paranaguá. A gente espera finalmente conhecer o projeto para emitirmos uma Norma Técnica contrapondo algumas questões (a reunião foi adiada)’.
Em seguida, ele confirma que o Ministério Público já os convocou para a reunião do dia 30/10.
A ameaça da especulação imobiliária
Eduardo diz que deixou propositalmente para o final o maior problema na visão dele que é a especulação imobiliária. (Provoca) Uma alteração completa desta região que é a mais preservada de mata atlântica do País. Depois disse que a baía dos Pinheiros, tem vocação para o turismo, só que pelo nosso diagnóstico só pode ser o turismo de base comunitária, vamos capacitar os caiçaras para que eles sejam os protagonistas. E jamais para pessoas externas a este território com uma visão rasa de lucratividade. Não vamos permitir aqui a descaracterização completa dos caiçaras que aconteceu na ilha do Mel.
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A palavra da secretária de Meio Ambiente, Natália Resende
Nesta quinta-feira enviamos o post para o e-mail da secretária de Meio Ambiente, Natalia Resende, para que ela fizesse os comentários que julgasse oportunos. Na tarde de sexta-feira, 11 de outubro, recebemos a seguinte resposta:
“O Governo de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, informa que nenhum pedido de licença para alargamento do Canal do Varadouro foi protocolado e não há projeto em curso neste sentido. O protocolo de intenções assinado pela Secretaria de Estado de Turismo e Viagens com o Governo do Paraná visa estimular a cooperação técnica e troca de informações, para avaliação de parcerias.”
Fusão de pastas que deu origem à Secretaria de Estado de Meio Ambiente
“Por fim, sobre o fechamento do canal do Valo Grande, é preciso responsabilidade na análise e condução desta solução, tão importante para a preservação daquele território. A atual gestão, por meio da SP Águas, tem buscado compreender e avaliar tanto os impactos das diferentes soluções defendidas pelos atores envolvidos nesse processo histórico quanto a questão da titularidade, sendo o Ribeira de Iguape um rio federal.”
Agência Estadual de Notícias do governo do Paraná
Poucos minutos depois de publicar este post recebi um link de um amigo paranaense. Ele me dirigiu para uma matéria oficial com o título, Estado finaliza projeto de modernização e dragagem do Canal do Varadouro, no Litoral, publicado em 5 de setembro pelo governo do Paraná.
“O governador Carlos Massa Ratinho Junior recebeu nesta semana da Secretaria do Planejamento o Anteprojeto de Dragagem, de Sinalização Náutica e de Instalações de Apoio ao Turismo no Canal do Varadouro, elaborado pela Universidade Livre do Meio Ambiente (Unilivre) a partir de um contrato celebrado com o Paraná Projetos.”
Paraná é a locomotiva desta ‘presunção’?
Lendo com atenção, comparando com a resposta do governo paulista, fica nas entrelinhas a impressão que o Paraná é a ‘locomotiva’ desta ‘presunção’, como disse Dra. Yara Schaeffer-Novelli. Ao contrário do texto paulista, que tenta negar o óbvio, o documento paranaense mostra que ‘o governador tem uma visão ativa e forte em relação ao turismo náutico’.
A dica é de procedência do secretário de Estado do Desenvolvimento Sustentável, Everton Souza, em 5 de setembro,
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o governador tem uma visão ativa e forte em relação ao turismo náutico. Vamos começar as tratativas com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para o licenciamento desse projeto, que vai trazer grandes benefícios às populações tradicionais
O secretário de Estado do Planejamento, Guto Silva, é outro que está embevecido…
Esse canal tem algo extraordinário: ele está no coração da Mata Atlântica. E ele tem um potencial turístico maravilhoso, também de geração de emprego para ribeirinhos, pelo turismo náutico, trazendo gente de São Paulo para navegar no Paraná, deixando receita e muita coisa positiva. Não temos dúvida de que é mais um projeto que pode mudar a cara do Litoral
Enquanto a alta cúpula do governo do Paraná comemorava em setembro o andamento da ‘presunção’, confirmando a ideia de transformar o Lagamar ‘pelo turismo náutico’ como afirmou Guto Silva, o ‘Governo de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, informa que nenhum pedido de licença para alargamento do Canal do Varadouro foi protocolado e não há projeto em curso neste sentido’.
E foi tudo. A resposta paulista é tão surreal quanto o plano que negam ter. Escreveram quatro linhas para negar o que o governo do Paraná confirmou ainda em setembro. Todo o resto da nota é puro blá-blá,blá, e nada tem a ver com ‘as hordas de jetskis’ que tanto encantam os brucutus de plantão.
Assista ao vídeo do Parna de Superagui, 2017, quando no entorno da unidade de conservação começava a crescer a especulação imobiliária