Descarbonização da navegação na Noruega: coopere, comece pequeno e planeje a expansão
Já comentamos por aqui o problema das emissões da indústria marítima mundial, e a posição até agora intransigente da indústria em mudar seus processos e sistemas para contribuir com o clima. Mas depois da liderança de Joe Biden, e da volta dos Estados Unidos ao Acordo de Paris; e do avanço da Agenda Verde, a indústria marítima mundial sentiu o peso da responsabilidade. E finamente pôs mãos à obra. Hoje, o especialista Paulo C. Azevedo Jr.* nos mostra como a Noruega está adiantada neste processo, e como o país trabalha para a descarbonização da navegação.
Descarbonização da navegação na Noruega
O ano de 2021 está agitado com o anúncio de diversas parcerias público-privadas em todo o mundo, em busca da descarbonização do transporte marítimo.
Em abril, Cingapura lançou o Maritime Decarbonisation Centre (Centro de Descarbonização Marítima), a ser financiado com S$120 milhões (R$ 459 milhões), metade vindos de 6 empresas marítimas e metade da Autoridade Marítima e Portuária de Cingapura (MPA).
No inicio de junho, os governos dos Estados Unidos, Dinamarca e Noruega, juntamente com o Fórum Marítimo Global (GMF) e o Centro Mærsk Mc-Kinney Møller para Navegação de Carbono Zero, anunciaram uma nova iniciativa de cooperação em busca do transporte marítimo sem emissões. O grupo terá também o apoio dos governos da Índia, Marrocos, Reino Unido, Cingapura, França, Gana e Coréia do Sul.
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Programa de Navegação Costeira Verde
O Programa de Navegação Costeira Verde foi estabelecido em janeiro de 2015. No início, era composto por 16 empresas e organizações privadas, bem como 2 ministérios do governo. Em 2019, o programa mudou seu nome para Programa de Navegação Verde (Grønt Skipfartsprogram) para destacar suas intenções internacionais.
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Hoje, o programa conta com mais de 70 participantes, entre donos de carga, armadores, estaleiros, portos, fabricantes de equipamentos, fornecedores de combustível, prestadores de serviços e órgãos governamentais. É financiado em parte por dinheiro público e em parte pelos membros privados.
Os participantes podem aprender com parceiros e até mesmo com concorrentes, enquanto reduzem o custo e aceleram os investimentos na transição energética.
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Em maio, foi realizado digitalmente o evento Capital Link Maritime Forum Norway, com um painel focado em navegação de curta distância e cabotagem.
O programa foi o pano de fundo que conectou os 5 projetos-piloto para a descarbonização da navegação apresentados, parte de um total de 33 em andamento.
Eles incluem o uso de amônia e propulsão híbrida de bateria em ferries de passageiros e automóveis, um graneleiro costeiro movido a hidrogênio e balsas autônomas e elétricas.
Trond Kleivdal, CEO da operadora de ferries Color Line, resumiu os passos necessários, em sua opinião, para acelerar a transição verde: “precisamos aumentar os esforços de pesquisa e desenvolvimento para encontrar soluções técnicas e medidas de segurança em relação ao uso de diferentes combustíveis de emissão zero.”
“Ao mesmo tempo, precisamos encontrar maneiras eficientes em termos de energia para aumentar a produção verde e a distribuição de combustíveis com emissão zero. E em terceiro lugar, precisamos reduzir, de uma forma ou de outra, o preço desses combustíveis, tornando-os mais competitivos do que são hoje. ”
Descarbonização da navegação: embarcações não tripuladas autônomas e elétricas
A Asko está planejando duas embarcações não tripuladas autônomas e elétricas, apelidadas de “drones marítimos”, para transportar 16 semi-reboques de carga geral através do Fiorde de Oslo.
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Andreas Buskop, gerente geral do estaleiro Vard Brevik, e Egil Haugsdal, presidente da empresa de tecnologia Kongsberg Maritime, também destacaram os custos substanciais e os riscos tecnológicos envolvidos, mas garantiram que o melhor caminho é o da cooperação.
Para destacar o ritmo da transição em andamento, Haugsdal mencionou que “atualmente há aproximadamente o mesmo número de navios de zero carbono em construção em relação à frota acumulada até agora na história”.
70 ferryboats de bateria
Os participantes do painel também concordaram que as compras públicas são componente essencial para o sucesso da transição verde, conforme ilustrado pelo setor de ferryboats norueguês, líder mundial em eletrificação.
Contratantes públicos podem prover a demanda que justifique a mudança de projetos-piloto para uma maior escala. Na Noruega, as licitações para contratação de serviços de travessia marítima de carros e passageiros estipulam limites de emissão rígidos.
Como resultado, 70 ferryboats de bateria já estão em operação em todo o país. Metade deles são híbridos (ainda usam motores a combustão em parte da operação), e metade 100% elétricos.
E no Brasil?
O Brasil praticamente não tem mais empresas de transporte marítimo de longo curso. Mas existem operadores de transporte marítimo de cabotagem e interior que podem assumir o papel de pioneiros na transição energética.
Porém, o país tem grandes proprietários de cargas a granel sólido, que exportam centenas de milhões de toneladas por ano, principalmente minério de ferro, milho e soja. Os donos das cargas, como empresas de mineração e tradings de grãos, devem assumir maior protagonismo e compartilhar a responsabilidade dos esforços de descarbonização do transporte marítimo.
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Isso é ainda mais verdadeiro para os donos de cargas embarcadas em contêineres, que estão mais próximos do consumidor final e mais expostos à pressão para descarbonizar suas cadeias de suprimento.
Alguns exemplos no Brasil
A Vale, por exemplo, está testando os rotores Flettner (velas rotativas) num navio VLOC (very large ore carrier) recém construído para o transporte de minério do Brasil para a China.
A CBO (operador offshore) está convertendo um navio supridor para propulsão híbrida. Enquanto isso, a Hidrovias do Brasil (operador de navegação interior) encomendou na Bahia dois empurradores de propulsão híbrida plug-in (isto significa que o navio tem a capacidade de carregar suas baterias conectando-se à rede de distribuição elétrica.
Isso demonstra que o Brasil aos poucos está iniciando também suas iniciativas, na base do “cada um por si”.
Acima de tudo, há a responsabilidade do consumidor final e cidadão de demandar produtos e serviços mais verdes e, quem sabe, aceitar pagar um pouco mais por eles. Ao menos, a parcela do frete marítimo no custo dos produtos é muito pequena. Por exemplo, como o CEO da Maersk, Soren Skou, recentemente afirmou em entrevista à BBC, o transporte com zero emissões de um tênis da Ásia para o Ocidente representaria um acréscimo de menos de 1 real no custo do produto. Ainda assim, a transição custará muito dinheiro.
Evidentemente, o Brasil não tem bolsos tão fundos quanto a Noruega. Mas conforme a mudança progride, não fazer nada pode sair ainda mais caro.
O autor: Paulo Azevedo Jr. é engenheiro naval pela Poli-USP e doutorando na Norwegian School of Economics (NHH) de Bergen, Noruega. Além de colaborar com Mar sem Fim, escreve sobre o mercado marítimo latinoamericano em MaritimeSouth.com.
Fontes: 2021 Capital Link Maritime Forum Norway, 26-27/05/2021, Digital Forum; https://www.youtube.com/watch?v=NxnXSwsdpso; http://forums.capitallink.com/shipping/2021norway/.