Desafios Ambientais: conheça boas ações, uma da sociedade, outra do governo
O mundo enfrenta uma série de desafios ambientais que vão desde problemas globais complexos, como as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade, a poluição dos oceanos, até questões mais imediatas e locais, como o descarte inadequado de resíduos. Esses obstáculos não apenas afetam a qualidade de vida hoje, mas também colocam em risco o futuro das próximas gerações. Um deles, talvez o mais comezinho de todos, é o lixo. Essa dificuldade seria trivial se fôssemos poucos, mas os 8 bilhões de pessoas que compõem a população mundial a transformaram em transtorno global.
Você arrisca um palpite sobre a quantidade de resíduos produzidos por esta massa anualmente?
Segundo a ONU, são 2,1 bilhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos hoje, e serão 3,8 bilhões até 2050. Acontece que este talvez seja o problema mais fácil de resolver além de permitir que todos contribuam, do cidadão comum ao poder público, sem quase exceções. Hoje nosso comentário destaca duas ações simples, uma da sociedade, outra do poder público, ambas demonstrando ótimos resultados.
ONG tem no currículo a retirada de 182 mil toneladas de resíduos das praias
Há 20 anos estudantes universitários de Geografia da UFSC, que visitavam as praias de Florianópolis, encontravam sempre muito lixo em área não habitadas, o que demonstrou que o problema do descarte incorreto crescia. Os amigos passaram a fazer ações de limpeza que redundaram na criação da ONG Eco Local Brasil em 2002.
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Em seguida, a partir de 2018, começaram as ações para retirar lixo das praias; a primeira rendeu uma tonelada. De lá para cá, a ONG tem no currículo mais de 400 ações de limpeza nos litorais Sul e Sudeste que resultaram em cerca de 182 mil toneladas retiradas das praias! A Eco Local Brasil atua desde Laguna – SC até Saquarema – RJ.
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Um estudo inédito, encomendado pelo Blue Keepers em 2022, aponta que cada brasileiro pode ser responsável por poluir os mares com 16kg de plásticos por ano, sendo que 1/3 do plástico produzido em todo o País corre o risco de chegar ao oceano todos os anos. Esta é apenas mais uma prova de que somos nós os responsáveis, logo, colocar a mão na massa como fizeram os estudantes da UFSC é obrigação.
Você não precisa fundar uma nova ONG. A limpeza de praias aos poucos cresceu ao ponto de que atualmente há grupos promovendo ações em quase todos os Estados costeiros. Assim, você pode participar, apoiar uma delas, ou mesmo promover ações semelhantes.
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A grande sacada da Eco Local Brasil foi perceber logo no início que não basta retirar o lixo, mas sim destiná-lo ao local correto. Hoje o foco é educação ambiental, retirada de lixo em mutirões, e gerenciamento dos resíduos.
A Eco Local Brasil formou uma rede de interessados que permite que ‘o material termoplástico passe por um processo de recuperação, beneficiamento e reaproveitamento industrial’. O site informa ainda que ‘em parceria com indústrias essa matéria prima é utilizada em linhas de produtos ECO. A consciência e exigência do consumidor possibilita retorno econômico ao mesmo tempo em que possibilita a limpeza dos oceanos’.
Programa Mar Sem Lixo
Este site é bastante crítico quanto a certos aspectos que envolvem a Fundação Florestal, no entanto, ela também tem os seus acertos e é sobre isso que falaremos.
A outra boa ideia que destacamos veio do setor público, especificamente da Fundação Florestal de São Paulo, que é responsável pelas unidades de conservação estaduais. Talvez você não saiba, mas, durante a gestão de Xico Graziano na Secretaria de Meio Ambiente (2007-2010), criaram áreas de proteção ambiental ao longo de todo o litoral paulista, as APAs Litoral Sul, Centro e Norte.
Ciente de que a pandemia de plástico é um dos maiores problemas dos oceanos e da difícil realidade da pesca artesanal, a FF lançou o Programa Mar Sem Lixo, que outros Estados poderiam replicar.
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Incentivo a pescadores artesanais
A ideia foi incentivar os pescadores artesanais de arrasto de camarão a ganharem com o lixo que encontram no mar. Ao aderirem ao programa, e sempre que trouxerem os resíduos capturados durante a atividade, são remunerados recebendo pagamento de serviços ambientais (PSA). Os valores oscilam entre R$ 16,00 a partir da entrega de 1 kg de lixo, até R$ 653,00 para entregas acima de 100 kg.
Como se vê, a ideia é muito simples e boa. Hoje não há pescador que não encontre lixo emaranhado em suas artes de pesca. Para o projeto piloto, que durou de junho de 2022 até setembro de 2023, a FF escolheu Cananéia, Itanhaém e Ubatuba. Com o sucesso, nasceu o PROGRAMA MAR SEM LIXO em novembro de 2023, com três novos municípios: Bertioga, Guarujá e São Sebastião.
20 toneladas de lixo retiradas em oito meses
Em agosto de 2024 a FF divulgou um relatório mostrando que, entre novembro de 2023 e junho de 2024, mais de 20 toneladas de lixo foram recolhidas do oceano, ilhas e manguezais no litoral. Desse total, 9,9 toneladas vieram da frota de arrasto, enquanto 13,6 toneladas foram retiradas dos manguezais por 226 pescadores cadastrados.
Segundo o relatório, ‘Guarujá foi o município que teve a maior quantidade de lixo recolhida (8,5 toneladas, ou 42% do total), seguido de Cananéia (3,5 toneladas), Bertioga (3,2 toneladas), Ubatuba (2,5 toneladas), São Sebastião (1,9 tonelada) e Itanhaém (230 quilos). Do total de lixo recolhido nesses oito meses, 6,9 toneladas foram retiradas do mar e 13,2 toneladas, de manguezais e ilhas’.
O arrasto merece um reparo
Embora a ideia tenha mérito, ela se baseia também na pesca de arrasto, uma das práticas mais destrutivas, combatida globalmente. A pesca de arrasto devasta o fundo do oceano e captura espécies não-alvo, que são devolvidas ao mar sem vida. Estudo realizado pela Oceana Brasil estimou o descarte médio de 39,6% de todo o pescado pelas frotas de arrasto no Sul e Sudeste. Enquanto isso, o Amapá e Rio Grande do Sul, já publicaram leis proibindo o arrasto nos respectivos mares territoriais (a faixa de doze milhas marítimas de largura a partir do litoral).
Esse paradoxo preocupa: enquanto uma mão recolhe o lixo, a outra perpetua uma prática de pesca que, idealmente, deveria ser banida. Isso não diminui o valor do projeto, ao nosso ver, mas ressalta a necessidade de uma abordagem mais holística e sustentável o que já acontece com os pescadores que recolhem lixo de mangues.
Se a questão do arrasto for resolvida, o programa tem tudo para proliferar por todo o litoral. No Brasil existem cerca de 1 milhão de pescadores artesanais, 80% dos quais no Nordeste e Norte. Portanto, se a ideia ‘pegar’ entre os governos estaduais, poderíamos tirar muitas toneladas de lixo dos manguezais, o que por si só já será um enorme benefício aos que dependem do mar para sobreviver.
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Governo Federal poderia substituir o arrasto
Ao mesmo tempo é oportuno iniciar um trabalho, que já deveria ter começado há muito na esfera federal, para aos poucos substituir o arrasto por outras modalidades não tão malignas à vida marinha. Grande parte dos pescadores com quem conversei ao longo da costa brasileira sabem dos problemas do arrasto, mas não têm outra opção. O governo também está ciente, apenas finge que não vê. É uma pena. Se este trabalho de substituição a longo prazo começasse, o Brasil certamente marcaria uma posição relevante como protagonista mundial dos oceanos, afinal, a Amazônia Azul merece tanto quando a Verde.
Quem sabe?
Fundação Florestal esclarece
Antes de publicar este post enviei duas perguntas à Fundação Florestal. A primeira, sobre o motivo da escolha recair sobre os pescadores de arrasto. A segunda, se o programa se estenderia para pescadores artesanais que atuam fora do arrasto.
Em resposta a FF esclareceu que ‘a escolha dos pescadores de arrasto de camarão ocorreu devido a um conjunto de fatores. O primeiro ponto, se relaciona ao fato de que os trabalhos disponíveis na literatura nacional e internacional sobre lixo no mar indicam que mais de 90% do lixo presente no ambiente marinho está associado ao fundo do mar e à coluna d’água’.
‘Desta forma, a pesca de arrasto possibilita o acesso aos resíduos depositados no assoalho marinho, o que seria mais custoso e operacionalmente complexo, de modo que esta modalidade de pesca permite a captura, a recolha e a posterior destinação desse resíduo que, de outra forma, permaneceria no ambiente’.
Esclareceu ainda que…a pesca artesanal de arrasto de camarão está regulamentada e ordenada no estado de São Paulo...Antes do Programa, a maior parte do lixo retirado do mar era devolvida à água pelos pescadores. Assim, nosso objetivo foi transformar essa prática ao valorizar o serviço ambiental que eles já realizavam’.
‘Entender a dinâmica das correntes marinhas’
Com o apoio do IO-USP, estamos compreendendo a dinâmica das correntes marinhas, identificando os locais de maior concentração de lixo e as principais marcas encontradas no leito oceânico, o que exigirá que essas empresas melhorem sua logística reversa.
Sobre a expansão do programa, a FF diz que em 2024 iniciou uma ‘auditoria dos resíduos entregues voluntariamente por pescadores de outras modalidades a fim de determinar características dos resíduos que tornem o pagamento seguro.
Com base nos resultados a FF desenvolverá ‘um protocolo visando a expansão do programa para novas artes de pesca, de forma segura e consistentes’.