População de Cabo Frio denuncia crimes ambientais em manguezal
A população de Cabo Frio denunciou um empreendimento que ameaça o que resta do manguezal da região. Trata-se do Viverde Cabo Frio Marina & Resort, localizado às margens do Canal de Itajuru, no bairro de Ogiva e adentrando parte do bairro de Gamboa. Recentemente, outro empreendimento deste tipo gerou polêmica em Santa Catarina, a Marina Beira-Mar Norte. O motivo é que as construções na orla marítima são extremamente sensíveis. Entretanto, o caso de Cabo Frio tem ainda outros ingredientes indigestos: a especulação imobiliária no litoral e a omissão do prefeito.
A falta de marinas públicas no País
Ainda no post sobre o projeto de Santa Catarina comentamos que há grande carência de marinas públicas em todo litoral. Quem perde é o setor náutico, e os cidadãos interessados em esportes aquáticos, ou apenas o lazer.
Segundo a pesquisa Indústria Náutica Brasileira (2012) há no País cerca de 500 mil embarcações de esporte e recreio. Ao mesmo tempo, os quase oito mil quiômetros da costa brasileira contam com apenas 70 marinas e 500 estruturas náuticas, como clubes, bem como garagens para embarcações (ACOBAR, Associação Brasileira dos Construtores de Barcos). É muito pouco.
Por outro lado, estas construções envolvem muitas vezes áreas públicas sensíveis, terrenos de marinha, margens de rios ou represas, etc.
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Antes de mais nada, o primeiro passo é sempre a aprovação do órgão ambiental, no caso de Cabo Frio, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
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Empreendimento no Mangue da Ogiva
Segundo o portal www.portalmultiplix.com (julho/22) ‘A construção de um empreendimento no Mangue da Ogiva, na estrada que liga os municípios de Cabo Frio e Búzios, Região dos Lagos, tem gerado polêmicas. O Ministério Público do Rio (MPRJ) investiga a obra devido aos possíveis riscos ao meio ambiente.’
A mesma fonte diz que ‘o alvará para realização foi dado em 2021, durante a gestão do prefeito José Bonifácio Novellino (PDT), conhecido como Zé ou Zezinho.’
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MPRJ solicita vistoria ao Inea
O portal informa ainda que ‘o MPRJ solicitou ao Inea – Instituto Estadual do Ambiente – um pedido de vistoria de urgência na área onde está localizado o manguezal.’ Simultaneamente, diz, ‘a 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Cabo Frio requisitou apurações sobre denúncias de que o empreendimento da Viverde Urbanismo estaria obstruindo os canais de comunicação que ligam o Mangue de Ogiva à lagoa das Lulas.’
O Mangue da Ogiva é ligado ao mar através do Canal do Itajuru e, com a Lagoa de Araruama, pela Lagoa das Lulas. Por sua importância, os manguezais são considerados Áreas de Preservação Permanente, ou APP, pela legislação ambiental.
Por óbvio, tanto o prefeito, quanto os empreendedores, sabem dessa proteção. Mas, a despeito disso, a Viverde Urbanismo teve a cara-de-pau de retomar o bloqueio do canal dias depois dele ter sido liberado.
Discussão absurda, surreal
Nesse meio tempo, o Inea fez a vistoria. E, para surpresa geral dos munícipes, declarou que aquele não era um local de mangue. Contudo, o Promotor Público entrou com uma ação cívil, afirmando exatamente o contrário.
Ao mesmo tempo, os grupos que defendem o que sobra dos manguezais da região pediram um laudo ao Nema – Núcleo de Estudos em Manguezal, da UERJ. É claro que o laudo diz ser aquela uma área de mangue.
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A discussão, se é ou não área de mangue, supera as raias do absurdo. Basta assistir o último vídeo deste post para constatar o manguezal derrubado pela empresa, escorada pela negligência do prefeito e do Inea.
Não nos espanta a postura do Inea. O órgão já se mostrou relapso. Não por outro motivo – negligência do poder público, a Baía de Guanabara tornou-se cemitério de navios abandonados.
Segundo o www.odia.ig.com.br, em 22 de agosto de 2022, ‘Um grupo de ambientalistas que compõe o ‘S.O.S. Mangue da Ogiva’, voltou a protestar contra a construção de um megaempreendimento entre os bairros Peró, Gamboa e Ogiva, em Cabo Frio.’
Pela importância dos manguezais, especialmente em época de aquecimento global fora de controle, o grupo S.O.S. Mangue da Ogiva lançou um abaixo-assinado nas redes sociais, já assinado por este site.
‘Moradores desobstruem passagem que irriga o Mangue da Ogiva’
O subtítulo acima está entre aspas porque foi o título de matéria do site rc24 (junho/22), assinada por Sabrina Sá.
A passagem que irriga o mangue foi fechada pelo empreendedor que ali pretende erguer o Viverde Cabo Frio Marina & Resort.
Segundo o rc24, ‘Cerca de 40 pessoas arrancaram o bloqueio de concreto e madeira que impedia a entrada de água com as próprias mãos e o auxílio de marretas…O ato aconteceu como forma de protesto contra crimes ambientais e latifundiários que vem acontecendo com o avanço da especulação imobiliária na Ogiva, em Cabo Frio.’
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E conclui o texto de Sabrina Sá: ‘De acordo com o documentarista e ativista Lucas Muller, o mangue está sendo destruído. Em março deste ano, todas as árvores foram queimadas e recentemente as pedras foram jogadas para romper a passagem de água que irriga o manguezal, secando seu berçário, o que caracteriza crime ambiental.’
Ou seja, fica claro que se trata de ato criminoso. Fechar uma passagem de água para um manguezal, e com concreto, não é pouca coisa. Há algo de podre neste empreendimento e nas atuações do prefeito de Cabo Frio e do Inea.
Há tempos que a Região dos Lagos, litoral norte do Rio de Janeiro, se tornou um ‘paraíso’ da especulação imobiliária muitas vezes comandada ou induzida pelos prefeitos dos municípios costeiros.
Um dos maiores exemplos é Arraial do Cabo onde a especulação não poupou nem mesmo a unidade de conservação federal do bioma marinho, Resex Arraial do Cabo.
Prefeito José Bonifácio Novellino (PDT), defende obra em site do empreendedor
Curiosamente, se você colocar no Google ‘Viverde Cabo Frio Marina & Resort’, verá que o quinto site que aparece é o www.cabofrioamanha.com.br. Ao abri-lo você vai se deparar com um texto que defende o ‘bairro planejado na Ogiva, (que) chegará para mudar a dinâmica da região, trazendo para o local uma área Comercial e Lazer de primeiro mundo além de uma série de melhorias nos atuais espaços públicos do bairro.’
Estranhamente, o mesmo site exibe um vídeo onde o Zé, ou seja, o prefeito José Bonifácio Novellino (PDT), defende com entusiasmo o empreendimento conhecido como Viverde Cabo Frio Marina & Resort.
Assista ao vídeo do site www.cabofrioamanha.com.br
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Convenhamos, é muito estranho o prefeito defender um projeto altamente questionável e no site do próprio empreendimento, ou não?
O pervertido processo de sempre: especulação com omissão do Inea
Para nós do Mar Sem Fim, o que acontece em Cabo Frio é o mesmo e pervertido processo de especulação imobiliária, a maior chaga do litoral, que ocorre em Ilhabela, Ubatuba, e Ilha Comprida, em São Paulo; ou que aconteceu com Balneário de Camboriú, uma aberração do litoral, e ameaça a semi-virgem praia do Ervino, em Santa Catarina.
Ainda no mesmo Estado, Itajaí é outro exemplo de prefeitos envolvidos com especulação e a destruição do litoral. Ou, para não ficarmos apenas no Sul e Sudeste, vale ver o que acontece no Nordeste, seja na praia de Maria Farinha, PE, seja na praia do Preá, CE.
Em todas o roteiro de filme de terror é o mesmo: especulação imobiliária com apoio ou, no mínimo, prevaricação de prefeitos de municípios costeiros e empreendedores inescrupulosos.
Esperamos que em Cabo Frio prevaleça a Justiça em mais este crime de lesa-pátria.
Mangue da Ogiva desmatado em março de 2021
Reportagem do www.portalmultiplix.com (setembro de 2022) informa que ‘ativistas da ONG ‘SOS Mangue da Ogiva’ denunciaram que o terreno (onde será erguido o megaempreendimento) fica no espelho d’água onde durante muitos anos funcionou uma salina. Contudo, tornou-se depois um grande berçário de diversas aves migratórias, com mais de 100 espécies usando o local.’
Entretanto, a mesma reportagem mostra que parte do manguezal foi desmatado em março de 2022. Além disso, outras fontes disseram que o desmatamento começou em 2021.
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Incêndio criminoso em dunas do Peró
Da mesma forma, o SOS Mangue da Ogiva denuncia incêndios frequentes na restinga (também protegida pela legislação ambiental) das dunas do Peró, dentro da Área de Proteção Ambiental do Pau-Brasil, criada pelo Inea para ‘proteger os ambientes remanescentes de Mata Atlântica, manguezais, restingas, ilhas, dunas e aspectos geológicos’, conforme o site da APP.
Segundo a ONG ‘este talvez tenha sido o maior incêndio já ocorrido nas dunas do Peró. A área destruída equivale a mais de 120 campos de futebol que viraram cinzas.’
Contudo não foi o único. Os incêndios criminosos na restinga são recorrentes, como mostra o vídeo abaixo.
A ONG cobra do Instituto Estadual do Ambiente e da Prefeitura de Cabo Frio que haja uma investigação rigorosa e punição a eventuais culpados, assim como uma fiscalização presente e firme.’
Mas, provando mais uma vez a negligência, até agora nada aconteceu.