Coronavírus, desmatamento, manchas de óleo, entenda a relação entre os ministérios da Saúde e o do Meio Ambiente
Os primeiros sintomas apareceram sorrateiramente no meio de dezembro de 2019. Em 30 de dezembro, um médico alertou seus colegas enviando-lhes uma mensagem: “estou em quarentena no departamento de emergência.” Essa história é de espionagem e suspense. A nossa é sobre o coronavírus, desmatamento, manchas de óleo. E uma relação arrasadora entre dois longínquos ministérios.
O nome do médico é Li Wenliang, e a mensagem foi envida para um chat. Naquela mesma noite, apesar da mensagem ter sido enviada apenas para um grupo de 30 médicos, agentes do Escritório de Segurança Pública de Wuhan deram em cima de Li. A China é um colosso em todos os sentidos, especialmente na inibição sistemática da liberdade de seus cidadãos. O ‘grande irmão’ tudo sabe.
A China domina seus cidadãos
Pouco tempo depois da batida, Li assina uma declaração onde reconhecia que o alerta representava ‘comportamento ilegal’. Coisas do colosso asiático que, assustado com lembranças macabras da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) que matou mais de 700 pessoas no início dos anos 2000, tratava de abafar o caso.
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Em 20 de janeiro, a China declarou emergência por causa do surto
O caso de espionagem e suspense progrediu do outro lado do mundo. Li foi acusado de “divulgar informações falsas” que “causaram distúrbios graves à ordem social”. Mas o novo vírus era tão sinistro quanto o Sars. No fim do mês, Li publicou uma cópia da carta no site Weibo, tipo de Twitter chinês. O grande irmão pediu desculpas a Li. Dia 20 de janeiro, a China declarou emergência por causa do surto.
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Começava um frenesi mundial.
Coronavírus, desmatamento, manchas de óleo, qual relação?
Dia 2 de fevereiro a Organização Mundial de Saúde, OMS, mencionou pela primeira vez o novo vírus. Um dia depois, a ANVISA publicou em seu site um boletim onde explicava: “coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (nCoV-2019) foi descoberto em 31/12/19 após casos registrados na China.”
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E comentou ações do Ministério da Saúde: “No dia 31 de janeiro de 2020, foi publicado no Diário Oficial da União um decreto presidencial com assinatura do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reativando um Grupo de Trabalho Interministerial de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional. O grupo já atuou em outras situações, como a pandemia de influenza, e agora atuará no caso do novo coronavírus.”
Convenhamos, não parece o Brasil do passado recente. Ou parece?
A relação entre coronavírus, desmatamento, manchas de óleo
É muito simples. O capitão delegou alguns ministérios para expoentes de suas áreas. Assim aconteceu na Economia e Saúde. Mas não no do Meio Ambiente ( Educação). Por estar na mão de gente do ramo, houve esta ação fulminante do ministério da Saúde.
E dia após dia, novas medidas são tomadas pelos comitês do ministério, tão desprezados por Bolsonaro. Até o presidente se superou. Depois de declarar em 31 de janeiro que não traria da China os brasileiros que moram em Wuhan, demonstrou humildade (precisou ser pressionado, é verdade…). Reconheceu que incidiria em novo erro; e iniciou ajustes para trazê-los de volta. No mesmo dia a Agência de Vigilância Sanitária, ANVISA, espécie de Ibama do ministério da Saúde, seguia todos os protocolos internacionais ditados pela Organização Mundial da Saúde.
Isso aconteceu, frisamos, menos de 30 dias depois da China confirmar a descoberta de um novo vírus.
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Ministério da Saúde e organização, ministério do Meio Ambiente e desorganização
Na primeira prova que teve, o ministério da Saúde respondeu à altura. Hoje, 4 de fevereiro, dia em que esse post é escrito, a vasta maioria dos brasileiros sabe sobre o novo vírus, de onde veio, quais os sintomas das pessoas infectadas e como devem agir. Simultaneamente, os comitês decidiram que os brasileiros de Wuhan, 25 com quatro acompanhantes chinesas, ficarão alojados em quarentena na Base Aérea de Anápolis, a 150 quilômetros de Brasília, onde um hospital está preparado para receber os que porventura adoeçam.
Que beleza ver tanto, em tão pouco tempo, no país de Macunaíma. Não estamos falando das ações do Ministério da Saúde desde o início do governo. Estamos falando de sua reação na primeira ocasião crítica e inesperada que aconteceu. E a esta altura, calculo que o leitor já sabe qual a relação entre coronavírus, desmatamento, manchas de óleo e as ações de dois ministérios: o da Saúde e o do Meio Ambiente.
Ministério do Meio Ambiente
O ministério da Saúde foi entregue a gente do ramo, no do Meio Ambiente foi empossado um neófito. Quando começaram as esperadas queimadas, como acontece em todos os meses de julho na Amazônia, o rapaz estava perdido em devaneios contra ‘comunistas’. Antes, um mês depois de assumir, o despreparado ministro havia despachado para casa 21 dos 27 superintendentes do Ibama Brasil afora. A memória da autarquia, como já dissemos, foi para casa exonerada. Salles foi pego de calcas curtas. E o incêndio se alastrou livremente, depois que o ministro deliberadamente abrandou as multas do Ibama a quem não para de desqualificar.
Foi um quiprocó dos diabos. Internacional. A imagem do País despencou enquanto o ministro batia boca com ONGs em vez de tomar providências. Meses depois, com a imagem do Brasil na lata de lixo, novo ‘surto’ ecológico, as manchas de óleo que foram dar no Nordeste, e parte do Sudeste. Enquanto o Brasil se espantava com cenas dantescas mostradas na TV, no Palácio do Planalto e ministério do Meio Ambiente reinava o silêncio.
Ricardo Salles esperou 38 dias para pôr os pés no litoral atingido. E quando o fez, sua atitude infantil foi tirar fotos das imensas manchas de óleo para colocar no Instagram. Não procurou um prefeito, nenhum governador da região. E voltou para o seu ninho de alienados sem tomar providências. Foi preciso o vice-presidente despachar o Exército para pôr ordem na casa.
O resto se sabe…
A imagem do Brasil como vilão ambiental superou a de protagonista, depois de muitos anos de árdua batalha contra as queimadas e desmatamentos ilegais. De herói da causa, Ricardo Salles e seu mentor travestiram o País em vilão internacional do meio ambiente, com cotoveladas na cara na Alemanha, Noruega, França, e outros parceiros comerciais.
Felizmente, o mesmo tratamento escatológico não aconteceu com a China e o vírus, nossa maior parceira comercial. Autoridades chinesas no Brasil declararam que ‘o Brasil está agindo corretamente neste caso’.
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Talvez, porque o ministério da Saúde tenha sido entregue a gente do ramo.
Até hoje, passados cinco meses do início do derrame de petróleo, ainda não se sabe a causa, ninguém foi punido, o litoral continua ao deus-dará. Nenhuma lição foi aprendida, muito menos um protocolo de ação, criado; o comitê que cuidava destas urgências havia sido desfeito. E quase não se fala mais no assunto.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, é graduado em medicina pela Universidade de Gama Filho (Rio de Janeiro, RJ – 1989) e tem pós-graduação em ortopedia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Nos Estados Unidos, obteve a especialidade de ortopedia pediátrica pelo Scottish Rite Hospital for Children em Atlanta, Georgia. É especialista em gestão de serviços e sistema de saúde pela Fundação Getúlio Vargas.
O ministro do Meio Ambiente é advogado, se firmou defendendo o que se convencionou chamar de ‘ruralistas’, foi ex-secretário de Geraldo José Rodrigues Alckmin. ‘Fundou, em 2006, o Movimento Endireita Brasil (MEB), organização alinhada à chamada nova direita’.
Fontes: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/02/china-retardou-acoes-que-poderiam-conter-coronavirus-para-fugir-a-embaracos-politicos.shtml; https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51369300; https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/coronavirus; https://ucho.info/2020/02/03/incompetente-bolsonaro-precisou-ser-pressionado-para-aceitar-repatriacao-de-brasileiros-em-wuhan/; https://pt.wikipedia.org/wiki/Ricardo_de_Aquino_Salles.