Brasil incentiva uso do carvão na contramão do mundo
Dois assuntos dominam a pauta mundial: a variante Delta do coronavírus, e o último e dramático relatório do IPCC. O relatório publicado em 9 de agosto afirma que as mudanças no clima não têm precedentes, e a influência humana, inequívoca e inquestionável. As últimas quatro décadas foram as mais quentes desde 1850. A temperatura vai continuar a subir. E os eventos extremos, que hoje atormentam e maltratam a população mundial, aumentarão de frequência e intensidade. Maior culpado? Combustíveis fósseis. O pior entre eles? Carvão. Para continuar ‘do contra’, e demonstrando o quanto o governo é alheio à realidade, o Brasil incentiva o uso do carvão na contramão do mundo, enquanto a Amazônia e Pantanal ardem. Post de opinião.
Brasil incentiva uso do carvão na contramão do mundo
No ‘País do futuro’ a mídia repercute a variante Delta, o relatório do IPCC, e o patético desfile de tanques soltando fumaça preta, promovido pelo chefe de governo.
Mas poucos veículos da imprensa destacaram que, no mesmo dia da divulgação do relatório do IPCC, em mais uma ‘coincidência trágica’, o governo anunciou um novo programa para apoiar o setor de carvão até 2050 nos Estados do Sul.
Uso ‘Sustentável’ do Carvão Mineral Nacional
Acredite se quiser, o nome do programa para uso do carvão do Ministério das Minas e Energia é este mesmo: Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional.
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Uso sustentável do carvão é, entre as mentiras já contadas pelo governo, a mais desavergonhada. O carvão não é sustentável nem aqui, nem no inferno, nem mesmo com termoelétricas modernas a carvão nacional.
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O fato do carvão ser O VILÃO, entre vilões, é mundialmente reconhecido. Menos na desvairada corte de Brasília.
Vamos às evidências. Entre muitos outros estudos, a Union of Concerned Scientists publicou relatório descrevendo a poluição e a contribuição do carvão ao aquecimento do planeta.
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De acordo com o relatório, a queima de carvão também é uma das principais causas de poluição atmosférica, chuva ácida e poluição tóxica do ar.
Entre os rejeitos do carvão estão:
O dióxido de enxofre (SO2): as usinas de carvão são a principal fonte de poluição de SO2 , o que tem um grande impacto na saúde pública, por contribuir para a formação de pequenas partículas ácidas que podem penetrar nos pulmões humanos e ser absorvidas pela corrente sanguínea.
O dióxido de enxofre também causa chuva ácida, que danifica plantações, florestas e solos, e acidifica lagos e riachos.
Óxidos de nitrogênio (NOx): a poluição por NOx causa o smog, espécie de nevoeiro contaminado por fumaça que pode queimar o tecido pulmonar, agravar a asma e tornar as pessoas mais suscetíveis a doenças respiratórias crônicas.
Material particulado: material particulado (também conhecido como fuligem ou cinza volante) pode causar bronquite crônica, asma agravada e morte prematura, bem como neblina obstruindo a visibilidade.
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Mercúrio: As emissões de mercúrio de caldeiras movidas a carvão são uma preocupação ambiental séria devido à toxicidade e à persistência do mercúrio que cria poluição atmosférica e se acumula em nossas hidrovias.
Estes são os principais, mas não os únicos rejeitos da queima do carvão. O carvão também produz chumbo, cádmio entre outros metais pesados.
Repercussão das bobagens bolsonaristas
Foi imediata e nos coloca em posição cada vez pior. O Guardian chamou o Brasil de república de bananas ao estampar a manchete Bolsonaro’s ‘banana republic’ military parade condemned by critics (Desfile militar da “república de bananas” de Bolsonaro é condenado por críticos).
O jornal suíço, Le Temps, preferiu uma charge bem humorada que mostra o ridículo…de Bolsonaro e, em consequência, de todo Brasil já que as belas mulatas do carnaval correspondem à um dos símbolos nacionais.
E os sites ambientais, como o Bloomberg Green, estamparam manchetes sobre incentivo ao uso do carvão, Brazil Offers Lifeline to Coal After UN Calls for ‘Death Knell’ (algo como, Brasil Oferece Salvação ao Carvão após apelos da ONU por “Sentença de Morte”).
O plano brasileiro de incentivo ao carvão, na visão estrangeira
Depois de explicar o plano brasileiro o site Bloomberg Green comenta o relatório do IPCC, e ressalta o que disse o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres: ‘O relatório deve ser uma “sentença de morte” para o carvão e outros combustíveis fósseis’.
E conclui: ‘Com certeza, o Brasil é um pequeno consumidor de carvão, queimando tanto em um ano quanto a China em três dias. Ainda assim, o programa de carvão é o exemplo mais recente de que o Brasil está fora de sintonia com outras grandes economias no que diz respeito às mudanças climáticas’.
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O Brasil não está apenas fora de sintonia no que diz respeito às mudanças climáticas. Aquele que o preside está cada dia mais isolado em sua ignorância mortal; ridicularizado em seus delírios paranoicos contra tudo e contra todos mas, sobretudo, contra o bom senso.
Bolsonaro não tem capacidade de ser diferente. Ciente de sua limitada inteligência, nega a ciência, e agride quem não pensa como ele.
E mente. Mente sem parar desde a campanha de 2018. Para não aborrecer o leitor vamos lembrar duas lorotas das mais repetidas: acabar com a reeleição para presidente e reduzir o número de parlamentares; e acabar com indicações políticas e escolher ministros por critérios técnicos.
Que tal?
O nascimento do negacionismo moderno, do qual Bolsonaro é viciado
O negacionismo moderno do qual Bolsonaro é hoje a maior estrela desde que Trump foi reprovado no segundo turno, temor que lhe tira o sono, nasceu nos anos 50 do século passado quando a ciência descobriu que o cigarro favorecia o câncer de pulmão.
Assim que rumores chegaram na mídia, houve queda nas ações das empresas de tabaco. Ato contínuo, a indústria do fumo respondeu comprando ‘cientistas’, entre aspas e com c minúsculo, que pagou para que negassem a evidência.
A luta foi árdua. No meio dela morreu de câncer o ícone da indústria, o ‘homem de Marlboro’, aquele cowboy que vivia fumando, lembra?
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Pois Eric Lawson, este era seu nome, morreu de câncer de pulmão. Mas a peleja só terminou anos depois.
Em 1997, as empresas tiveram de pagar US$ 350 milhões em um acordo de um processo coletivo feito por comissárias de bordo que haviam desenvolvido câncer de pulmão e outras doenças, como fumantes passivas que respiraram a fumaça de passageiros no avião.
A estratégia da indústria do fumo foi copiada pela indústria do petróleo para negar o aquecimento global mais de 30 anos depois, em 1981, quando a evidência de aquecimento provocado pela queima de combustíveis fósseis surgiu, sem querer, nos laboratórios da gigante do petróleo Exxon.
Contamos esta história escatológica no post Indústrias do petróleo e do tabaco, e o negacionismo atual. E, como se verá, ela tem tudo a ver também com o fanatismo da extrema direita.
Alguns dados do plano: Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional, do Ministério das Minas e Energia
Segundo a proposta publicada no site do ministério, ‘a estimativa é que o programa possa trazer investimentos da ordem de R$ 20 bilhões ao longo dos próximos dez anos, cerca de 5.000 diretos na substituição de usinas termelétricas (sic) e 600 empregos relacionados à operação das minas’.
As reservas estão concentradas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, e Paraná. Para o governo, uma redução drástica do carvão teria impactos sociais e econômicos negativos na região.
É vero.
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Mas seria interessante o governo sugerir quem, neste momento ou no futuro próximo, investiria R$ 20 bilhões em qualquer coisa relacionada à energia mais suja que existe.
O plano ‘sustentável’ do carvão é mais um improviso de um governo inepto e sem rumo. A seca que nos assola, fruto do aquecimento negado pelo Planalto (e pelo ex-‘ministro’ do Meio Ambiente), foi anunciada no mínimo há mais de um ano.
O próprio governo federal decretou emergência hídrica em vários Estados no início do ano. E daí?, copiando o mito, o que fizeram além de decretar a emergência?
BNDES deixa de apoiar o carvão como fonte de energia em julho de 2021
É um governo tão incompetente que se acaba por si só. Enquanto o ministério das Minas e Energia alardeia o uso Sustentável do carvão mineral nacional, o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, empresa pública federal, decidiu que não dará mais crédito para usinas térmicas a carvão.
Bruno Aranha, da diretoria de crédito produtivo e socioambiental declarou ao assumir o cargo: “Não financiaremos mais térmicas a carvão, independentemente da tecnologia empregada ou de qualquer outra coisa.”
E disse mais: “Estamos revisando nossa lista de exclusão, das atividades que não apoiamos financeiramente. O carvão foi a principal novidade até agora, mas estamos estudando outras possibilidades.”
E porquê Bruno Aranha tomou a decisão? Porque sabe que o carvão é a principal fonte de energia suja do planeta, e assim como o secretário-geral da ONU Aranha considera que o carvão deve ser banido do planeta se quisermos que nossos filhos e netos tenham uma vida digna. E concluí o diretor do banco:
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“Acreditamos na indução de comportamentos, de revisitar e apoiar empresas para que elas modifiquem seus modelos de negócios, reduzam sua pegada, seja tendo acesso a energia renovável, economia circular.”
Reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste, vazios em novembro
Os reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste, que respondem por 70% da energia gerada no País, em novembro atingirão o menor nível em 20 anos com volumes de armazenamento no zero ou perto dele, segundo o Operador Nacional do Sistema. O órgão classifica a situação como ‘preocupante’, mas diz que não haverá apagão.
Apesar da situação ‘preocupante’ e sem precedentes nos últimos 20 anos, o governo não fala publicamente no assunto. Assim como no caso da vacina da ‘gripezinha’ que já matou mais de meio milhão de cidadãos, não houve campanha para explicar ao público a urgente necessidade de economizar água para garantir que não haverá apagão. Nem para preparar o povo para os aumentos abusivos das tarifas.
Assim, tropeçando nos obstáculos do destino, soluçando aos trancos e barrancos, segue o desgoverno. Não basta deixar o desmatamento correr solto, é preciso incentivar o carvão!
Imagem de abertura: https://ferdinandodesousa.com/
Fontes: https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-08-10/brazil-offers-lifeline-to-coal-after-un-calls-for-death-knell?cmpid=BBD081121_GREENDAILY&utm_medium=email&utm_source=newsletter&utm_term=210811&utm_campaign=green daily; https://invest.exame.com/esg/brasil-busca-incentivar-uso-de-carvao-apesar-de-risco-climatico; https://chemical-materials.elsevier.com/chemical-rd/coal-worst-fossil-fuel-emissions-climate-health-smog/; https://www.capitalreset.com/bndes-deixa-de-financiar-termicas-a-carvao-e-pode-ampliar-lista-de-exclusao/.