Belém faz história: COP30 celebra o oceano
O projeto Mar Sem Fim nasceu em 2002 com o objetivo de jogar luz sobre uma lacuna que havia no debate ambiental nacional e até mesmo internacional. Essa lacuna, em nossa opinião, deriva da falta de conhecimento generalizado sobre os oceanos— ninguém zela por aquilo que desconhece. Até a virada do milênio, os oceanos e o litoral eram o patinho feio da discussão mundial. Quase nunca receberam a devida atenção dos formuladores de políticas públicas, da mídia e da maioria das populações. Internamente, cansamos de denunciar omissões do MMA. Assim, os oceanos emocionavam pouco o grande público. Nas cúpulas mundiais, a discussão era insossa e superficial. Apesar de tudo, a virada começa agora, no Brasil, na COP30 depois de muita insistência com MMA, como se verá abaixo. E, convenhamos, contribuir para esse protagonismo já é motivo para comemorar.
44% do território terrestre do Brasil está legalmente protegido
Hoje existe consenso na comunidade internacional em torno da meta “30×30”, estabelecida pelo Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal. O objetivo é conservar pelo menos 30% da terra e do mar até 2030. Demorou, mas a importância dos oceanos enfim ficou evidente, e assim começou uma reversão — ainda em andamento — do histórico descaso brasileiro com o ambiente marinho.
O processo começou na Rio-92, quando o mundo entendeu o tamanho do impacto do nosso modo de vida sobre o planeta. A partir daí, a reação começou. Surgiram inúmeras ONGs voltadas ao meio ambiente, muitas com atuação local e outras de alcance internacional. Governos criaram Unidades de Conservação/Áreas protegidas em biomas terrestres, enquanto terras indígenas e quilombolas — as chamadas populações originárias — foram demarcadas. No Brasil e no resto do mundo foi assim.
Atualmente, cerca de 17,6% das terras e 8,4% dos oceanos do planeta estão sob algum tipo de proteção. Ou seja, a área terrestre protegida é mais que o dobro da marinha.
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Um rápido retrospecto das ações após a redemocratização mostra que José Sarney, o primeiro civil, criou o Ibama, iniciou o monitoramento da Amazônia pelo Inpe e deixou 59 novas Unidades de Conservação terrestres, que somam 14.469.623 hectares. Além disso, foi em seu governo que o Brasil proibiu por lei a caça às baleias.
Fernando Collor organizou a Rio-92, maior reunião mundial para tratar das ameaças do aquecimento global e onde nasceu o conceito de ‘desenvolvimento sustentável’. Também foi responsável por 10 novas unidades de conservação (UCs) assim divididas: cerca de 1,9 milhão de hectares para unidades de Proteção Integral e 2,6 milhões de hectares para unidades de Uso Sustentável durante seu governo.
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Itamar Franco criou uma área marinha protegida: a Área de Proteção Ambiental Barra do Rio Mamanguape, com 14.640 hectares. O próximo, Fernando Henrique Cardoso deixou um legado de 81 novas unidades de conservação, totalizando 20.790.029,14 de hectares protegidos. Em seguida veio Lula, o campeão em hectares protegidos, com 26.828.924,53.
Dilma Roussef iniciou a polêmica da estocagem do vento e também determinou o fim das estatísticas sobre a pesca.
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Recifes de corais de águas quentes atingem ponto de inflexãoAquecimento global promove ‘mudanças abruptas na Antártica’Litoral de Santa Catarina afunda em inúteis engordas de praiasFoi preciso esperar até 2016 para que a desproporção entre as áreas protegidas em terra e no mar começasse a diminuir. O presidente seguinte (2016–2019) seria o primeiro a olhar para o mar e o litoral.
Maior área protegida do Atlântico Sul
O governo Temer criou diversas Unidades de Conservação no bioma marinho, entre elas a Rebio dos Alcatrazes, no litoral norte paulista. Mas a maior proteção ocorreu no alto-mar, onde estão as ilhas oceânicas, os arquipélagos de Trindade e Martim Vaz, e de São Pedro e São Paulo.
Foram 11 milhões de hectares de mar jurisdicional colocados sob Proteção Integral — com proibição total de atividades predatórias, como mineração e pesca — e outros 81 milhões sob o regime de Uso Sustentável. Além disso, Temer triplicou a área da Estação Ecológica do Taim, que passou de 11 mil para 32 mil hectares.
O mandatário seguinte, negacionista, deixou um Ministério do Meio Ambiente enfraquecido e aparelhado, além de autarquias como o Ibama e o ICMBio depauperadas. Também promoveu mudanças na legislação ambiental, quase sempre em favor de interesses contrários à conservação.
COP30, a COP da floresta que celebra os oceanos
De lá dos anos 80 até hoje, a pesquisa sobre o mar cresceu muito no mundo todo. Mesmo assim, ainda sabemos bem mais sobre a terra do que sobre os oceanos.
Malu de Campos Melo, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), lembrou em post para este site que o ‘Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14, dedicado à vida marinha, é o que menos recebe financiamento: estima-se que seriam necessários US$ 174,5 bilhões por ano para atingir suas metas, mas os investimentos atuais não passam de US$ 10 bilhões’.
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Apesar disso, os oceanos conquistaram avanços. No Brasil, vale destacar que hoje somos o país com o maior número de Escolas Azuis do mundo, como lembrou Malu de Campos Melo.
Outra novidade bem-vinda foi o crescimento do espaço dado aos oceanos na imprensa, que gradativamente passou a divulgar os fatos mais importantes e alarmantes como o fim iminente dos corais em razão da acidificação, a pandemia de plástico, a sandice da indústria da pesca, ou a perda de ecossistemas marinhos.
Agora, a partir da COP30, o resultado deste trabalho e da percepção mundial, pela primeira vez desde a conferência inaugural, em 1995, em Berlim, coloca os oceanos como protagonistas da reunião.
Isso significa que a atenção da grande mídia está direcionada para os oceanos o que é essencial para que mais pessoas aprendam, descubram sua importância, seus serviços ecossistêmicos indispensáveis para o clima e para a vida na Terra.
Quem sabe os brasileiros percebam o equívoco das casas pé na areia, ou aprendam a identificar os prefeitos que comandam a especulação imobiliária, a maior chaga do litoral.
O papel da academia no legado da COP30
A cúpula ainda nem começou oficialmente, mas a mídia nacional, em rara unanimidade, exalta o protagonismo dos oceanos como tema central. Isso, porém, não surgiu de forma espontânea dentro do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. O foco de Marina Silva sempre foi a Amazônia, mas, de forma pioneira, sua segunda gestão criou um cargo inédito: o de Diretor de Oceanos — sinal claro de que a pressão internacional finalmente surtiu efeito
Alexander Turra deu mais pistas sobre a organização da COP30 ao Jornal da USP, que coincidem com as críticas que vimos fazendo à atual ministra de Meio Ambiente e Mudança do Clima, a veneranda Marina Silva que, no entanto, não deu atenção ao mar e litoral.
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Turra contou que “O Brasil fez a primeira carta para a COP 30 há um mês e meio, e nessa carta não existia menção ao oceano. A gente fez uma mobilização grande das instituições que participaram do Oceans 20 […] e isso surtiu efeito.”
Segundo o Jornal da USP, a pressão da sociedade civil levou à publicação da segunda carta, já com um espaço mais destacado para os oceanos. “Ainda não é o que a gente queria, mas já vemos uma porta para aprofundar a temática.”
Para ver como estávamos afinados, em abril de 2025 publicamos o post: Terceiro ano de governo: agenda marinha segue parada, onde cobrávamos ação do governo. Em setembro foi a vez de questionar: Às vésperas da COP30 Brasil acorda para os manguezais?.
COP30 celebra o oceano
O fato é que as pressões deram resultado. O tema central da discussão internacional agora são os oceanos — por isso se diz que a COP30 “celebra o oceano”. Isso significa que, finalmente, os formuladores de políticas internacionais concordam em um ponto essencial: a importância dos oceanos para o futuro do planeta.
Para encerrar, todas essas evidências indicam que milhares de artigos serão escritos e inúmeros programas de rádio e TV serão produzidos pela grande mídia para divulgar informações urgentes e relevantes sobre o bioma marinho e tudo o que faz parte dele — incluindo os litorais do planeta. Idem nas redes antissociais, contudo, sem certeza da qualidade da informação.
No nosso caso, a esperança é que mais brasileiros que amam e frequentam o litoral passem a conhecer melhor suas virtudes e ameaças, e entendam suas necessidades como ecossistema. Não temos dúvida de que, ao aprender sobre essas questões — impulsionados pelo fato de a COP30, que celebra o oceano, acontecer no Brasil — muitos perceberão que nosso modelo de ocupação do litoral é injusto com os nativos, destrói a paisagem e ameaça a vida marinha. Em outras palavras, um modelo insustentável que precisa ser repensado, ainda há muito o que salvar. E só isso já fará da COP30 um sucesso.