Ataques de tubarão em Jaboatão dos Guararapes e outras praias da orla do Recife
Antes de mais nada, saiba que em todas as listas de animais que mais matam seres humanos por ano, os tubarões ocupam a última posição. Tubarões, ao contrário de filmes que os mostram erradamente como comedores de gente, são predadores de topo da cadeia dos oceanos. Eles se alimentam de peixes, não de seres humanos. Segundo o World Atlas, anualmente ocorrem 10 mortes de pessoas mordidas por tubarões no mundo. Assim que percebe o engano, já que tubarões têm visão deficiente, cessam o ataque. Contudo, sua mordida é fortíssima, geralmente provoca hemorragia. Isso, aliado a infecções, é o que provoca mortes de seres humanos. Contudo, a sociedade brasileira foi surpreendida por dois ataques em dois dias consecutivos na orla do Recife. É natural a consternação.
Porto de Suape
O ano de 2018 assinalou a vigésima quinta morte de brasileiros por ataque de tubarão. Contamos a história no post Tubarões no Recife: 25º morto, saiba por quê. Naquela época, igualmente, houve preocupação porque em menos de 60 dias foram registrados dois ataques.
Risco anual de mortes durante a vida
Ainda no tema listas de animais perigosos, clique à frente para ver uma delas, da www.discoverwildlife.com. Nela, os tubarões sequer aparecem entre os dez mais letais. Mais uma, da prestigiosa BBC Science Focus. Mais uma vez, tubarões não aparecem entre os dez mais perigosos, contudo, o Homo sapiens ocupa o nono lugar, enquanto os mosquitos estão na liderança matando anualmente 725.000 pessoas através de doenças como a malária e outras. Não se deve estigmatizar os tubarões cuja importância é vital para o ecossistema marinho.
Finalmente, veja o gráfico abaixo, do Museu da Flórida.
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O Mar Sem Fim aproveita o episódio deste ano para lembrar por que ele se repete unicamente na costa de Pernambuco. Nenhum dos outros 16 estados costeiros brasileiros registram qualquer fato semelhante.
E quase todos ocorreram na orla do Recife. Outros poucos casos aconteceram em Fernando de Noronha, PE. Por que raios os tubarões atacam quase que só no Recife? A resposta é a construção do porto de Suape.
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Contudo, antes de falarmos deste porto, é preciso reconhecer os erros do poder público na orla do Recife.
Primeiro problema: não adianta apenas colocar placas avisando banhistas do perigo. Elas alertam sobre o tubarão nas praias metropolitanas do Recife faz tempo. Se fossem eficazes, não estaríamos comentando tantos ataques e 26 mortes até hoje.
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Investimentos no litoral oeste do Ceará causam surto especulativoCafeína, analgésicos e cocaína no mar de UbatubaA repercussão da retomada da análise da PEC das Praias pelo SenadoÉ preciso que o governo de Pernambuco tome medidas eficazes, e não fique apenas no blábláblá, tradicional após qualquer ataque. Depois que passa o choque, não se faz rigorosamente nada. Apenas as placas lá ficam, provando sua inutilidade até que surja nova ocorrência.
Ataques começaram em 1992
Antes de 92 não havia ataques de tubarões no Recife, depois, sim. Por que os tubarões ‘decidiram atacar’ a partir 92?
Na verdade eles não tomaram a decisão aleatoriamente. O que aconteceu foi que, com a construção de Suape, os animais foram forçados pelo ser humano a mudarem de habitat.
Para a construção do imenso porto e refinaria de Suape, grandes áreas de mangues vieram abaixo. Fora obliteradas. O estuário era berçário das fêmeas de tubarão cabeça chata (uma das poucas espécies agressivas), que o usavam para parir filhotes.
Destruição do imenso manguezal de Suape
Com a destruição do habitat, o tubarão procura um substituto para continuar seu ciclo de vida. Como os ventos predominantes são de sueste, os indivíduos que antes freqüentavam Suape sobem à costa, embalados pelas correntes.
Desse modo, o primeiro manguezal que encontram é o do rio Jaboatão, na região metropolitana do Recife. Entretanto, ali também há o matadouro de Jaboatão, além de chorume do Aterro da Muribeca e que em muito favorecem os ataques.
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Durante minhas viagens entrevistei, na época considerado o maior especialista em tubarões do País, Fábio Hazin, da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Lançamento de sangue e vísceras no rio Jaboatão
O professor escreveu: ‘…é razoável supor que o lançamento de sangue e vísceras no rio Jaboatão, o qual deságua no trecho da praia onde se verificaram 45 dos 46 ataques (até 2005), tem potencial importante de atrair tubarões’…
Mais adiante, Hazin dá um puxão de orelhas nas autoridades: ‘O lançamento deste tipo de dejetos diretamente em corpos d’água tem um impacto ambiental tão deletério que um manual da FAO afirma…’ e seguem várias recomendações do órgão da ONU sobre como, e onde, despejar dejetos.”
Por último, o professor explica que as ‘águas do Jaboatão se espalham ao longo das praias mais importantes do Recife’. Talvez o nível da poluição seja forte demais, e eles deixam o estuário à procura de um local próximo.”
Portanto, mais uma omissão do poder público. Pode-se perfeitamente cessar a poluição com o tratamento dos rejeitos humanos, contudo, 50% da população do País não tem saneamento básico. Culpa de quem, se não o poder público?
Mais, ainda, diz Hazin: “Acabam (os tubarões) nas áreas recifais, as mesmas que cercam as praias urbanas. Aqui encontram alimento em abundância, especialmente pela pesca de arrasto de camarão, praticada às vezes a cem, cento e cinqüenta metros da costa.” (O MSF esclarece que isso é proibido, porém como não existe fiscalização na costa brasileira…).
De quem é a culpa pela falta de fiscalização das regras da pesca? Mais uma omissão do poder público!
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Antes de mais nada, saiba que, para cada quilo da espécie pescada, as redes de arrasto trazem mais 80% em fauna acompanhante que é devolvida ao mar, morta. Estes peixes se transformam no almoço e jantar mais fáceis que os tubarões-tigres (outra das espécies que atacam) e cabeças-chatas (idem) jamais encontraram.
Os ataques de 2023
Como informa o noticiário a que tive acesso, ambos os ataques ocorreram na orla de Piedade, Jaboatão de Guararapes, que está interditada. Portanto, também houve imprudência dos banhistas. No domingo, dia 5 de março, um adolescente foi atacado e teve a perna amputada. No dia seguinte, uma moça foi igualmente atacada na mesma praia. Ela perdeu um braço.
O g1 informou que ‘Um decreto estadual está em vigor desde 1999 e há 150 placas indicativas do risco de incidentes com tubarão em toda essa extensão, incluindo Jaboatão.’
Placas não resolvem o problema. Além disso, o g1 confirma o que dissemos sobre o início dos ataques em 1992: ‘Com o ataque desta segunda (6), sobe para 77 o número ocorrências envolvendo tubarões no estado, sendo 67 no continente, e outras dez, em Fernando de Noronha. A contagem foi iniciada em 1992, quando se registrou o primeiro caso em Pernambuco.’
Imprensa demonstra não saber os motivos dos ataques, nem pressiona governo por omissão
Infelizmente, a imprensa não sabe os motivos dos ataques, como se vê pela matéria do g1, muito menos pressiona o governo de Pernambuco a adotar medidas mais eficazes. O g1 não foi o único a abordar a tragédia. O Portal Uol também o fez, destacando em seu texto ‘o trauma que estes ataques, desde 1992, provocaram nos surfistas.’
Mas nada de explicar os motivos, ou seja, a construção de Suape e, consequentemente, a extirpação do manguezal. Entretanto, o Portal Uol entrevistou o surfista Alexandre Gondim: ‘Ao meu ver, tem muita forma de agir. O problema é que de 92 até agora, a única ação foi colocar placa e dizer que não pode tomar banho. Isso não vai adiantar muito…’
Há muitas medidas para evitar tragédias, mas Pernambuco tem medo de perder receitas do turismo
Acertou o surfista. É óbvio que não. E há medidas mais eficazes, desde que o Estado queira investir em segurança. Mas, aparentemente, Pernambuco tem medo de perder receitas com o turismo ao tomar medidas mais fortes que placas ou interdição de certas praias. Basta estudar o que fizeram países como Austrália e África do Sul nas praias mais perigosas.
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Outra matéria do Uol informa que ‘o governo estadual tinha uma parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco, mas foi cancelada. Diante da frequência dos ataques, o governo se comprometeu a retornar o monitoramento, mas não informou datas nem detalhou como fará’.
Com isso, podemos concluir que, além da imprudência dos banhistas, o governo igualmente falhou, se omitiu mais uma vez. Por que terminar a parceira com a Universidade se o fato se repete desde 1992?
Contudo, Pernambuco mantém o CEMIT, Comitê Estadual De Monitoramento De Incidentes Com Tubarões. Em seu site há uma página que mostra as estatísticas de ataques no continente, ou seja, a orla do Grande Recife, atualizada até março de 2021. Por que não atualizada até 2023? Mais uma vez, omissão do poder público. É preciso que a imprensa pressione. Apenas informar seus leitores de mais um ou dois ataques não basta!
Voltando ao papel da imprensa, a única fonte que mencionou o Porto de Suape como um dos motivos possíveis, foi o Correio Braziliense. Desse modo, o público não fica sabendo sobre os impactos ambientais impostos pelo ser humano ao meio ambiente marinho. A extirpação de ecossistemas como os manguezais, por exemplo, é uma das causas.
Apenas um exemplo de proteção contra ataques
Com a palavra o site sharkspotters.org.za, da África do Sul (sharkspotters significa “observadores de tubarões”):
“A Shark Spotters, em conjunto com a Cidade do Cabo, opera uma rede exclusiva de exclusão de tubarões em uma área da praia de Fish Hoek.”
“A rede de exclusão forma uma barreira completa da superfície do mar ao fundo, que envolve completamente determinada área e impede que tubarões e outros animais marinhos entrem.”
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“A rede de exclusão de tubarões Fish Hoek é um projeto exclusivo de barreira, especificamente projetada para ter um impacto ambiental mínimo e ser adaptável às mudanças das condições climáticas. Ao contrário das tradicionais barreiras contra tubarões, que são estruturas rígidas permanentemente fixadas em posição, essa barreira é implantada e recuperada diariamente – a única desse tipo no mundo.”
“A rede está em operação desde março de 2013 e, desde então, provou ser uma medida de mitigação de ataque de tubarão não letal, ambiental e socialmente responsável e econômica, com forte apoio público.”
Aí está apenas uma das muitas possibilidades do Estado evitar o que vem acontecendo no Recife, e que deve continuar por dois motivos: a imprensa não expõe aos leitores as falhas do Estado. Desse modo, não há pressão da opinião pública. Segundo ponto: esta rede, como dissemos, é apenas uma das medidas possíveis. Há muitas outras que vêm da Austrália e Estados Unidos.
Contudo, o poder público prefere apenas as malditas placas. Além disso, tenho certeza que há muitos especialistas na Academia que igualmente deveriam ser ouvidos pelo Estado. Eles com certeza têm grande contribuição a dar. Mas o poder público…
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