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Ataques de tubarão em Jaboatão dos Guararapes

Ataques de tubarão em Jaboatão dos Guararapes

Antes de tudo, vale lembrar: em todas as listas de animais que mais matam humanos por ano, os tubarões estão no fim da fila. Literalmente. Apesar da fama criada por filmes, os ataques de tubarão não visam seres humanos. Os animais são predadores do topo da cadeia alimentar dos oceanos — e se alimentam de peixes, não de pessoas. Segundo o World Atlas, ocorrem apenas 10 mortes por ano no mundo causadas por ataques de tubarão.

Esses animais têm visão ruim. Muitas vezes mordem por engano. Quando percebem que a “presa” não é peixe, interrompem o ataque. Mas a mordida é poderosa e pode causar hemorragias graves. É isso — somado ao risco de infecção — que costuma levar à morte.

Na verdade, esta pânico se generalizou depois que Steven Spielberg lançou o consagrado Jaws, em 1975.

Mesmo com estatísticas tão baixas, o Brasil se viu em choque: dois ataques aconteceram em dois dias seguidos na orla de Recife. A comoção é natural.

Vítima socorrida no Recife. Imagem, Divulgação.

Porto de Suape

Em 2018, o Brasil registrou a 25ª morte por ataque de tubarão. Contamos essa história no post Tubarões no Recife: 25º morto, saiba por quê.
Naquela época, o alerta também se acendeu. Em menos de dois meses, dois ataques aconteceram na mesma região. A preocupação era legítima — e continua sendo.

Animais mais perigosos ao ser humano de acordo com o World Atlas. E há muitas outras listas em sites respeitados na internet, sempre mostrando que os tubarões estão em último lugar, por exemplo, hipopótamos e elefantes são muito mais mortais.

Risco anual de mortes durante a vida

Quer mais contexto? Diversas listas mostram que os tubarões estão longe de figurar entre os animais mais letais. Em rankings da Discover Wildlife e da BBC Science Focus., eles nem aparecem entre os dez primeiros. Já os mosquitos lideram, com 725 mil mortes por ano. E o ser humano ocupa o nono lugar.

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Estigmatizar os tubarões é um erro. Eles são fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas marinhos.

Confira o gráfico do Museu da Flórida

Riscos anuais de mortes durante a vida e as fatalidades relacionadas aos tubarões. Fontes: Todas as informações de morte acidental do Conselho Nacional de Segurança. Informações sobre mortes por doenças dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Dados de fatalidade de tubarão fornecidos pelo Arquivo Internacional de Ataque de Tubarão.

Por que os ataques se repetem no Recife?

O Mar Sem Fim relembra: esses ataques ocorrem quase exclusivamente na costa de Pernambuco — especialmente na orla do Recife. Nenhum outro estado costeiro registra algo parecido.

A principal causa? A construção do porto de Suape. Mas antes disso, vale apontar o erro básico do poder público: confiar só em placas de aviso. Se funcionassem, não teríamos tantos ataques — e 26 mortes até hoje.

O governo de Pernambuco precisa agir de verdade — e parar com o blábláblá de sempre após cada ataque. Passado o choque, tudo volta ao mesmo. Nada muda. Só as placas continuam lá, provando sua inutilidade até o próximo caso.

Os ataques começaram em 1992

Antes disso, não havia registros na orla do Recife. Então, por que os ataques começaram justamente naquele ano?

A resposta não está nos tubarões, mas em nós. Com a construção do porto de Suape, o ser humano forçou esses animais a mudar de habitat — e o conflito começou.

O monitoramento de ataques de tubarão

Destruição do habitat e deslocamento dos tubarões

Para erguer o imenso porto e a refinaria de Suape, o governo destruiu vastas áreas de manguezal. O estuário local era usado por fêmeas de tubarão cabeça-chata — uma das poucas espécies realmente agressivas — como berçário.

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Sem esse habitat, os tubarões passaram a buscar novas áreas para parir. Com os ventos predominantes de sudeste, foram levados pela corrente até a costa norte.

O primeiro manguezal que encontram é o do rio Jaboatão, na Grande Recife. Só que ali há outros problemas: o antigo matadouro de Jaboatão, o chorume do Aterro da Muribeca… Tudo isso atrai tubarões e aumenta o risco de ataques.

Durante minhas viagens, entrevistei Fábio Hazin, então considerado o maior especialista em tubarões do Brasil. Ele confirmou essa relação direta entre o impacto ambiental e os ataques.

Tubarões não são perigos. O ser humano é que é muito perigoso. Imagem, www.saveourseas.com.

Mais adiante, Hazin dá um puxão de orelhas nas autoridades: ‘O lançamento deste tipo de dejetos diretamente em corpos d’água tem um impacto ambiental tão deletério que um manual da FAO afirma…’ e seguem várias recomendações do órgão da ONU sobre como, e onde, despejar dejetos.”

Por último, o professor explica que as ‘águas do Jaboatão se espalham ao longo das praias mais importantes do Recife’. Talvez o nível da poluição seja forte demais, e eles deixam o estuário à procura de um local próximo.”

Os ataques de tubarão em 2023

Segundo as notícias que acompanhei, os dois ataques aconteceram na orla de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes — área que estava interditada. Ou seja, houve também imprudência por parte dos banhistas.

No domingo, 5 de março, um adolescente perdeu a perna. No dia seguinte, uma jovem foi atacada no mesmo ponto e teve o braço amputado.

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De acordo com o G1, um decreto estadual está em vigor desde 1999. A região conta com 150 placas alertando para o risco de ataques, inclusive em Jaboatão.

Perigo, ‘animais marinhos’. Por que não “perigo de morte por ataques de tubarões, até hoje 26 pessoas morreram!” O público em geral tem medo dos pobres tubarões. Que isto seja refletido nas placas!

Imprensa ignora causas e não cobra soluções

A maioria da imprensa ainda não entende — ou finge não entender — os reais motivos dos ataques. O G1 não explica nada sobre Suape ou a destruição dos manguezais. O UOL até entrevistou surfistas, mas focou no trauma, não nas causas.

Alexandre Gondim resumiu bem: “Desde 1992, a única ação foi colocar placas dizendo para não entrar no mar. Isso não resolve.”

Há muitas medidas para evitar tragédias, mas Pernambuco tem medo de perder receitas do turismo

Acertou o surfista. É óbvio que não. E há medidas mais eficazes, desde que o Estado queira investir em segurança. Mas, aparentemente, Pernambuco tem medo de perder receitas com o turismo ao tomar medidas mais fortes que placas ou interdição de certas praias. Basta estudar o que fizeram países como  Austrália e África do Sul nas praias mais perigosas.

Outra matéria do Uol informa que ‘o governo estadual tinha uma parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco, mas foi cancelada. Diante da frequência dos ataques, o governo se comprometeu a retornar o monitoramento, mas não informou datas nem detalhou como fará’.

Imprudência dos banhistas e falha do governo

Com isso, podemos concluir que, além da imprudência dos banhistas, o governo igualmente falhou, se omitiu mais uma vez. Por que terminar a parceira com a Universidade se o fato se repete desde 1992?

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Contudo, Pernambuco mantém o CEMIT, Comitê Estadual De Monitoramento De Incidentes Com Tubarões. Em seu site há uma página que mostra as estatísticas de ataques no continente, ou seja, a orla do Grande Recife, atualizada até março de 2021. Por que não atualizada até 2023? Mais uma vez, omissão do poder público. É preciso que a imprensa pressione. Apenas informar seus leitores de mais um ou dois ataques não basta!

Voltando ao papel da imprensa, a única fonte que mencionou o Porto de Suape como um dos motivos possíveis, foi o Correio Braziliense. Desse modo, o público não fica sabendo sobre os impactos ambientais impostos pelo ser humano ao meio ambiente marinho. A extirpação de ecossistemas como os manguezais, por exemplo, é uma das causas.

Exemplo de solução eficaz

Na África do Sul, o site sharkspotters.org.za mostra que é possível agir com seriedade. Em parceria com a Cidade do Cabo, a organização opera uma rede de exclusão de tubarões na praia de Fish Hoek.

A barreira vai da superfície ao fundo do mar, isolando totalmente a área de banho. Assim, impede a entrada de tubarões e outros animais marinhos — sem causar danos ao ambiente.

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