Ainda sobre o CONSEMA e novidades no Licenciamento Ambiental
Ainda sobre o CONSEMA e as novidades no Licenciamento Ambiental Municipal
No dia 6 de fevereiro, publicamos um post sobre a aprovação do Licenciamento Ambiental Municipal pelo CONSEMA, transferindo responsabilidades da CETESB para as prefeituras, ou consórcios de municípios. Esse processo exige um vasto conhecimento em várias áreas ambientais, destacando a importância do licenciamento como ferramenta para prevenir danos ambientais. Temos sérias dúvidas sobre a eficiência de alguns municípios, uma vez que a realidade do litoral paulista mostra que muitos prefeitos consideram a legislação ambiental um ‘entrave’ ao progresso, em vez de uma virtude de seus municípios. Muitos têm grande interesse na especulação imobiliária, enquanto a maioria enfrenta processos por nepotismo, dispensas indevidas de licitações, danos ao erário, suspeitas de superfaturamento, corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de verbas. No entanto, o Licenciamento Ambiental Municipal não põe em risco apenas o litoral, mas estende-se por todo o Estado.
‘Mudanças podem fragilizar a participação social e prejudicar o Meio Ambiente’
De antemão, os ambientalistas que participam do conselho do CONSEMA publicaram um documento depois da primeira reunião, a segunda e última aconteceu nesta quinta-feira, 8 de fevereiro.
No documento, eles afirmam que ‘as mudanças podem fragilizar participação social e prejudicar o meio ambiente’.
‘As organizações que subscrevem a presente denunciam o iminente impacto no já fragilizado sistema de licenciamento ambiental do Estado de São Paulo, através da revisão, pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente, da Resolução SIMA nº 01/2018, que estabelece as competências municipais para licenciamento ambiental’.
‘Diante desse contexto, esta carta tem como objetivo dar maior conhecimento público ao debate, e somar esforços na tentativa de impedir ou mitigar os impactos com a aprovação das novas regras para licenciamento ambiental municipal’.
Desde já, cerca de 50 entidades assinaram o documento, entre elas a Fundação SOS Mata Atlântica, a Frente Parlamentar Ambientalista pela Defesa da Água e do Saneamento do Estado de São Paulo; Frente Ambientalista da Baixada Santista FABS; o Instituto Conservação Costeira–ICC; Instituto de Pesquisas Ecológicas–IPÊ; Instituto Educa Brasil; Instituto Socioambiental, UNESP – Universidade Estadual Paulista Prof. Dr. José Alexandre de Jesus Perinotto, etc.
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A proposta insustentável, e ignorante, do CONSEMA
A proposta do CONSEMA é, a um tempo, insustentável e ignorante. A maioria dos municípios não têm o menor preparo para a complexa tarefa de licenciar empreendimentos de grande impacto ambiental que possam provocar danos ambientais. A princípio, a autorização preocupa devido aos possíveis efeitos transfronteiriços, como a contaminação de corpos hídricos, do ar, além de impactos nas correntes marinhas.
A sociedade civil mostra apreensão diante da abordagem superficial de problemas ambientais profundos. A proposta de fragmentar os já frágeis licenciamentos ambientais ignora os efeitos acumulados das atividades poluentes. Há também o receio de que a crescente pressão política e a influência de lobbies sobre as equipes municipais possam afetar a integridade do processo.
Com a decisão do CONSEMA de São Paulo de permitir que consórcios municipais assumam a fiscalização ambiental, contrariando o artigo 13 da Lei 11.107/2005, surgem preocupações sobre conflitos de interesse no licenciamento ambiental. Esse movimento pode enfraquecer a fiscalização efetiva das medidas de proteção estabelecidas, comprometendo a supervisão durante e após a conclusão dos empreendimentos. Municípios e sociedade civil ficarão à mercê das políticas e recursos de fiscalização.
Além disso, o CONSEMA-SP rejeitou outra proposta que exigiria consultas expressas às comunidades tradicionais afetadas por projetos. Isso significa problema na implementação de direitos previstos na Convenção 169 da OIT. Essa decisão limita a participação dessas comunidades nas decisões que atingem diretamente seus territórios e modos de vida.
Possíveis problemas no meio rural
Ao mesmo tempo, entidades ambientalistas sugeriram que empreendimentos não deveriam receber licenças se o Cadastro Ambiental Rural (CAR) estiver cancelado ou aguardando regularização. Essa medida visa reforçar a importância do CAR como ferramenta crucial para o controle de atividades com impactos ambientais no meio rural. No entanto, a proposta foi ignorada. A decisão só pode enfraquecer a eficácia do CAR e incentivar ainda mais o descumprimento de normas ambientais.
As limitações técnicas dos municípios
Além disso, a maioria dos municípios ainda não implementou a legislação de logística reversa, muitas vezes devido à falta de interesse político, ausência de pressão por parte das autoridades estaduais e limitações técnicas ou financeiras. Em contrapartida, há um movimento para acelerar o licenciamento de novos empreendimentos que podem beneficiar a especulação imobiliária e interesses empresariais. Em primeiro lugar, é de estranhar o total apoio do CONSEMA à Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA), privilegiando a priorização de interesses econômicos em detrimento de medidas ambientais efetivas.
Fernando Prioste, advogado do Instituto Socioambiental, critica ANAMMA e Associação Paulista dos Municípios por ocuparem indevidamente cadeiras de ONGs no conselho, alterando a proporção igualitária de representação entre governo e sociedade civil.
Desafios para implementar adequadamente as novas legislações
Antes de tudo, os municípios enfrentarão grandes desafios para implementar adequadamente suas legislações relativas aos Conselhos Municipais de Meio Ambiente. Problemas incluem a realização de reuniões menos frequentes do que o necessário e a presença de membros com conflitos de interesse, muitas vezes ligados às prefeituras. Mas há mais. Os órgãos ambientais municipais muitas vezes são frágeis administrativamente. Isso é mais comum nos municípios com menos recursos financeiros. Eventualmente, essa fragilidade será outra dificuldade no licenciamento ambiental municipal.
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Uma importante vitória sobre as propostas dos ambientalistas, vetadas na primeira reunião do conselho do CONSEMA, é a sugestão de tornar necessária a observação dos mapas de risco, antes dos prefeitos aprovarem um novo empreendimento. A volta atrás se deu depois que a deputada Marina Helou (REDE) reforçou a solicitação da sociedade civil, e enviou ofício à Secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Rezende.
Entretanto, os representantes da sociedade voltados para questões ambientais solicitaram também que, especialmente em casos de licenciamento de empreendimentos de grande impacto, os municípios promovam a transparência das atividades dos conselhos. Eles propõem tornar as reuniões públicas na internet, disponibilizando todos os áudios e vídeos para garantir a acessibilidade no processo.
Projetos de alto impacto e que atingirão outros municípios
Para Fernando Prioste, advogado popular do Instituto Socioambiental, entre os projetos cabíveis de serem aprovados por prefeitos, há muitos que são de alto impacto e atingirão outros municípios. Para as quase 50 entidades que assinaram o documento dos ambientalistas, tais situações não deveriam ser licenciadas apenas pelo município.
Algumas das atividades listadas são a Instalação de serrarias e carvoarias na Mata Atlântica; construção de corredor de ônibus, sem limites para quantidade de solo movimentado ou hectares de vegetação suprimida, inclusive no Cerrado e Mata Atlântica; canalizações de córregos em áreas urbanas, independente da extensão ou de atravessar mais de um município; aterro de resíduos da construção civil – Classe A (RCC); etc.
Mudança do CONSEMA é falta de lucidez, ingenuidade ou má-fé?
Por vezes 2023 revelou os riscos que passarão a ser parte do cotidiano caso a mudança do CONSEMA seja concretizada. Neste ano, municípios do litoral revisaram Planos Diretores, muitos sofreram processos judiciais devido aos ‘vícios de origem’. E, antes de mais nada, sobraram propostas que desrespeitaram a legislação ambiental.
No litoral norte, a situação dos licenciamentos ambientais municipais varia entre as cidades. Caraguatatuba e São Sebastião, por exemplo, já têm uma estrutura, mesmo que pequena, para realizar licenciamentos de certas atividades. Ilhabela, por outro lado, carece de estrutura, enquanto Ubatuba está tomando medidas para se equipar, inclusive com a contratação de profissionais através de concurso.
Em Ilhabela, especificamente na Praia Grande, ocorreu um incidente significativo de degradação ambiental em 2023, onde o prefeito, contrariando decisões da CETESB, multas e embargos, e sem obter o licenciamento necessário, danificou uma área de preservação permanente (APP) que incluía uma nascente, um riacho e uma área de mata nativa. Esta ação foi facilitada por apoio político que permitiu o desembargo da obra de forma ilegal, sem a realização de estudos ambientais. Imediatamente após, houve remoção da vegetação e intensa movimentação do solo, levando a denúncias de moradores sobre intervenções na APP e descartes inadequados de resíduos. Nesse meio tempo, o riacho, que antes tinha águas transparentes, agora sofre com assoreamento, barro e degradação da praia adjacente.
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Problemas de Caraguatatuba
Em Caraguatatuba o Diretor de Meio Ambiente, da prefeitura, Sr. Ronaldo Cheberle, já demonstrou que promove intervenções ambientais sem avaliações de impacto, além de incluir na revisão pleitos de empresários. Cheberle ignora as cartas de suscetibilidade a deslizamentos de terra e inundações em áreas de risco. Quando pressionado, afirma que ‘acredita no seu conhecimento empírico’. Ou então ataca Ministério Publico, ‘que só questiona para cumprir cota’, ou as ONGs ‘que só querem dinheiro’. O que o leitor acha que acontecerá quando o município de Caraguatatuba puder fazer o licenciamento ambiental de uma gama enorme de empreendimentos?
Mais recentemente a Prefeitura de Caraguatatuba assumiu a parceria com a SPU (Secretaria do Patrimônio da União) para a gestão da orla. Assim, em mais um sinal de irresponsabilidade instalou uma rede elétrica na faixa de areia da praia da Mococa, ao norte do município, para promover atividades comerciais de quiosques na junção da faixa de areia com a restinga, que o município reconhece como Zona de Proteção Permanente. Os estudos de instituições que acompanham o avanço do mar nessa praia apontam um processo evolutivo de erosão costeira. A instalação de uma rede de energia nessa área oferecerá riscos aos frequentadores, além da degradação ambiental inerente da atividade comercial promovida pela prefeitura com suporte da operadora de energia local.
É para equipes como esta que queremos delegar o licenciamento ambiental? A esperança da população e de muitos bons funcionários da prefeitura é votar em um candidato a prefeito que não seja refém de pessoas como o Sr. Cheberle.
São Sebastião castigada por eventos extremos
Em São Sebastião, as construções e ocupações irregulares mesmo com o perigo extra dos eventos extremos mostram que o processo não ocorre de forma adequada nem recebe a fiscalização necessária. A população pode esperar um aumento dos problemas ambientais na região.
Quando começou a revisão do Plano Diretor em Ilha Comprida, balneário do sul do Estado, comandado por Geraldino Júnior (PSDB), o Mar Sem Fim entrou em contato com o vereador Rogério Revitti. Segundo ele, em 2019, durante a primeira gestão de Geraldino Junior, foi aprovada a Lei nº 1.625, de setembro de 2019, sem consulta pública. Ela entrou em vigor em 2020 e prevê prédios de até 30 metros de altura.
Revitti não foi o único a denunciar o motivo escuso da aprovação da lei. O vereador Daniel Ramos, em seção da Câmara, também afirmou que ‘a Lei nº 1.625 havia sido aprovada para atender exclusivamente um empreendedor em área específica’.
Apesar do Presidente da Fundação Florestal, Mário Mantovani, ter declarado ao Mar Sem Fim, ‘Escreva aí’, João, ‘que o presidente da FF, e ambientalista, faço questão deste termo, é RADICALMENTE contrário à verticalização’. ‘Ilha Comprida não terá verticalização de jeito nenhum!’
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Entretanto, apesar da contundente declaração do presidente da FF, a verticalização passou!
Para certos gestores a legislação ambiental é ‘entrave’ ao progresso
Gestores do litoral norte muitas vezes provocaram deliberadamente a ocupação desordenada e a expansão do superadensamento insustentável. Ignoraram alertas sobre riscos, agora uma realidade. Desse modo, em Ilhabela ainda em 2023, o prefeito Antonio Colucci (PL) convocou a população a cortar o Jundu (vegetação nativa, de restinga, de grande importância para a preservação das praias). Ficou célebre a convocação: “Vocês precisam me ajudar a tirar o jundu. Eu não posso mandar a Prefeitura tirar porque senão eu vou preso, mas se cada um tirar um pé por dia, rapidinho não tem mais nenhum. Tira lá.”
Prefeita de Ubatuba decepa manguezal do Rio Escuro impunemente
Também em 2023, a prefeita de Ubatuba, Flávia Pascoal (PL), posteriormente cassada por corrupção, cortou o Mangue do Rio Escuro para expandir o bairro, ignorando a legislação ambiental. Só isso demonstra como alguns prefeitos veem a legislação ambiental como ‘entrave ao progresso’. Na época, ainda denunciei o corte ao presidente da Fundação Florestal, Mário Mantovani, que ‘prometeu em seguida averiguar o andamento’, e ficou por isso mesmo: parte do mangue veio abaixo!
Como resultado, muitas praias tornaram-se impróprias para banho em Ubatuba, representando um sério risco à saúde pública devido à deficiência no saneamento básico e no tratamento de esgoto. Além disso, a contaminação crescente de nascentes, áreas de preservação permanente (APPs), e rios, reflete a inexistência de uma gestão ambiental eficaz. Os rios de Ubatuba, entre eles o Tavares, o Acaraú, e o Indaiá, são esgotos a céu aberto. Assim, em 2017 a praia do Itaguá, uma das praias centrais da cidade, foi considerada a mais poluída do litoral norte.
Serra do Mar e remanescentes da Mata Atlântica são ‘obstáculos’
A percepção de alguns gestores municipais do litoral norte, que veem a Serra do Mar e os remanescentes da Mata Atlântica mais como obstáculos do que como patrimônios valiosos, levanta dúvidas significativas sobre a capacidade e vontade desses administradores de adotar práticas sérias e éticas no Licenciamento Ambiental. E tudo o que contamos sobre as revisões dos Planos Diretores, o abandono de certos balneários, as fichas processuais dos respectivos prefeitos, e a instalação de células do PCC e CV nos sertões do litoral norte, são de conhecimento do governador Tarcísio de Freitas. Por isso questionamos se a mudança é apenas falta de lucidez, ingenuidade, ou má-fé?
Três dos principais problemas, segundo visão especializada
O advogado Fernando Prioste destaca três dos principais problemas com a mudança nas regras: a descentralização causará desorganização, sem entidade central para os processos distribuídos por 645 municípios; municípios menores, como Jambeiro, podem não ter capacidade para gerenciar; e os licenciamentos de empreendimentos que podem afetar municípios vizinhos.
No futuro, quem responsabilizaremos por tragédias como a do carnaval de 2023?
Para encerrar, quem auditará e fiscalizará as prefeituras, conselhos municipais e os consórcios de licenciamento ambiental municipal? Seguirão impunes os gestores que desrespeitarem as regras estabelecidas colocando em risco a vida humana? A única certeza é que a sociedade civil, que atua de forma voluntária, passará a ter ainda maiores desafios com a decisão do CONSEMA. As queixas ao MP e instâncias federais serão cada vez mais frequentes e necessárias.
O mais curioso, entretanto, é quando ocorrem deslizamentos. Então, autoridades como prefeitos e secretários correm para buscar votos, doando cestas básicas, divulgando imagens com comunidades afetadas, elogiando a defesa civil, etc. Mas em tragédias, como a do litoral norte no carnaval de 2023, tendem a culpar o clima, estranho, não?