Plinio Romeiro Jr. na viagem do naufrágio, conheça essa figura
Hoje vou falar da Viagem do Naufrágio: Plinio Romeiro Jr. Conheci o Plininho nos anos 60, mais precisamente, em 1967, quando meu pai ficou sócio do Iate Clube de Santos. Eu tinha 12 anos e nunca tinha saído em barcos. Plinio tinha 14, e já era safo nas coisas do mar. Pilotava botes com extrema destreza. E cuidava do barco do pai. Era o próprio marinheiro do Plinião.
Plinio desprezava a companhia de garotos
Engraçado. Plinio desprezava a companhia de garotos. Tinha poucos amigos da idade dele, mas era companheiro dos amigos do pai: tio Caco (Marco Antônio Vieira de Carvalho), Eduardo Simonsen, Lulu Pacheco, Ângelo Bonomi, Cásio do Val, Diogo Lara, Rubens Fonseca Rodrigues, Wallace Franz (campeão mundial de corridas off shore) Cláudio Franco do Amaral, Jean Pieere Gonthier, e outros.
Desde bebê ele freqüentou o ambiente náutico. Preferia ficar sapeando as conversas de seu pai e amigos, na varanda do clube, a dar atenção aos moleques que chegavam como eu e meus irmãos.
A turma do Plinião era formada só por craques da náutica da São Paulo daquele tempo. Um grupo que costumava navegar com freqüência. Foi com eles que Plininho aprendeu.
Habilidoso, cuidadoso e muito observador
Habilidoso, cuidadoso e muito observador, em pouco tempo falava de igual para igual com esta gente. E era respeitado, pela pouca idade, e grande conhecimento que já tinha.
Aos poucos nos aproximamos. Nasceu uma fraterna amizade entre nós. Quando ganhei meu primeiro bote, “Charmuta”, foi ele quem me ensinou a pilotar, cuidar dos motores de popa, dar nós marinheiros, etc.
Nos fins de semana nem era preciso perguntar qual o programa: Iate Clube de Santos.
Se o tempo estivesse muito ruim, ficávamos pelo clube, entre barcos, lanchas e veleiros. Navegávamos de botinho pelos canais do porto. Íamos da base aérea, até Bertioga esquiando. Um puxava o outro. Não só eu, mas meus irmãos também, especialmente Rodrigo.
Ainda me lembro uma das primeiras lições que ele me deu
O tempo havia fechado, o sudoeste corria brabo. Plininho resolveu entrar de lancha pela barra de São Vicente, muito perigosa quando tinha este vento.
Fomos juntos. Uma loucura. Mas Plinio sabia “ver o mar” desde aquele tempo. Contava as ondas calmamente, esperava o momento certo, e entrava barra adentro sem o menor risco. Desde pequeno era assim.
O tempo passou, e nossa amizade cresceu. Eu gostava de música e ele também. Enveredei pela erudita, ele pela popular. Mais tarde estudamos no mesmo colégio, o Rio Brando. Esperávamos com ansiedade a chegada da sexta –feira. Era dia de descer pra Santos, pro mar.
Nas férias a mesma coisa: meu pai saía com seu barco, o Albardon, e o Plinião com o dele, Seresta. Nós, e nossos irmãos, íamos juntos. Enquanto meu pai pescava, eu pulava pro barco do Plinião pra aprontar com meu amigo.
Nos Estados Unidos
Foram anos assim. Toda a década de 70, em quase todos os fins de semana. Mais tarde, fui para os Estados Unidos estudar música em 1979. Fiquei por lá até 1982.
De madrugada, em São Paulo, Plininho ia para as boates da moda, como o Flag e outras, pra ligar sem pagar a conta. Era comum o telefone tocar em Nova Iorque às 3, 4 da manhã. Eu acordava sonolento. Era ele querendo saber novidades, contando das farras que fazia, perguntando por mim. Matávamos as saudades.
Por três anos esta situação se repetiria. Quando eu saía e ele ligava, meu roomate, um pianista americano, ficava puto da vida porque o telefone estourava de tocar de madrugada sem ninguém pra atender.
Quando eu chegava em casa tinha recado: “João, your crazy friend called again”.
Voltei em 1982 e assumi a direção da Eldorado
Por este tempo, Plinio trabalhava numa faculdade. Tinha um belo futuro pela frente. Além de eficiente, o dono do grupo de educação adorava o cara, tinha confiança nele.
Tudo indicava que faria uma bela carreira. Mas Plininho não gostava daquele ambiente. Achava formal, “certinho” demais. Nos encontramos e ele pediu trabalho na rádio. Expliquei que ali seria jogo duro: não havia grana, a rádio estava falida, “os salários eram uma merda”, desaconselhei. Mas ele insistiu.
Por 20 anos foi meu braço direito
Uma semana depois estava comigo na Eldorado. Por 20 anos foi meu braço direito na rádio. Ele fazia de tudo: programação musical, textos, reportagens, discoteca, fosse o que fosse. Não tinha tempo ruim.
Até dirigir viaturas, como conto no livro Eldorado, a Rádio Cidadã (editora Terceiro Nome), ele fez. E sempre com o mesmo bom humor, o mesmo pique, a mesma boa vontade até hoje.
Corridas de lancha OFF SHORE
Foi ele o responsável pela volta das corridas de lancha OFF SHORE, quando criou, com a competência de sempre, o Primeiro GP Eldorado Off Shore, Santos – Ilhabela, no início dos anos 80.
As regatas Eldorado – Alcatrazes por Boreste, e Eldorado – Brasilis, também são obra do Plínio. Quando comprei meu primeiro barco, uma lancha de 22 pés, a Quem-Te- Viu, ele foi comigo trazer o barco de Angra para São Paulo.
Depois passei pra vela com o Tiki
Mais uma vez com o Plinio ao lado, me ensinando. Depois, passei para veleiros, com o Tiki e deste, pro veleiro Mar Sem Fim (com o qual fiz a viagem pela costa brasileira). Fomos juntos no estaleiro de Eduardo Souza Ramos, ver o barco. Plininho me dando cutucões, “compre, o barco é maravilhoso, o preço ta bom, vc não vai se arrepender”. Acreditei. Saí de lá com o veleiro.
Do Mar Sem Fim à vela, fui pro Mar Sem Fim a motor. Mais uma vez com Plininho, que descobriu este barco pra mim. Até que veio a Antártica.
Quando começaram os problemas, na ilha Deception dia 17 de março, eu sabia que a chance de tirar o barco da enrascada era mínima. Mais uma vez recorri ao Plininho. Via e mail, e através do telefone satelital, eu contava a encrenca braba em que havia me metido. Conversávamos sobre possíveis soluções. Como sempre, meu amigo me dava as dicas sobre o que fazer.
Contei à ele que iríamos para Rei George, onde havia mais recursos, e até uma pista onde um avião poderia pousar. Através dele poderiam vir as peças de reposição.
Dias depois chegamos em Rei George para o desembarque de meus familiares Moraes Barros/ Mesquita, que estavam a bordo. Eles tinham que sair o mais rápido possível para que eu me concentrasse no conserto.
Junto desceu o skipper contratado para a viagem
Sabendo que ficaria sozinho, dia 20/4 mandei o seguinte mail ao Plininho: “Obrigado pela ajuda até agora. Ainda estamos em Deception fazendo testes com o barco para ver a manobrabilidade. Estamos navegando em cruzeiro com o motor de BB, justamente o que está sem leme. No motor de BE, que está sem bucha, navegamos com apenas mil giros.
Plinio, se eu pudesse te pedir alguma coisa na vida pediria que vc viesse. Não vai ser fácil pra mim sozinho. É difícil te pedir isto. Sinto muito te dar este trabalho.
Abs”.
Viagem do Naufrágio: Plinio Romeiro Jr., dia 23 de março, às 10h30 da manhã, ele pousou em Rei George com a bucha nova
Ele não pensou duas vezes. Largou o trabalho, a mulher Arlete que acabava de voltar de viagem, e embarcou para a Antártica, para o que sabia ser a maior roubada de sua vida.
Este é o meu amigo. Plinio, querido, eu jamais vou esquecer o que você fez por mim. Nunca mais. Vai comigo pro túmulo. Um beijo, meu amigo, e obrigado pela amizade.
Você é muito mais que imprescindível.