Verticalização em Ilha Comprida sofre revés do MP-SP
Desde 2021, acompanhamos os eventos em Ilha Comprida, litoral sul de São Paulo. Tudo começou em 2019, quando o prefeito Geraldino Júnior (PSDB) criou uma lei para beneficiar um amigo do setor da construção civil, permitindo a construção de 11 prédios de 7 andares. O prefeito preparava o terreno para a “verticalização” e a especulação imobiliária. Felizmente, em julho de 2024, uma Comissão de Investigação e Processante (CIP) cassou Geraldino por não responder a requerimentos dos vereadores. No entanto, devido à omissão de alguns órgãos, como a Fundação Florestal de São Paulo, o projeto continuou, e cinco dos 11 prédios já estão em construção. A boa notícia é que o Ministério Público agora impõe um revés à verticalização em Ilha Comprida, graças à ação da Promotoria de Iguape, na pessoa de Mariana Nunes Borges, Promotora de Justiça Substituta.
Um caso tumultuado e cheio de erros de origem
Um dos moradores que não aceitou a imposição de Geraldino Júnior, e liderou um movimento contrário foi o biólogo, ambientalista, e morador da Vila das Pedrinhas, Roberto Nicacio. Desde então o Mar Sem Fim conversa com ele de modo a acompanhar o caso.
Vamos a um breve resumo: a lei aprovada sem consulta pública para o amigo Chico Silvestre, do empreendimento Ecco Ilha, foi a Lei Municipal nº 1.625, de setembro de 2019, que entrou em vigor em 2020.
Assim começou a disputa, com uma lei criada sem consulta pública, o que não é correto, e que dispõe sobre o ‘código de obras’, sem que o município tenha planejado tal aumento de população em seu Plano Diretor. Além do mais, Ilha Comprida faz parte da unidade de conservação estadual, APA da Ilha Comprida, cuja administração compete à Fundação Florestal.
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Os motivos desta proteção ambiental são muitos, para começar, Ilha Comprida age como uma proteção ao maior berçário do Atlântico Sul, o Lagamar Iguape-Cananéia-Paranaguá. A ilha é quase um ‘banco de areia’, com 70 Km de comprimento por 3 de largura, em outras palavras, uma barreira constituída por estreita restinga, separada do continente pelo canal do Mar Pequeno, pelo Valo Grande, e pela foz do Ribeira de Iguape, no município de Iguape.
Apesar do flagrante erro de origem da Lei Municipal nº 1.625/19, a CETESB emitiu parecer favorável ao empreendimento, dentro do rito Grapohab, em 2022.
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Mas, como alertou Nicacio, ‘o Licenciamento ambiental aconteceu sem que o órgão licenciador tivesse observado questões fundamentais, como as áreas de preservação permanente, as espécies ameaçadas de extinção, o altíssimo risco geológico da região, que passa por severo processo de avanço do nível do mar e erosão costeira, entre outros’.
Fundação Florestal optou por não participar
Para Roberto Nicacio, ‘o mais gritante foi ignorar a Fundação Florestal e o Conselho Consultivo da Área de Proteção Ambiental. A Fundação Florestal, por sua vez, mesmo provocada pelo Conselho, optou por se omitir, não participando do licenciamento da maior intervenção na história desta Unidade de Conservação’.
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Cajueiro da Praia, PI, enfrenta a especulação imobiliáriaDiocese de Sobral envolvida na especulação no litoral oesteDepravação moral da Câmara de Vereadores de UbatubaTanto fez Roberto Nicacio que, em 19 de janeiro de 2022, a SOS Mata Atlântica, em ofício dirigido à FF e assinado por Márcia Hirota, diretora executiva da ONG, e Maria Luisa B. Ribeiro, Diretora de Políticas Públicas, questionava:
“…pedimos atenção especial à tentativa empreendida pela Prefeitura de Ilha Comprida para flexibilizar a legislação urbana e o processo de licenciamento ambiental de construções verticais e manifestamos a posição da Fundação SOS Mata Atlântica em relação à ameaça de dano permanente ao meio ambiente que essa liberação representa.”
Em 2022 o MP entra na disputa e manda parar
Quando considerávamos a causa quase perdida, o Ministério Público, que acompanhou o caso, ajuizou uma Ação Civil Pública, a ACP 1000081-10.2022.8.26.0244 cancelando todas as autorizações.
Apesar disso, ainda em 2022 a Prefeitura retomou o processo para aprovar nova lei permitindo a verticalização, mais uma vez através da inclusão de artigos no código de obras, pasmem, e não através do Plano Diretor. Desta feita, quando do licenciamento ambiental, a Cetesb consultou a Fundação Florestal e o Conselho da APA, respondendo assim, às obrigações da Ação Civil Pública de 2022.
Especialistas da sociedade civil participam
Especialistas da sociedade civil participaram de manifestações que destacaram a necessidade de realizar estudos prévios antes de qualquer autorização para o início das obras. As manifestações chegaram à CETESB, e os estudos prévios foram classificados como ‘Condicionantes’.
Para Roberto Nicácio, estranhamente, a Fundação Florestal permitiu esse procedimento em vez de realizar uma avaliação antes de autorizar a construção. Além disso, o Conselho da APA não teve sua posição considerada, uma vez que solicitou estudos prévios para a sensível questão geológica.
Há um abismo entre estudos prévios e condicionantes!, diz Roberto. Prévio, evita danos irreversíveis, condicionantes, não! Por isso foi solicitado pelo Conselho e não poderia ser ignorado. Todas as aprovações para esse empreendimento foram realizadas na Gestão do Ex-prefeito, Sr. Geraldino, cassado pouco antes do pleito de Outubro de 2024.
O novo prefeito e a verticalização
Em outubro de 2024 os munícipes elegeram Maristela, do Republicanos. Segundo Roberto Nicacio, até o momento não se sabe a opinião oficial da Prefeitura de Ilha Comprida sobre verticalização. Porém, existe a expectativa que a atual gestão passe a dialogar com a sociedade, respeite os processos legais, elabore e implemente os planos, especialmente o Plano Diretor.
Além disso, seria oportuno avaliar a criação das Unidades de Conservação municipais, revisar e priorizar áreas através de instrumentos tributários e, finalmente, solicitar ao Governo do Estado a retomada e finalização do Plano de Manejo da APA de Ilha Comprida, entre tantas mudanças estruturais que o município necessita urgentemente!
Alguns problemas de Ilha Comprida
A ilha faz parte do município de mesmo nome, distante cerca de 200 km de São Paulo. Tem um território de apenas 192,09 km², com uma população estimada pelo IBGE em 13.400 habitantes em 2022. No passado, o território era parte de Iguape, 70%, e parte de Cananéia, com 30%. A partir de 1992, ganhou sua emancipação sem que tenha condições de arcar com as despesas.
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Isso ocorreu após a permissão da Constituição de 1988. Hoje, cerca de 20% dos 5.562 municípios do Brasil, ou 1.307 no total, foram criados após essa data. A maioria não deveria ter acontecido, resultando de políticos interessados em aumentar os gastos públicos, com mais câmaras de vereadores, mais funcionários municipais e, consequentemente, mais custos para a população.
Em Ilha Comprida, a construção de prédios não se justifica pelo tamanho da área em relação à população; há espaço de sobra. A maioria dos moradores se opõe aos altos edifícios, buscando mais qualidade de vida, melhores escolas, postos de saúde, segurança, etc.
A falta de fiscalização e a omissão da Fundação Florestal
Além disso, a falta de fiscalização permitiu construções em áreas de dunas e até na areia da praia, o que é proibido. Essa ocupação desordenada acelerou a erosão costeira, não apenas pelos eventos extremos, mas também pela obstrução de locais que deveriam permanecer livres para a reposição da areia das praias, especialmente após ressacas. Como resultado, o balanço sedimentar tornou-se negativo, ou seja, há mais perda de areia do que ganho. Quando isso acontece, o processo erosivo se inicia e dificilmente é contido.
Finalmente, para contribuir com os esforços de Nicacio e seu grupo, este site entrevistou o presidente da Fundação Florestal em junho de 2022. Mário Mantovani foi categórico: ‘Escreva aí’, João, ‘que o presidente da FF, e ambientalista, faço questão deste termo, é RADICALMENTE contrário à verticalização’. ‘Ilha Comprida não terá verticalização de jeito nenhum!’
Pois é…
2024 – Mais uma vez o MP ajuíza uma Ação Civil Pública
Diante deste cenário, nos disse Roberto Nicacio, o Ministério Público volta a ajuizar Ação Civil Pública, ACP 1002248-29.2024.8.26.0244. Nela, com base em laudo minucioso e assertivo do CAEx, Centro de Apoio à Execução, solicita a demolição de áreas construídas em APPs, a paralisação das obras, a recuperação da área, entre outros.