Veneza, Sereníssima, engenharia pura e bom gosto desde o século 5 d.C
Recentemente fizemos um post comentando as peripécias da China ao construir no mar. Falávamos da avançada engenharia que permitiu a construção da Ponte Hong Kong- Zuhai- Macau. A obra é de tal forma única, como Veneza, que perguntamos, a engenharia doma o mar?
Não se passaram duas semanas quando lembramos de Veneza. Esta, sim, domou o mar. Só que, ao invés de ter acontecido no século 21, como a obra chinesa com todas as facilidades da tecnologia, aconteceu no século 5 d.C!
Se um deles mereceu um comentário, o outro mais ainda, dado o ano em que a obra ousada foi construída.
Como foi possível?
Quando nos lembramos de Veneza, evocamos as belíssimas construções às margens dos canais, as gôndolas; a riqueza e o esplendor de palácios e igrejas, mas pensamos pouco em como foi possível construir uma ‘cidade flutuante’ em plena idade média sobre uma lagoa.
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Os bárbaros rondam Roma
A história começa no 5 º século d.C. Depois da queda do Império Romano do Ocidente. A cidade de Veneza foi construída em meio a 118 ilhas no meio da lagoa (550 km²), norte da Itália.
Naquele tempo a Europa começava a sofrer as invasões de bárbaros. E a população da região norte, do que viria a ser a Itália, estava receosa de novas invasões.
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Foi assim que começou a construção A cidade, erguida sobre uma laguna, consiste em 118 pequenas ilhas conectadas por numerosos canais e pontes. Os edifícios não foram construídos diretamente nas ilhas. Mas em plataformas de madeira apoiadas por estacas no chão. Milhares de palafitas encravadas na lama.
Como as invasões continuaram em toda a Itália, e mais refugiados se juntaram aos primeiros colonos, surgiu a necessidade de construir uma nova cidade. Veneza é fruto do medo e necessidade.
Como Veneza foi construída?
O site da UNESCO, explica: “Nesta lagoa a natureza e a história estão intimamente ligadas desde o século 5, quando as populações venezianas, para escapar de ataques bárbaros, encontraram refúgio nas ilhas arenosas de Torcello, Jesolo e Malamoco.’
“Neste mar interior que tem sido continuamente ameaçado, surge em meio a um pequeno arquipélago, uma das mais extraordinárias áreas urbanas da Idade Média. De Torcello, ao norte, a Chioggia, ao sul, quase todas as pequenas ilhas tinham seu próprio assentamento, cidade, vila de pescadores e vila de artesãos (Murano).”
Quando os novos colonos chegaram às ilhas por volta de 402 d.C, se depararam com a necessidade de mais espaço e uma base mais sólida para viver. Eles tinham que encontrar formas de fortalecer as ilhas, drená-las, ampliá-las e proteger o frágil ambiente. Então, cavaram centenas de canais e escoraram as margens com estacas de madeira.
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Também usaram estacas de madeira similares como fundações para seus edifícios. Os colonos enfiaram milhares de pilhas de madeira na lama, tão próximas umas das outras que estavam se tocando.
Depois, cortaram os topos e criaram plataformas sólidas para as fundações de suas casas. A madeira não apodreceu porque estava debaixo d’água. É difícil acreditar, mas há muitos edifícios em Veneza hoje que ainda estão sobre madeira de 1000 anos!
A eficiente técnica das palafitas de Veneza
Veneza, Patrimônio da Humanidade
Dá gosto ler o site da UNESCO ao descrever os motivos pelos quais a cidade foi tombada. Diferentemente dos enfadonhos guias turísticos, parece poesia de apaixonados por tamanha riqueza.
Vejamos o que diz o primeiro critério: “Veneza é uma conquista artística única. A lagoa de Veneza também tem uma das maiores concentrações de obras-primas do mundo: da Catedral de Torcello à igreja de Santa Maria della Salute.”
“Os anos da extraordinária Era de Ouro da República são representados por monumentos de incomparável beleza: San Marco, Palazzo Ducale , San Zanipolo, Scuola de San Marco, Frari e Scuola de San Rocco, San Giorgio Maggiore, etc.”
Elo entre Ocidente e Oriente
De acordo com o critério três, da Unesco, “com o caráter incomum de um sítio arqueológico que ainda dá vida, Veneza é testemunha de si mesma. Esta amante dos mares é um elo entre o Oriente e o Ocidente, entre o Islão e o Cristianismo. E vive através de milhares de monumentos e vestígios de um tempo passado.”
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O ecossistema do Mediterrâneo
Ainda segundo a UNESCO, “na área do Mediterrâneo, a lagoa de Veneza representa um excelente exemplo de um habitat semi-lacustre que se tornou vulnerável como resultado de mudanças naturais e climáticas irreversíveis.”
“Neste ecossistema coerente, onde as plataformas enlameadas são tão importantes quanto as ilhas, os piquetes, as aldeias de pescadores e os campos de arroz precisam ser protegidos tanto quanto os palácios e igrejas.”
E o domínio do mediterrâneo foi mais uma vez consagrado pelo final feliz, para os cristãos, da batalha de Lepanto a mais importante de todas vencida com ajuda da armada veneziana.
Veneza: parte da nossa história
Critério (vi): Veneza simboliza a luta vitoriosa do povo contra os elementos que conseguiram dominar a natureza hostil. A cidade também está diretamente associada à história da humanidade. A “Rainha do Adriático”, empoleirada em suas minúsculas ilhas, estendia seu horizonte bem além da lagoa, do Adriático e do Mediterrâneo.”
“Foi de Veneza que Marco Polo (1254-1324) partiu em busca da China, Annam, Tonkin, Sumatra, Índia e Pérsia. Seu túmulo em San Lorenzo lembra o papel dos mercadores venezianos na descoberta do mundo – depois dos árabes, mas bem antes dos portugueses.”
República de Veneza e a arte da navegação
A consequência de toda esta intimidade com os mares foi a transformação dos venezianos em peritos navegadores e construtores navais. Um dos povos que, ao longo da história, já teve seu momento de superpotência.
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O site /mycountryeurope.com descreve: “No seu auge, ela governava o Adriático indiscutivelmente, controlava o comércio entre o Crescente Fértil e a Europa, controlava os Imperadores do Oriente, e podia com segurança ignorar a Santa Sé sempre que desejasse.”
“Em 1381, derrotou o arquiinimigo, Gênova, em Chioggia. A partir daí a república do Doge dominou toda a região do Mediterrâneo Oriental. Com cerca de 150.000 habitantes, Veneza cresceu e se tornou a terceira maior cidade da Europa, depois de Paris e Nápoles. Uma grande potência européia – a rainha do Adriático – nasceu.”
A política de Veneza, e o poder naval
Uma rápida pitada de história para localizar o leitor no tempo e espaço. Além das tainhas e das enguias da lagoa e suas salinas, Veneza não produzia nada – nem trigo, nem madeira, e pouca carne.
A cidade era vulnerável à fome, a única coisa que a mantinha segura era a capacidade de sair para o mar, comerciar. No início, ao saírem do Adriático, bateram de frente com piratas croatas, com quem guerrearam por mais de 150 anos.
A marinha de Veneza foi uma das primeiras a montar armas de pólvora a bordo de navios. E, através de um sistema organizado de estaleiros navais, arsenais e fabricantes de velas (o Arsenal de Veneza, que era uma das maiores concentrações de capacidade industrial anterior à Revolução Industrial) manter continuamente os navios no mar e rapidamente compensar quaisquer perdas.
A principal marinha do Mediterrâneo durante muitos séculos, desde o período medieval até o início da era moderna, deu a Veneza o controle e a influência sobre o comércio e a política no Mediterrâneo, muito além do tamanho da cidade e de sua população.
As origens
As origens da marinha veneziana estavam nas tradições das marinhas romana e bizantina. Veneza era originalmente um vassalo, depois um aliado do Império Bizantino. Utilizou técnicas navais e militares bizantinas. Neste momento havia pouca diferença entre as frotas mercantes e navais.
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Todos os navios tinham que ser capazes de se defender se a necessidade surgisse. No caso de hostilidades, navios e tripulações eram retirados do comércio para reforçar a frota de guerra. Sendo dispersos de volta à busca do comércio no final da emergência. Mesmo assim, havia dois tipos de embarcações, uma principalmente militar, e uma predominantemente mercantil.
Os tipos de barcos
A galera de vigas estreitas, deriva do trirreme, que por um milênio foi o principal navio do Mediterrâneo, usado por fenícios, gregos e romanos. Quando não estavam em uso como navios de guerra, eram usadas para transportar cargas de baixo valor e grandes volumes. A galera era um navio longo e fino. Precisava de espaço por causa dos grandes remos, mais remos mais potência. As várias evoluções das galeras levaram aos grupos de mais remos.
Também havia as galeras com até três mastros.
A nave tonda (navio redondo) derivada de navios romanos. Era um navio largo e de vigas largas, com uma borda livre alta e vários decks. Foi projetado para o lucrativo transporte de carga. Impelido principalmente pelo vento, o navio redondo estava limitado a velejar antes do vento e, portanto, era menos manobrável e mais vulnerável a ataques. No entanto, em caso de guerra, eles poderiam ser usados como navios de suprimento e apoio.
Para terminar uma curiosidade técnica: quanto mais aumentava a tonelagem dos navios, maiores os obstáculos envolvidos nas águas rasas da lagoa. Um sistema tinha sido inventado para levantar navios usando caixões submersos chamados “camelos” aplicados ao longo dos lados.
Fim do poderio de Veneza
Coincide com nosso começo…quer dizer, o poderio de Veneza começou a desabar quando os nautas portugueses dobraram o cabo da Boa Esperança, em 1498, tomando o comércio das mãos venezianas. Pouco tempo depois, as caravelas davam em Porto Seguro.
Este belo vídeo/animação mostra a epopeia da construção de Veneza. Enquanto isso, torcemos para que o aquecimento global não cause prejuízos demais a esta joia do planeta.
Fontes: https://www.ancient-origins.net/ancient-places-europe/construction-venice-floating-city-001750; https://venicegondola.com/en/venice-a-marvel-of-engineering/; http://www.venicebackstage.org/en/440/cosa-ce-sotto/; http://whc.unesco.org/en/list/394; http://venice.umwblogs.org/exhibit/the-conservation-of-venetian-building-materials/wood/; https://www.zainoo.com/en/italy/veneto/venice/history; http://movimentocaproni.altervista.org/blog/serenissima-la-flotta/ ; https://en.wikipedia.org/wiki/Galley; https://mycountryeurope.com/history-of-europe/venice-serenissima-maritime-empire/.
Imagem de abertura: Natasha Lazic