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Veneno dos baiacus não é só dos baiacus

Veneno dos baiacus não é só dos baiacus

Os simpáticos baiacus são peixes que ocorrem no mundo todo. Quando se sentem ameaçados, se inflam como um balão. Quando inflados alguns baiacus apresentam projeções da pele que se parecem espinhos, mas não são pontiagudos nem perigosos. São espécies da família Tetraodontideae, conhecidas desde a antiguidade por serem muito tóxicas. Comer a carne dos baiacus sem saber limpá-los de maneira correta é fatal. Os baiacus contém uma toxina extremamente potente, chamada de tetrodotoxina, que causa a morte de camundongos em dose de 1 miligrama por kilo, em apenas 7 minutos. Para se ter uma ideia, o cianeto de potássio é cerca de 300 vezes menos tóxico do que a tetrodotoxina. O veneno dos baiacus não é só dos baiacus, é um artigo especial para este site de Roberto G.S.Berlinck*.

Imagem, https://meusanimais.com.br/.

Veneno dos baiacus: a tetrodotoxina foi primeiro descoberta no Japão

A tetrodotoxina, também conhecida por TTX, foi descoberta em 1909 pelo Dr. Yoshizumi Tahara, do Instituto Nacional de Ciências Higiênicas. Por ser uma ilha e explorar intensamente os recursos do mar para alimentação, casos de morte no Japão pelo consumo do baiacu não eram incomuns no início do século 20.

Tahara então decidiu investigar o que matava as pessoas, e foi o primeiro pesquisador a isolar a toxina pura. Porém, não conseguiu identificar que substância era aquela, se era uma proteína ou não. A estrutura química da tetrodotoxina só foi descoberta em 1964.

A estrutura química da tetrodotoxina

Muitos anos depois do isolamento da toxina por Tahara, quatro grupos de pesquisa apresentaram a estrutura química da TTX. Ocorreu durante o Simpósio de Produtos Naturais da União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) realizado em 1964 em Kyoto, no Japão.

Foram pesquisadores dos grupos de Robert Burns Woodward da Universidade de Harvard (que ganhou o prêmio Nobel de química em 1965), Koji Tsuda da Universidade de Tohoku, Japão, Harry Mosher da Universidade de Stanford e Toshio Goto da Universidade de Nagoya. A descoberta simultânea por quatro grupos de pesquisa diferentes não é algo tão comum na ciência. A estrutura química da TTX foi uma das grandes descobertas da ciência.

Porque a tetrodotoxina é importante

Por que uma toxina tão potente pode ser uma importante descoberta para a ciência?

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Imagem, https://news.cgtn.com/

As toxinas são uma forma de defesa de muitos organismos, como serpentes, escorpiões, aranhas, insetos e animais como o dragão de komodo, da Indonésia. Estudar a estrutura química das toxinas e saber como as toxinas causam envenenamento possibilita entender melhor o funcionamento do corpo humano.

A TTX bloqueia o fluxo de íons sódio em células nervosas, levando à morte por parada respiratória. A descoberta da tetrodotoxina possibilitou entender melhor como funcionam as células nervosas, como transmitem os impulsos nervosos e como essa transmissão é realizada entre as células do tecido nervoso, os neurônios.

Veneno dos baiacus: e, no entanto, tem gente que come baiacu…

Por incrível que pareça, tem gente que tem coragem de comer a carne do baiacu. No Japão a carne do baiacu é considerada uma iguaria muito sofisticada, por ter um sabor inigualável (Os hábitos culinários asiáticos incluem entre suas iguarias, a sopa de barbatana de tubarões) . No Brasil, caiçaras do litoral de São Paulo sabem limpar, preparar e comer baiacu sem se envenenar. Mas no Japão o consumo de baiacu só pode ser feito com autorização do Ministério da Saúde, em restaurantes especializados, para se evitar o envenenamento.

O sashimi Fugu é normalmente servido em fatias finas. Comer o prato pode ser mortal se as partes venenosas não forem removidas corretamente. Imagem, Takumi Sasaki

Dizem que em alguns restaurantes japoneses é possível se comer a carne do baiacu com uma quantidade muito pequena de tetrodotoxina, para que o cliente possa sentir a ponta dos dedos e da língua formigando. Haja coragem!

O mistério da origem da tetrodotoxina

Um fato inusitado da descoberta da tetrodotoxina é que o grupo de Harry Mosher de Stanford descobriu salamandras da espécie Taricha torosa com a toxina. Essa foi uma grande surpresa para os pesquisadores.

Depois disso, a tetrodotoxina foi descoberta em muitos outros organismos, como outras salamandras, sapos, polvos, outros moluscos, caranguejos, algas e vermes terrestres. No Brasil, o sapinho da Mata Atlântica Brachycephalus pitanga contém tetrodotoxina. Por ter uma distribuição tão ampla na natureza, muitos pesquisadores passaram a investigar se a TTX é, na verdade, produzida por bactérias amplamente disseminadas. Alguns resultados sugerem que sim, mas esses resultados ainda são controversos…

A estrutura química da tetrodotoxina é fascinante

Os químicos orgânicos adoram substâncias químicas com estruturas complexas. A tetrodotoxina é uma destas. A tetrodotoxina apresenta um grande número de átomos de oxigênio e nitrogênio, fazendo com que seja solúvel em água.

Os átomos de nitrogênio da tetrodotoxina formam um grupo funcional chamado de guanidina, que está diretamente relacionado à atividade de bloqueio dos canais de sódio. Por ter uma estrutura tão complexa, a síntese química da tetrodotoxina foi extremamente difícil de ser realizada. O Professor Yoshito Kishi de Harvard foi o primeiro a sintetizar a tetrodotoxina. Mas a síntese química mais eficiente realizada até hoje é a do grupo do professor Justin du Bois, da Universidade de Stanford.

A tetrodotoxina ainda é estudada depois de mais de 100 anos de sua descoberta

Muitos pesquisadores do mundo todo ainda pesquisam a tetrodotoxina. Os estudos do grupo da Professora Mari Yotsu-Yamashita são muito importantes, pois tentam descobrir como a TTX é sintetizada.

Outros grupos pesquisam a ocorrência da TTX em diferentes organismos. Ainda outras pesquisas buscam saber se bactérias produzem a TTX ou não. Pesquisadores de síntese química tentam desenvolver métodos mais eficientes para a obtenção da toxina, que é muito cara: 1 miligrama da toxina custa aproximadamente R$ 5.000,00. Outros estudos avaliam se a TTX pode ser utilizada como anestésico.

Mas o maior desafio é saber como os organismos “fabricam” bioquimicamente a tetrodotoxina. Essa será uma grande descoberta.

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O autor de Veneno dos baiacus não é só dos baiacus 

Roberto G.S. BerlinckBacharel em Química pela Universidade Estadual de Campinas (1987), doutor em Ciências (Química Orgânica) pela Université Libre de Bruxelles (1992). Professor Doutor (1993-2001), Associado Livre Docente (2001-2010) e Titular (desde 2011) junto ao Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP).

Foi professor visitante no Departamento de Química e de Ciências da Terra e dos Oceanos da University of British Columbia (Vancouver, Canadá) entre 1997 e 1998, no Departamento de Química Medicinal da University of Utah (Salt Lake City) em 2002 e no Life Sciences Institute da University of Michigan (2012 e 2014-2515).

Atua como docente e pesquisador em química orgânica, e coordenador do Grupo de Química Orgânica de Sistemas Biológicos (QOSBio).

Publicações sobre a estrutura da tetrodotoxina:

B. Woodward: Pure and Applied Chemistry, 1964, vol. 9, pag. 49; Journal of the American Chemical Society, 1964, vol. 86, pag. 5030); Koji Tsuda: Chemical and Pharmaceutical Bulletin, 1964, vol. 12, pag. 642; Chemical and Pharmaceutical Bulletin, 1964, vol. 12, pag. 1257); Harry Mosher: Science, 1964, vol. 144, pag. 1100); Toshio Goto: Tetrahedron, 1965, vol. 21, pag. 2059.

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