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Unidade de Conservação de Castelhanos mantida pela Justiça

Unidade de Conservação de Castelhanos mantida pela Justiça

Como todas as estâncias balneárias de São Paulo, Ilhabela sofre com o fenômeno da especulação imobiliária que aos poucos destrói o litoral. Atualmente as áreas mais visadas são aquelas onde vivem caiçaras há gerações, as mais preservadas. Notadamente a baía de Castelhanos, e as praias do Bonete e Jabaquara. Por outro lado, nos últimos tempos é raro um prefeito terminar o mandato sem antes ser cassado por improbidade administrativa, superfaturamento, dano ao erário, violação de princípios administrativos, etc. Muitos destes prefeitos querem apenas aproveitarem-se do cargo, em vez de servi-lo. No meio deste conflito, estão as populações tradicionais. Nosso assunto é a manutenção definitiva da Unidade de Conservação de Castelhanos decidida pela Justiça.

Baía de Castelhanos.
Baía de Castelhanos. Acervo MSF.

A luta dos caiçaras em Ilhabela

Num esforço para preservar a baía de Castelhanos, há anos a Associação dos Moradores da Comunidade Tradicional Caiçara da Baía dos Castelhanos (Amor Castelhanos), junto com ONGs e ambientalistas, luta para conseguir mais garantias para manterem-se no local.

Finalmente, em 2020 a então prefeita Gracinha Ferreira (PSD) criou a Resex dos Castelhanos. Menos de dois anos depois, o atual prefeito Antonio Colucci (PL) enviou Projeto de Lei (Ofício GP Nº 171/2022) com o objetivo de revogar o Decreto Municipal que criou a unidade de conservação.

O grande problema, para estes prefeitos, foi a criação em 1977 do Parque Estadual  pelo então governador Paulo Egydio Martins. O parque,  com uma área de 27 mil hectares, ocupa 85% do território do arquipélago.

Paulo Egydio sabia que Ilhabela corria sério perigo pela especulação já forte na época. Numa tentativa de frear a ocupação desordenada, e preservar o que restava de Mata Atlântica, decidiu-se pelo parque.

A iniciativa desagradou grande parte dos prefeitos desde então. Muitos tentaram, e ainda perseguem o objetivo de mudar as leis de uso e ocupação do solo, mesmo com os impedimentos do Parque e da Resex.

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Prefeitos recentes e seus problemas com a Justiça

Colucci está no cargo pela terceira vez, apesar de ter a maior ficha processual entre os prefeitos do litoral. O site Jusbrasil mostra que ele arca com nada menos que 230 processos.

Para além disso, ainda responde a dois processos no STF. Num deles, foi condenado por por improbidade administrativa. Se a Justiça seguisse o rito ele já estaria de pijamas, em casa. Acontece que a Justiça no Brasil tem lá as suas ‘baldas’, assim o processo está parado.

Contudo ele não é o único. O prefeito anterior à Gracinha, era Márcio Tenório (MDB). Ele foi cassado em 2019 por  irregularidades na contratação de um evento com pagamento antecipado que não ocorreu.

Antes de perder o cargo, Tenório organizou um concurso para escolher a Miss Brasil, em evento que custou R$ 2,4 milhões de reais, quase 10 vezes o investimento da cidade em saneamento básico. Por este motivo o TCE, Tribunal de Contas do Estado, desaprovou as contas daquele exercício.

Ao sair, assumiu a vice, Gracinha Ferreira (PSD) que, apesar do pouco tempo no cargo,  foi acusada pela Justiça por suspeita de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito.

Antes destes, outros prefeitos chegaram a criar imobiliárias em nome de laranjas para, aos poucos, avançarem sobre as áreas já protegidas pela criação do Parque Estadual  ou, mais recentemente, os derradeiros redutos caiçaras, a  baía dos Castelhanos e as praias do Bonete e Jabaquara.

Jabaquara, vai um condominiozinho aí? Acervo MSF.

Um destes, que se notabilizou, foi Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB) que assumiu em 2001 e ficou inelegível em 2005. Motivo?  Irregularidades cometidas na venda de terrenos loteados em áreas de reserva ambiental.

Promiscuidade e corrupção

Como se pode ver, o ‘esporte preferido’ de muitos dos prefeitos de Ilhabela é inchá-la de concreto até torná-la inviável. Esta promiscuidade entre a superocupação em locais protegidos legalmente, e os agentes públicos encarregados da ordenação, faz a ficha criminal dos últimos crescer tanto quanto o preço do metro quadrado.

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Neste momento Ilhabela passa pela revisão de seu Plano Diretor que mal começou e já foi contestado por vícios de origem, como sempre acontece no litoral. É neste momento que os prefeitos tentam mudar o zoneamento. No passado já se falou em iniciar a ‘verticalização’ no município que é uma ilha!

O Movimento Ilhabela afirma que ‘o trabalho aparenta estar eivado de significativo conjunto de vícios e possíveis ilegalidades. Elas apontam a necessidade de uma apuração mais acurada do ponto de vista da legalidade e da moralidade.’

Estas informações são importantes para contextualizar o leitor que não conhece Ilhabela. Voltemos, agora, à…

Resex de Castelhanos

Depois que Antônio Colucci (PL) enviou o Projeto de Lei para revogar a criação da Resex, a lei foi aprovada em 24 horas, apesar do MPF ter tomado parte na sua criação. A Resex impedia qualquer empreendimento numa área de cerca de  1 milhão de m² distribuídos em uma faixa de 25 quilômetros de costa.

Praia de Castelhanos. Acervo MSF.

Não foi o primeiro ataque, nem será o último. Em 2013 houve nova investida contra os redutos caiçaras. Colucci propôs alterar o plano de gerenciamento costeiro. Pelo projeto, as comunidades de Bonete e Castelhanos seriam classificadas como Z4, o que as enquadraria como ‘áreas urbanas’.

Além disso, o prefeito é casado com Lúcia Reale, de família tradicional da ilha e que se diz dona de Castelhanos, onde pretende construir um resort. De tempos em tempos este boato ressurge amedrontando os caiçaras.

Aliás, fontes seguras nossas informam que Antonio Colucci (PL) fez um loteamento irregular em Castelhanos. Curiosamente, de nome ‘Vila Reale’. Mas o empreendimento não sai do papel em razão das restrições ambientais e urbanísticas. Mais um motivo para ficarmos de olho em suas ações.

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O conflito é evidente e de baixo nível. Por serem ativos na defesa de seus direitos, os caiçaras de Castelhanos são perseguidos por Colucci que até hoje não construiu uma escola, ou posto de saúde, para os filhos dos moradores.

Caiçaras e ONGs acionam a Justiça

Imagine a mixórdia em que se transformariam estes 25 km de costa. Imediatamente, caiçaras, ONGS e ambientalistas entraram na Justiça e, em novembro de 2022, esta decidiu a favor da Resex por, entre outras, ‘falta de informação e participação da comunidade tradicional’; ‘ausência de realização de audiências públicas’ e, finalmente, ‘Violação dos Arts. 191 e 192 da Constituição Estadual’.

Em seguida, os Procuradores descrevem a fauna e flora da baía de Castelhanos, e a extrema importância de sua preservação. E, adiante, reiteram: ‘Não por outra razão o local está inserido na região reconhecida como Patrimônio Da Humanidade de importância internacional.’

Eles ainda reconhecem ‘a presença histórica de grupo tradicional no território’, bem como ‘os atributos arqueológicos e históricos da área’.

Do mesmo modo, afirmam que “causa ainda maior perplexidade notar que o ente público municipal (em outras palavras, o projeto de extinção de Colucci) violou a sua própria Lei Orgânica…”

Depois de enumerarem dezenas de erros e omissões, afirmaram: “entende-se que estão presentes os requisitos para concessão de medida liminar (que mantém a RESEX de Castelhanos).

O final feliz

O final feliz desta história aconteceu agora. No dia 8 de agosto, por unanimidade, a Justiça declarou inconstitucional a lei municipal que extinguia a reserva extrativista (resex) Baía dos Castelhanos.

Contudo, a luta não acabou. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, em matéria de José Maria Tomazela ( 22/08), ‘a prefeitura de Ilhabela informou que vai recorrer da decisão “dadas as falhas insanáveis que comprometem o ato de criação da Resex (Reserva Extrativista), como a falta de autorização e homologação pela Secretaria de Patrimônio da União, ou seja, é uma reserva feita em cima de área da Marinha, sem anuência da União para isso”.

Assim age a grande maioria dos prefeitos de municípios costeiros Brasil afora. Se a sociedade não reagir, se ela não ficar atenta como os caiçaras de Castelhanos, em breve não sobrará pedra sobre pedra.

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