❯❯ Acessar versão original

Um pedido de socorro ao mar

Patrícia Villalba

Quem vê o Brasil da cadeira da praia não tem idéia de quanto do nosso litoral foi destruído nos últimos 50 anos. É muito, conclui o jornalista e fotógrafo João Lara Mesquita, que viu a costa brasileira, milha a milha, do Oiapoque ao Chuí, a bordo do seu veleiro Mar Sem Fim. Foi uma viagem em 33 etapas, de abril de 2005 a abril deste ano, feita para se transformar numa série de 90 documentários, exibidos pela TV Cultura.
Longe de esgotar o assunto e com o objetivo de continuar chamando a atenção para a saúde frágil do oceano, o jornalista resolveu publicar seus diários de viagem em O Brasil Visto do Mar Sem Fim, dois volumes ricamente ilustrados com fotos dele mesmo, que serão lançados na terça-feira.
Mesquita conta que montar a tripulação não foi difícil. O “fiel escudeiro” e imediato de bordo, Alonso Góes, estava escalado desde o início. Juntaram-se a ele o cinegrafista Paulo Cezar Cardozo e a jornalista chilena Paulina Chamorro. O grupo também recebeu convidados, que acompanharam partes da viagem, como o biólogo e velejador Fernando Cerdeira, o cinegrafista Rodrigo Cortegiano e a repórter Agis Variani. Também subiram à bordo a pintora
Patrícia Magano e a pesquisadora Maria Lúcia Abaurre, além dos filhos do jornalista, durante as férias.
Escalada a tripulação, Mesquita precisava resolver o roteiro da expedição.
Escolheu navegar do Norte para o Sul e, pensando nos lugares ermos pelos quais passaria – em especial no início da viagem – pediu apoio à Marinha.
Foi prontamente atendido.
A seguir, leia trechos da entrevista que João Lara concedeu ao Estado, em que ele fala sobre preservação ambiental e a necessidade de olharmos com mais atenção para o mar.

O quanto tinha de experiência de navegação antes dessa viagem?
Navego desde o fim dos anos 60, primeiro de barco, depois passei para veleiro. Tenho bastante experiência, já tinha 30 e poucas mil milhas quando fiz a viagem.

Você fala sobre o “relegado e maltratado espaço marítimo brasileiro”. É tanto assim?
Sim. Foi isso que me fez optar por um programa chamando a atenção para o mar. Eu ficava horrorizado de ver como, numa época em que as pessoas se preocupam tanto com o meio ambiente, as crianças aprendem sobre isso nas escolas, muitos lutam pelo Rio Tietê, pelo cerrado e pela Amazônia, mas vão à praia e jogam cigarro no mar. As pessoas não têm noção da importância do espaço marítimo como ecossistema fundamental para a vida humana. O mar
existe para os brasileiros como um espaço de lazer, significa praia, areia, cerveja, fim de semana e biquíni. Como a saúde do mar depende de como é feita a ocupação da costa, surgiu a idéia de fazer um programa do Oiapoque ao Chuí. Esse foi o mote do programa, com o objetivo de mostrar para as pessoas que não adianta salvar o continente e deixar o mar morrer, porque 71% do globo terrestre é formado por oceanos.

Esse descuido é só brasileiro?
Infelizmente é mais ou menos o que acontece no mundo todo. Não é exceção o brasileiro, apesar de a gente ter uma zona costeira gigantesca, não conhecer o mar ou não lhe atribuir importância. Todo mundo que estuda o mar fica horrorizado com o descaso do cidadão comum, não só aqui como nos EUA e na Europa. Porque o mar, você não vê, a vida marinha está toda debaixo d’água.
Durante a viagem, acabei entendendo essa apatia. A idéia do programa é lembrar às pessoas que se continuar assim, vamos naufragar.

Como ativista você é otimista? A consciência ecológica seria, então, um efeito de mídia?
É um efeito de mídia, mas já ultrapassou um pouco isso, depois que a comunidade científica mundial não tem feito outra coisa senão alertar sobre os perigos e problemas. Não importa como começou, o importante é que se tem essa consciência hoje. Só acho que as pessoas precisam se tocar de que os oceanos são parte fundamental do planeta. Está na hora de as escolas não falarem às crianças apenas sobre a Amazônia e a Mata Atlântica, mas de introduzirem também estudos sobre os oceanos, ainda mais agora, quando a gente discute as questões do clima na Terra. A comunidade científica já sabe dessa importância, só falta agora falar disso com o leigo. Sou otimista, sim, estamos no caminho certo.

E você navegou o tempo todo a cinco milhas da costa. Por quê?
A idéia era ir o mais próximo da costa, para poder observar a ocupação. Se a costa for bem ocupada, a saúde dos oceanos está bem preservada. Não houve um navegador dos séculos 18 e 19 que não tenha pirado quando chegou aqui. E essa beleza está sendo dilacerada, de maneira acintosamente grosseira. As pessoas não se ligam nisso porque em geral vão para a praia a pé. Mas quando você está no mar e vê aquelas mansões e prédios construídos na areia, se dá conta de quanto foi destruído. A impressão é de que 30 ou 40% da nossa costa já foi destruída.

O que dizer sobre os nossos portos?
O que vimos está todos os dias nos jornais. Mas talvez não esteja o impacto que sofremos. Não fui eu que descobri que temos apenas 45 portos no Brasil, e que eles não têm infra-estrutura para receber navios de grande porte e muito menos para lidar com acidentes. Os portos brasileiros estão numa
situação de miséria, como quase toda a infra-estrutura do País, apesar de 95% do comércio exterior depender deles. Como as pessoas não sabem da importância do mar, não há pressão da opinião pública sobre a questão. O governo foi pressionado e até que conseguiu diminuir o desmatamento na Amazônia. No caso do mar, não acontece isso. Cerca de 30% de todos os continentes do mundo são protegidos por reservas, e menos de 0,01% dos oceanos é protegido.

Você foi assaltado, pegou tempestade, encalhou. Qual foi o pior momento da viagem?
Todos esses momentos que você citou tiveram final feliz. Medo sempre tem, mas não acho que houve um pior momento. Tive medo em vários lugares, em cada entrada de rio que a gente ia fazer, por exemplo. Mas não teve nenhum
momento mais dramático do que uma viagem desse tipo impõe. É normal que aconteçam coisas assim numa viagem dessas, você só tem de estar pronto para reagir.

Serviço
O Brasil Visto do Mar sem Fim. De João Lara Mesquita. Editoras Albatroz e Terceiro Nome. 2 volumes de 312 págs. (cada um). R$ 198. Restaurante Dom Pedro. Rua Augusta, 2.805. Lançamento na 3.ª, às 19 horas

Sair da versão mobile