Reserva Extrativista de São João da Ponta, no Pará
Reserva Extrativista de São João da Ponta: área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Sua criação visa a proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
CARACTERÍSTICAS
BIOMA: Marinho Costeiro
ÁREA: 3.409,44 hectares
LOCALIZAÇÃO: município de São João da Ponta, Pará
DIPLOMA LEGAL DE CRIAÇÃO: Dec s/nº de 13 de dezembro de 2002
Tipo: uso sustentável
Plano de manejo: a UC não tem Plano de Manejo
CADERNO DE ANOTAÇÕES
Chegamos ao penúltimo estado costeiro, o que já é uma vitória. Faltam apenas Pará e Amapá, e as ilhas oceânicas de Fernando de Noronha, Atol das Rocas e Penedos S. Pedro e S. Paulo, para concluirmos esta reportagem que, pela primeira vez mostra aos brasileiros onde estão, o que têm de especial, e como são geridas, as Unidades de Conservação Federais Marinhas. Elas são de extrema importância para a integridade dos oceanos como ecossistema.
Noventa por cento da vida marinha começa nesta área de transição entre mar e terra firme
É nela que ficam os mangues, costões rochosos, áreas de arrebentação, praias, restingas, estuários, enfim, esta é a parte do ‘imenso e possível oceano’ (Fernando Pessoa) que gera a vida nos mares.
A importância da zona costeira e seus inúmeros ecossistemas, reconhecida na Constituição Brasileira como “patrimônio nacional”, não deixa dúvidas sobre a necessidade de mais UCs no bioma. Assim diz a Lei Maior: “sua ocupação deve se dar de forma autossustentável (artigo 225, parágrafo quarto)”.
A ideia do projeto mar sem fim
Fomos conferir as Unidades de Conservação marinhas. São muito poucas, não mais que 60, correspondendo a apenas 1,5% da costa brasileira, apesar da meta governamental, e de metas internacionais assinadas pelo Brasil (metas de Aichi), serem de “proteger” dez por cento de áreas no mar territorial e zona costeira. Nunca um veículo de comunicação fez um levantamento tão completo. Tristes, estamos mostrando o estado deplorável dessa “proteção”.
Nossas Unidades de Conservação, ‘são para inglês ver’
Não protegem coisa alguma. Chego à conclusão de que o ICMBio não tem condições de continuar a geri-las. Falta investimento. Infelizmente o meio ambiente não é visto como prioridade pelos políticos.
E sem investimento a precária situação que temos visto e descrito não vai mudar. Uma das possibilidades seria fazer parcerias e ou concessões com o setor privado, como o Governo Federal faz com rodovias e outras grandes obras.
Outra seria divulgar mais os Parques Nacionais e cobrar entrada. Parte do dinheiro arrecadado poderia ser reaplicado nas várias UCs, melhorando suas estruturas, ou pagando parte dos custos.
O fato concreto é que, assim como está, não pode ficar. O maior ‘ativo’ brasileiro é sua extraordinária biodiversidade. Somos o País de maior biodiversidade do mundo. Não se pode jogar no lixo esta vantagem competitiva.
Como temos falado muito no ICMBio, que tal conhecer sua história?
O surgimento do ICMBio
O órgão foi criado por Marina Silva, em Agosto de 2007. A Lei que criou o ICMBio, desmembrando o Ibama, Lei Nº 11.516, estabeleceu cinco metas principais ao novo órgão:
I – executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento (grifo meu) das unidades de conservação instituídas pela União;
II – executar as políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis e ao apoio ao extrativismo e às populações tradicionais nas unidades de conservação de uso sustentável instituídas pela União;
III – fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação ambiental;
IV – exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação instituídas pela União; e
V – promover e executar, em articulação com os demais órgãos e entidades envolvidos, programas recreacionais, de uso público e de ecoturismo nas unidades de conservação, onde estas atividades sejam permitidas.
Objetivos até agora não cumpridos. O ICMBio é incapaz de fiscalizar. Sem isso, não protege. Como assegurar a conservação da biodiversidade sem proteção?
Dificuldades no caminho do ICMBio
A primeira foi a decisão do STF que considerou a criação do órgão inconstitucional. Mais tarde, em 2012, o STF volta atrás e valida o surgimento do ICMBio.
É voz corrente entre ambientalistas, e alguns gestores do próprio ICMBio, que sua criação “se deu sem qualquer planejamento e sem os investimentos minimamente necessários para sua estruturação, em termos de pessoal, infraestrutura e recursos financeiros“.
O “orçamento da União destinado ao ICMBio nunca foi suficiente, diminuiu em 2013, e deve diminuir ainda mais em 2014” mal chegando aos 200 milhões de reais.
Se é para isso, melhor seria manter o Ibama e não desmembra-lo, “transferindo os recursos orçamentários de um (Ibama) para o outro (ICMBio)“ como estabeleceu o parágrafo Terceiro da Lei que criou o ICMBio.
O erro de Marina
Como disse o colunista Dener Giovanini “o ICMBio foi criado em 2007 pela ex-ministra Marina Silva, numa estratégia de picotar para enfraquecer. Tirou o ICMBio das entranhas do Ibama e acabou enfraquecendo as duas instituições.”
O fato apontado por Dener foi motivo de greve dos funcionários que concordavam com a avaliação: “a cisão do Ibama seria uma forma de enfraquecê-lo”.
Os problemas começaram desde o início com o desentendimento entre a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e o segundo presidente do órgão, Rômulo José Melo (o primeiro foi João Paulo Capobianco, interinamente; depois Rômulo, seguido por Roberto Ricardo Vizentin – 29/03/2012 a 28/04/2015- e, finalmente, Cláudio Maretti nomeado em março deste ano).
Izabella, de acordo com matéria do site O Eco, ‘jamais apoiou a criação do ICMBio’ e ainda se desentendeu com Rômulo chamando-o de “171 ambiental.”
Sempre houve dúvidas sobre a criação do órgão
A ‘Folha do Meio Ambiente’ destacou que “ainda sem uma estrutura bem definida, nem a missão, metas e visão do futuro, o ICMBio carece de planejamento e de recursos humanos.”
Um dos maiores problemas do órgão, consenso entre ambientalistas, é o passivo a ser pago aos proprietários de terras cujas áreas foram desapropriadas para a criação de unidades de conservação.
Numa entrevista, em 2013, o então presidente do órgão Ricardo Vizentin calculava o montante em 12 bilhões de reais. Há vários outros problemas mas, em minha avaliação, os dois mais importantes são a falta de compromisso do Governo Federal, e a omissão, e/ou, ignorância da população que não se mobiliza de fato, a não ser na comodidade das redes sociais, com o tema ambiental marítimo.
Sem pressão da opinião pública nada será feito. Este é o mote da democracia: pressão popular. E quase não existe pressão com a questão que motivou o nascimento deste site: a importância da criação de mais Unidades de Conservação no bioma marinho, além de equipar e adotar um regime de liberação de verbas que permita que as atuais cumpram suas obrigações.
Reserva Extrativista na Amazônia
Já disse, em matérias anteriores, de minha descrença quanto à criação de mais reservas extrativistas na costa brasileira.
Vide Resex, problema ou solução, na reportagem sobre a resex Batoque. Acontece que estamos na Amazônia legal cuja área corresponde a 60% do território nacional.
Ela é formada por nove estados e a principal atividade é o extrativismo. De acordo com dados do IBGE (2011) nesta região vivem cerca de 25 milhões de brasileiros.
Não existem políticas públicas capazes de tirar esta população da indigência
Até hoje não existem políticas públicas capazes de tirar esta população da quase indigência. Um estudo feito pela Embrapa, Extrativismo, Biodiversidade e Biopirataria na Amazônia, mostra que “na Amazônia, a extração de recursos naturais tem sido o ponto de apoio na atividade de comércio exterior desde os primórdios de sua ocupação (pag. 18).”
Assim foi com o cacau que, “na economia colonial, respondeu por até 97% do valor das exportações” (pag. 18). O estudo ressalta que “foi assim também com a seringueira, terceiro produto da pauta das exportações nacionais por 30 anos (1887–1917), e que atingiu o pico de participação em 1910, quando foi responsável por 39%, e, novamente, em 1945, por ocasião da II Guerra Mundial, ano em que representou 70% das exportações da Região Norte (pag. 18).”
Apenas como reforço, vale lembrar que o primeiro ciclo econômico brasileiro deveu-se ao extrativismo do pau-brasil. Mais importante ainda, é relembrar o que aconteceu com o estoque desta árvore: ele quase desapareceu…
Reservas extrativistas são consideradas uma alternativa de se evitar o desmatamento
O estudo da Embrapa ressalta que “as reservas extrativistas estão sendo consideradas como uma alternativa de se evitar o desmatamento na Amazônia. Também são consideradas como uma melhor opção de renda e emprego. Além disso, atribui-se a essa atividade a proteção da biodiversidade, e o fato de poder ser uma barreira para conter a expansão da fronteira agrícola. Isto constitui um grande equívoco, uma vez que o ato de desmatar é um reflexo da situação econômica do extrator (pag. 24)”.
Pelo exposto, parece que minha tese sobre as Reservas Extrativistas tem fundamento. Nesta viagem visitamos três delas: a Reserva Extrativista de São João da Ponta; Mãe Grande de Curuçá e Caeté-Taperaçu.
Reserva Extrativista de São João da Ponta
Próxima à cidade de Bragança, o forte na resex de São João da Ponta é a extração do caranguejo-uçá, em primeiro lugar, e a pesca, em segundo.
A média da extração do Uçá é de 40 mil indivíduos por mês. Mas já tiveram um pico de 80 mil! A técnica para a captura é o braço com gancho, e o laço.
Normalmente os caranguejos são extraídos apenas com o braço. O caboclo deita-se sobre o mangue, enfia o braço no buraco feito pelo crustáceo, e o retira com a mão.
Na resex de São João da Ponta os extrativistas foram obrigados a usar um gancho, já que os caranguejos ficam mais abaixo que seus braços alcançam.
O uso do gancho provoca danos ao crustáceo a tal ponto que, às vezes, inviabiliza sua venda. O fato deles estarem mais abaixo que o normal já é um sintoma de que o estoque está diminuindo.
Reserva Extrativista de São João da Ponta e a técnica do laço
As 400 famílias inscritas na resex passaram a usar o laço na captura. Este sistema era condenado pelo Ministério do Meio Ambiente que só permitia a captura nas UCs com o uso do braço, ou braço mais gancho.
Foi preciso o pessoal da resex entrar com um apelo até provarem que a técnica do laço provoca menos danos que o braço com gancho. Acabaram autorizados a prosseguir.
Os laços são feitos com uma linha de nylon amarrada a um pequeno graveto que é fincado ao lado das tocas. Num dia o caboclo coloca seus laços nas várias tocas que encontra. Quando o caranguejo sai, acaba se enroscando e ficando preso. No dia seguinte é só recolher aqueles que não foram comidos por guaxinims.
Problemas na Reserva Extrativista de São João da Ponta
O problema maior da resex de São João da Ponta é que não se sabe ao certo a quantidade de caranguejos de sua área. Sem esta informação não se pode determinar qual quantidade extraída é capaz de manter a sustentabilidade.
Para superar este problema a resex está sendo ajudada pela ONG Conservação Internacional que no momento desenvolve um estudo no local. Conversei com Marina Nunes, coordenadora de projetos da CI, que nos contou que a ONG está estudando todas as fases do processo, tanto para caranguejos, como para a pesca.
O trabalho procura determinar desde a quantidade existente na área da resex, até as melhores técnicas de captura, embalagem e envio para o destino final. Este estudo da CI faz parte do projeto Pesca + Sustentável, e visa desenhar toda a cadeia produtiva, da captura até o consumidor final, encerrando o trabalho com a criação de um aplicativo para smartphones que informará o consumidor sobre a procedência do pescado. A data para acabar o trabalho é 2016.
O projeto manguezais do Brasil, já comentado em reportagens anteriores, também está estudando o potencial da resex. Foi preciso esperar treze anos, desde a criação da unidade, para começar um trabalho tão essencial. Por aí se vê qual o ritmo do ICMBio… e o tamanho do risco do estoque ser afetado pela morosidade burocrática.
Da produção, na Reserva Extrativista de São João da Ponta, até o consumidor final
Da produção total mensal, 10% ficam na própria região. O restante é vendido para outros estados, especialmente Brasília, Manaus e Maranhão.
O envio é outro dos gargalos. No passado algumas resex chegavam a perder até 60% da produção nesta fase. Os caranguejos morriam esmagados quando eram colocados nas carrocerias de caminhões.
Hoje, com novas técnicas, esta perda foi reduzida para menos de 10%, embora algumas vezes esta porcentagem aumente significativamente, podendo ocasionalmente chegar até 50%, como me foi dito por uma das catadoras.
O preço, até pouco tempo atrás, era de 0,40 reais a unidade. Nesta resex eles vendem por sacos, cada um com cem caranguejos. Depois das melhorias conseguidas no processo de envio o preço unitário subiu para 1,66 reais.
Pesca na Reserva Extrativista de São João da Ponta
Assim como no caso dos caranguejos, não se sabe a quantidade de peixes que frequentam as águas da resex. Sem este dado fica impossível determinar qual a quantidade mensal a ser extraída para manter a sustentabilidade. Estes são alguns dos motivos que me fazem duvidar da eficácia deste tipo de Unidade de Conservação.
Os pescadores da resex usam vários métodos de captura: desde a linha de mão até espinhéis, e vários tipos de redes, tarrafas e armadilhas.
De acordo com o gestor que nos recebeu, Waldemar Vergara, a produção do pescado aumentou desde que proibiram o uso da rede poitada (rede presa, fixa, nos braços de rio). Esta rede era usada para fechar a boca/entrada de um rio, por exemplo.
Colocavam três delas em sequência. A primeira com malha de 30 milímetros, logo em seguida punham outra com malha menor, de 25 mm. Finalmente, depois desta, vinha a terceira, com malha de 20 mm.
Não havia como o peixe escapar. Só que, juntos, vinham espécies adultas e outras que ainda nem tinham entrado no ciclo de reprodução. Isso equivale a exterminar qualquer espécie.
Estrutura da Reserva Extrativista de São João da Ponta
Como todas as outras, é mínima, apenas o Chefe, que é analista ambiental, mais um fiscal. A unidade não tem barcos.
A crítica mais comum que se ouve é sobre a falta de fiscalização eficiente. E ela tem fundamento. O próprio chefe reconhece que não conseguiu parar de vez com as redes poitadas, “em Curuçá ainda tem uns teimosos que usam”. De acordo com Waldemar Vergara, “a equipe ideal deveria ter mais um técnico de apoio administrativo.”
Reserva Extrativista de São João da Ponta
Ela é pequena, apenas 3.400 mil hectares, sendo que 2.200 formados por mangues. O eixo central de nossa visita foi o rio Mocajuba cercado por mangues, com arvores de até 30 metros de altura.
Para quem está acostumado com os mangues do sudeste, é impressionante conhecer os do Pará. As árvores têm o triplo da altura e suas copas são ainda mais fechadas. No nível da água, explodem para fora as raízes aéreas, formando um cipoal de apoio às árvores, imenso, bonito de ver.
SERVIÇOS
Não há qualquer restrição quanto à visitação das Reservas Extrativistas. Mais informações sobre a Unidade de Conservação: COORDENAÇÃO REGIONAL / VINCULAÇÃO: CR4 – Belém
TELEFONE: (91) 3241.2621 / 3224-5899
Assista ao documentário produzido durante a visita à Reserva Extrativista de São João da Ponta