❯❯ Acessar versão original

Reserva Extrativista do Arraial do Cabo, Rio de Janeiro

Reserva Extrativista do Arraial do Cabo, Rio de Janeiro

Reserva Extrativista do Arraial do Cabo, Rio de Janeiro: entenda 

Área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Sua criação visa a proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. As populações que vivem nessas unidades possuem contrato de concessão de direito real de uso, tendo em vista que a área é de domínio público. 

BIOMA: Marinho Costeiro

ÁREA: 51.601,46 hectares

DIPLOMA LEGAL DE CRIAÇÃO: Dec s/nº de 03 de janeiro de 1997

Municípios: Arraial do Cabo

Plano de Manejo:

Tipo: uso sustentável

A Resex Arraial do Cabo.

Reserva Extrativista do Arraial do Cabo, Rio de Janeiro: CADERNO DE ANOTAÇÕES

Ceticismo quanto às resex

Sou cético quanto a este modelo do SNUC. Resex significa “reserva extrativista” . De acordo com a definição do ICMBio as Resex “visam a conciliar a exploração do ambiente com a garantia de perenidade dos recursos naturais renováveis, considerando os processos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável.”

Elas são criadas desde que algum grupo peça o benefício provando viver assim. O ICMbio faz suas checagens e, em caso de confirmar as ‘boas práticas’, ou a ” garantia de perenidade”, decreta a área como uma reserva extrativista ao mesmo tempo em que cataloga aqueles considerados aptos a usar seus recursos.

Ano após ano os recursos diminuem nas resex

Minha dúvida diz respeito a dois fatores: até agora as resex visitadas, como a de Pirajubaé, em Santa Catarina, onde extraem berbigão, ou vôngole, além de camarões e peixes,  caminha para a diminuição de seus recursos. Ano após ano eles são menos abundantes , confirmei nas entrevistas com os extrativistas.

Ao criarem uma resex, muitas pessoas de outras áreas, com a corda no pescoço, declaram que viviam daquele espaço. Com isto recebem o direito de também explorar a reserva. Fora o aumento natural de pessoas, que cresce com o passar das gerações.

Futuro próximo aponta esgotamento dos recursos nas resex

Com tudo junto, e as dificuldades de sempre na fiscalização, ponto dos mais fracos do ICMbio; ou da impossibilidade na ajuda financeira para a infraestrutura da UC, o futuro próximo aponta para o esgotamento dos recursos nas resex. Eis porque não me convence esta categoria do SNUC.

Seja como for, visitei a do Arraial de peito aberto, sem tirar conclusões antecipadas, apenas alerta para este aspecto.

A criação da Reserva Extrativista do Arraial do Cabo, Rio de Janeiro

Criada em 1997 a Reserva Extrativista do Arraial do Cabo tem plano de manejo  e seu conselho cultivo funciona regularmente. Como o forte da  região é a pesca tradicional, até em razão da ressurgência, a prioridade da UC é o ordenamento pesqueiro. Até o momento mil e seiscentas famílias foram homologadas. Uma vez aceitas, as pessoas têm direito a vantagens na hora de conseguir a casa própria, ou na compra de apetrechos de pesca.

Ressurgência

Gráfico mostrando a ressurgência (prof. Alexei Nowatski)

Fenômeno dos oceanos que em razão de questões físicas, como a força Coriolis (de rotação da Terra), traz a água profunda, rica em nutrientes, para a superfície. Ele acontece nas proximidades de Cabo Frio. Daí o nome do cabo: ” Frio”, pela subida das águas polares, que faz com que aumente significativamente a produtividade da pesca.

O primeiro susto na Reserva Extrativista do Arraial do Cabo: a especulação dá as cartas

O primeiro susto foi constatar o absurdo crescimento da cidade. Passeando de carro pelas estradas do Arraial do Cabo passamos ao lado do centro. E que centro urbano!! O que aconteceu  foi uma ocupação em massa, dificilmente sustentável, mesmo com muita boa vontade e tecnologia.

Perdi o fôlego ao ver a cidade de cima. Um horror. Mais uma vez o panorama lembra um deserto de cimento. Não há quase árvore nenhuma entre uma casa e outra, apenas o cinza do cimento, vomitado em todas as direções.

Assim vão destruindo o litoral brasileiro. Não há planejamento, muito menos infraestrutura para suportar tanta gente.

Não há praças, e são poucas as avenidas. Tudo que se vê são casas, centenas de casas, que explodem em todas as direções, atropelando qualquer plano diretor numa fúria enlouquecedora para formar um cenário urbano desolador. Um Frankenstein urbano.

O absurdo superadensamento nas praias. Era uma vez uma praia bonita…

Mas, lá no fundo da alma deste povo, pelo menos dos nativos, repousa uma arte popular centenária: a pesca em mutirão, e outras modalidades.

A Pesca na Reserva Extrativista do Arraial do Cabo

Uma das mais concorridas é a pesca de cerco, usando redes a partir de pequenos barcos de pesca, as traineiras.

Chocante: o mesmo local da foto anterior tem paisagens como esta.

Curiosidade

Ao subirmos o penhasco, acompanhados por uma caiçara, de repente passamos ao lado de uma moita. Já estávamos indo embora quando ele nos chamou para mostrar o que só seus olhos viram: uma jiboia se refastelando com um passarinho. Coisas de quem anda no mato…

Em nosso trajeto a natureza vai se mostrando…

Várias modalidades de pesca na Reserva Extrativista do Arraial do Cabo

Outra, bem diferente também é feita com rede, mas na praia. Esta modalidade exige que um pescador fique em cima dum penhasco com visão total da praia. Enquanto isto, outros quatro ou cinco navegam numa única grande canoa de pau, com remos eles ajudam a cercar o peixe.

De cima do penhasco um pescador observa a entrada do cardume.

O pescador observador, no alto, percebe a chegada do cardume e dá o aviso aos de baixo, que estão no barco.

Da canoa os pescadores ajudam a encurralar o cardume.

Em poucos minutos diversas pessoas que estavam na praia, aparentemente à toa, se oferecem para ajudar a puxar a rede, enorme, muito pesada. E começa um lindo trabalho em mutirão, tradição tipicamente caiçara. Depois o peixe é distribuído para todos que ajudaram. Generosidade que só as comunidades carentes ainda praticam.

Começa o mutirão: todos ajudam.

Outra modalidade é a pesca artesanal da Lula, usando velas ou luzes, nas madrugadas em pequenas canoas do lado de fora dos paredões da ilha do farol.

A água ferve de tantos peixes.

Novas gerações resistem em dar continuidade à tradição

Estas pescarias são centenárias na região mas, como todas as outras, sofrem com resultados  minguantes. As novas gerações resistem em dar continuidade à tradição. O lucro, é baixo; custo, alto, e risco grande. A preferência dos jovens é o turismo de base comunitária, ainda incipiente.

Rede cheia de Bonitos.

A ocupação na região da Reserva Extrativista do Arraial do Cabo

Na década dos 40 a estatal Alcalis, que produzia produtos químicos, se instala na região. Inaugurada em 1953, deixou como herança centenas de pessoas que vieram para trabalhar e morar…

Na década de 90 a empresa faliu. Foi privatizada em seguida. Ela é a maior  dona de terras em Cabo Frio, e durante anos causou prejuízos com seus efluentes despejados in natura.

Cabo Frio ainda sofre ação direta do turismo de massa, além de ser uma zona portuária já que aqui está instalado o Porto do Forno, desde 1924, época da extração do sal, hoje apoiando a extração de petróleo off shore.

Bioinvasão na Reserva Extrativista do Arraial do Cabo

O porto contribui para a bioinvasão.

Coral-sol na Resex Arraial do Cabo, Rio de Janeiro

É alta a bioinvasão, e perigosa para o futuro da UC. Com a proximidade das plataformas de petróleo, ou barcos supliers, que trabalham exclusivamente para as necessidades do pré-sal, não há como evitar a bioinvasão. O coral sol, além de outros intrusos, já estão se aproveitando do novo ambiente…

Estes enormes barcos dão suporte às plataformas de petróleo.

E tudo isso num cenário ainda cinematográfico. Para vê-lo basta chegar perto dos lugares onde o ser humano ainda não se instalou por falta de estradas.

O Boqueirão e sua linda cor de água.

Ao nos aproximarmos de um deles, como o Boqueirão, ficamos de boca aberta com a beleza. O cenário lembra uma arena. A arquibancada, os morros e pedras que circundam a porção de mar que, aprisionado e cercado, torna-se o palco principal.

O Boqueirão, estreita abertura na rocha em direção ao mar aberto, é o portão de acesso, o portão principal; e o gramado, o mar em tons inacreditáveis verde e azul, claros e translúcidos em razão do fundo raso de areia.

O lugar é de uma beleza fora de série. Candidato forte para um dos dez mais bonitos do nosso litoral.

Barcos tradicionais na Reserva Extrativista do Arraial do Cabo

Outra riqueza são os barcos tradicionais, especialmente canoas, ainda em uso.

A chegada de mais uma canoa retornando de um dia de pescaria.

São vários os tipos: desde as menores, até imensas canoas de pau. Felizmente, hoje estes barcos tradicionais são considerados patrimônio cultural dos brasileiros.

Técnica superior: eles entram na arrebentação de popa!

Para construí-las é preciso muita prática, normalmente passada de pai para filhos há gerações.

No desembarque do pescado nova ação em mutirão, antiga tradição caiçara.

O Brasil ainda é o país com maior diversidade de embarcações típicas, ainda que seu número esteja diminuindo drasticamente em razão da diminuição da pesca, e da concorrência com os barcos a motor.

Como sempre parte do pescado é dividido.

Os conflitos na Reserva Extrativista do Arraial do Cabo

Como em todos os recantos do litoral brasileiro, aqui também há conflitos. Um deles acontece entre pescadores artesanais, que usam pequenas canoas de um só tronco, a remo, e os donos de traineiras motorizadas. Ambos reclamam da resex, seja pela falta de investimentos, seja pela ordenação da pesca. Todos se consideram prejudicados.

Entrevistei o representante das traineiras no Conselho da UC, José Maria Fernandes. Para ele ” a luz apagou. Não existe investimento nem para uma fábrica de gelo.” José representa entre 80 a 100 famílias.

Canos tradicionais na resex.

Em outros textos já falei da sina desta gente do litoral, abandonados pelo poder público, que trabalha de sol a sol numa profissão perigosa e ingrata. Se cada comunidade pesqueira tivesse apenas um freezer, suas vidas melhorariam sensivelmente.

Conflito entre pescadores de canoas e traineiras, como esta.

Tão pouco para alcançar e, mesmo assim, não conseguem. Ano atrás de ano, dia após dia, a reivindicação é a mesma. A resposta? Vaga.

E esta afronta é contra a parcela de pescadores que representa 60% do total de profissionais, estimado em 900 mil pessoas, no Brasil.

Maiores inimigos da pesca na Reserva Extrativista do Arraial do Cabo

Perguntei a José quais os dois maiores inimigos da pesca em Arraial do Cabo. A resposta foi direta, curta e grossa: “o turismo e a sísmica (emissão de jatos de água, submarinos, usados na prospecção de petróleo).”

Já o representante dos artesanais, Eraldo, reclamou da concorrência dos donos de traineiras que “invadem” todos os pesqueiros da região. Para ele a “resex foi um presente, mas o pescador só perdeu espaço para o turismo desordenado.”

Os dois têm razão.

Não é possível dotar uma cidade como Arraial, com o crescimento vertiginoso que teve nos últimos anos, de infraestrutura adequada. A cidade, e os serviços, só podem ser de segunda qualidade. E além disto, a pesca está ameaçada no mundo inteiro.

O superadensamento e, ao fundo, o porto.

Esta “extração” milenar que o homem faz dos recursos marinhos, sem dar tempo para que eles se reproduzam, ou atinjam a idade de se reproduzirem, está acabando com  a pesca em todos os oceanos.

90% dos peixes grandes já se foram

Os pesquisadores sérios não cansam de avisar que o fim se avizinha. As estatísticas são bombásticas: “90% dos peixes grandes já se foram em razão da pesca; por ano, 20 milhões de toneladas são descartadas, este o tamanho da  fauna acompanhante mundial (dados da FAO); a frota pesqueira mundial é três vezes maior que a capacidade dos oceanos (revista Science).” E por aí afora.

No Brasil não é diferente. Ou melhor, pode até ser, já que “70% de nosso mar é tropical, quente, pobre em biomassa pesqueira.” Sendo pobre em biomassa, os efeitos da sobrepesca podem ser ainda mais violentos.

O turismo na Reserva Extrativista do Arraial do Cabo e imediações

Sobre o turismo, conversei com Paulo Lopes, há 25 anos levando pessoas para o mergulho de observação. Paulo concorda que o crescimento desordenado não traz benefícios. Sua experiência como mergulhador mostra que o fundo do mar foi afetado para pior nos últimos anos. É gente demais. ” No começo era só minha operadora, hoje somos treze”, diz, “é insustentável”.

“Se a gente conseguir novas regras, especialmente fiscalização, vamos conseguir melhorias”, finaliza.

O preço do pescado

Um real por quilo de peixe é muito pouco!

Esta é outra questão que se impõe, e que começa a ser mais estudada por especialistas. Não foram poucos os que levantaram o tema quando eu os entrevistei, preocupados com a sina dos nativos, pescadores artesanais, espalhados pelo litoral brasileiro.

Veja-se o caso de Arraial, abarrotada de gente, e lotada de turistas nas férias e feriadões.

Com a pesca de rede, na praia, capturaram cinco toneladas de Bonito, num dia, e três e meia toneladas do mesmo peixe, no dia seguinte. O quilo é vendido por um real. Apenas um real.

Muito trabalho para pouco resultado financeiro.

A maricultura enfrenta o mesmo dilema. Ostras são vendidas a dez reais a dúzia, o mexilhão a cinco reais o quilo, e as vieiras, 30 reais a mesma porção. Num restaurante de Salvador, o DAS, na Marina Bahia, uma porção de vieiras sai por 98,90 reais. No mesmo estabelecimento uma das entradas é uma porção de duas ostras gratinadas, ao custo de 28,80 reais. Alguém está ganhando muito em cima do trabalho de outros. Não está certo.

A maricultura também não é valorizada: os preços são muito baixos.

“Tá difícil viver”, diz o pescador. ” Falta fiscalização”, repete o mantra…

E eu diria: falta rever a cadeia de produção, estudar cada etapa, verificar sua importância, e atribuir preço justo.

Não é possível que o peixe e frutos do mar, cada vez mais escassos e difíceis de serem pescados ou criados, continuem eternamente com o mesmo baixo preço especialmente na ponta produtora: os pescadores e criadores. É contra as regras da economia. Só acontece pelo abandono e falta de políticas públicas para esta gente.

Maricultura

A iminente falência da pesca faz crescer a maricultura. Temos visto isto em todas as comunidades que visitamos. Os resultados nem sempre são os mesmos.  Noventa por cento da produção brasileira está concentrada em Santa Catarina.

Aqui, no Arraial, há dez anos começou a produção de mexilhão, ostras e vieiras . Alguns pescadores conseguiram um pequeno aumento de renda com a atividade.

Mas ainda é cedo para considerar esta prática como solução para os problemas dos nativos. O tempo de maturação não é curto, são seis meses em média.

É preciso achar um local bom, abrigado para a colocação das armadilhas, ou casulos, onde os mariscos aguardam filtrando a água atrás de alimento, à espera de chegar ao tamanho ideal.

A oferta de sementes não é  capaz ainda de suprir todas as necessidades. O custo final é alto e os preços de venda, baixos.

A resex tem ainda muito a fazer pela frente. É preciso muito empenho para conseguir mais recursos humanos, especialmente para a fiscalização.

Trabalho é o que não falta.

Desejo melhores dias a todos que me receberam, com os quais conversei e convivi por uma semana. Gente simples e correta. Gente boa que merece melhor sorte. Mas, no fundo no fundo, não acredito em mudanças em prazo curto ou médio. São poucos os que se sensibilizam com o destino dessa gente.

SERVIÇOS

Não há qualquer restrição para o público visitar a área da Resex. Basta escolher um hotel ou pousada em Arraial do Cabo e aproveitar.

O telefone da Resex para contatos é:

ENDEREÇO / CIDADE / UF / CEP: Rua Marechal Floriano Peixoto, s/n, Praia dos Anjos – Arraial do Cabo/RJ. CEP: 28.930-000

TELEFONE: (22) 2622-1980 

Assista ao documentário que produzimos durante visita à Resex do Arraial do Cabo

Sair da versão mobile