Reminiscências de uma tarde domingueira por João lara Mesquita
Reminiscências de uma tarde domingueira: outro dia destes em São Paulo, um modorrento e ensolarado domingo, chamei dois amigos para almoçarem em casa.
Paulina Chamorro e Zé Nogueira (José Nogueira Neto), da turma da velha Eldorado, são pessoas especiais que trazem sempre uma boa garrafa de vinho, aperitivos, e sacos cheios de histórias divertidas pra contar. Adoro me reunir com eles. Saio mais leve. Passo uma tarde animada driblando o domingo sempre arrastado.
Os dois têm uma curiosa diferença de idade. Paulina acaba de completar 34 anos, é apresentadora, e repórter especializada em meio ambiente. Participou comigo da série de documentários Mar Sem Fim que percorreu toda a costa brasileira.
Zé Nogueira vai bater nos 83 em 14 de julho. Foi produtor de vários programas emblemáticos da rádio como o do Jô Soares. É íntimo da velha guarda da MPB, e estava na eldorado ainda antes ainda de eu assumir sua direção, em 1982. Boêmio e bom amigo, Zé é dono de uma simpatia que encanta qualquer geração.
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Mini mata atlântica em casa
Costumo receber os amigos ao redor de uma mesa no terraço traseiro de casa. Ela fica debaixo de uma armação de ferro cujo topo é coberto por uma trepadeira que tem dupla função: além da beleza de seu colorido, folhas verde-escuro com flores lilás, a ipoméia rubra e seus ramos barram a entrada do sol. Ao fundo dependurei vasos de samambaias com folhas que chegam até o chão.
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As paredes laterais serviram de substrato para outras espécies da mata- atlântica. Este é meu canto preferido. Um microcosmo verde. Com imaginação dá pra se sentir no meio da floresta.
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Programa de rádio, vinhos e Manoel Beato
Saltando no tempo, Zé contou dos bons vinhos que o amigo Manoel Beato leva pra rádio para degustar durante a produção do programa que comanda. Ante meu espanto, deu um olhar malandro em minha direção justificando com ironia:
João, você sabe, a emoção tem que ser preservada mesmo num programa gravado…
Reminiscências de uma tarde domingueira e o ambiente da eldorado nos anos 80
O ambiente da Eldorado dos anos 80, instalada num apêndice do velho prédio do Estadão, na rua Major Quedinho, veio à mesa acompanhado por doses de nostalgia.
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Num determinado momento, não sei porquê, Paulina relembrou nossa viagem de veleiro enquanto produzíamos os documentários para a TV Cultura.
De repente ela comentou a chegada em São Luis, no Maranhão, em pleno São João, vindos Pará.
Este trecho da navegação foi de embasbacar. Uma constelação de surpresas. Conhecemos as cidades históricas de Vigia, onde recebemos a notícia da eleição de João Paulo II, relembrou Paulina; e Bragança, às margens do rio Caeté, com prédios históricos monumentais.
Navegando mais ao largo, acabamos fundeando na Ilha dos Guarás que abriga um gigantesco ninhal destas raras aves vermelhas.
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De lá para outra ilha encantada, Algodoal, uma espécie de paraíso natural, semi-virgem, da costa paraense. E foi assim, de surpresa em surpresa, que arribamos em São Luis na época de São João.
Ao entrarmos no Golfão Maranhense o colorido e a elegância das embarcações típicas me surpreendeu. Havia dezenas delas, de todos os tipos. No meu caso foi paixão a primeira vista. Fui fundo. Estudei o tema, fotografei os modelos e alguns anos depois lancei o livro Embarcações Típicas da Costa Brasileira.
Mas era apenas o começo.
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São Luis em pleno Boi- bumbá
Descer no centro histórico de São Luis, tropeçando no Boi Bumbá embalado por sotaque de orquestra, foi o grande prodígio. No meio de ruelas cercadas por casarões azulejados, blocos fantasiados puxavam massas dançando atrás do Boi.
Impossível ficar parado diante daquela explosão de sons, ritmos e cores.
Nas águas barrentas do golfão maranhense, nas ruas e becos de São Luis com suas calçadas feitas em pedra de cantaria (espécie de mármore português, trazidas nos porões das naus e caravelas como lastro, desde o século XVII), ou na tradição original do Boi Bumbá, quanta história e beleza desfilava na nossa frente!
Paulina não precisou esticar muito a conversa. Bastou lembrar nossa chegada para estas cenas embaralharem minha memória durante toda aquela tarde. Que viagem fabulosa a do Mar Sem Fim! Dois anos de descobertas, aprendizado e cenários deslumbrantes. Um atrás do outro.
Tradição, história, e saberes acumulados por gerações desde que os portugas desceram nestas praias desfilavam em nossa frente de modo ainda autêntico. E esta foi apenas uma das 33 etapas…
Para mim foi uma escola muito mais que viagem. A melhor que jamais freqüentei. Depois de colocar recentemente neste blog histórias e sentimentos tão pesados, não resisti em dividir também as boas reminiscências. Bem-vindo a bordo!
(foto do destaque: envolverde.com.br)
Leia o disse Veja São Paulo sobre o livro Eldorado – a Rádio cidadã