Prefeito de João Pessoa insiste em empinar os prédios da orla
A Constituição da Paraíba já foi citada neste site como exemplo de proteção ao litoral. Tudo começou em 1970, quando a Câmara Municipal de João Pessoa aprovou uma lei que limitava a altura dos prédios a três andares numa faixa de 500 metros a partir da praia. Em 1989, ao elaborar a Constituição, o Estado ampliou essa regra para toda a zona costeira. Assim, a Paraíba se tornou o único entre os 17 Estados litorâneos a conseguir conter a especulação imobiliária — a maior praga do litoral. Mesmo assim, de tempos em tempos, surgem tentativas de enfraquecer a lei e se render ao modelo destrutivo que arruinou a paisagem e a biodiversidade de outros litorais. Desta vez, o ataque veio do prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (sem partido), empresário da construção civil, ex-presidente do Sinduscon – PB (Sindicato da Indústria da Construção e do Mobiliário do Estado da Paraíba).

Mudar o gabarito não é o primeiro ataque de Cícero Lucena
Em 2023, o Mar Sem Fim denunciou a tentativa do prefeito de João Pessoa de arruinar a orla do município. O plano previa uma engorda de praia e, em seguida, a construção de uma via pública ligando o Cabo Branco à Ponta do Seixas, por baixo, contornando uma falésia viva, em que a erosão marinha ainda está em curso! O custo da intervenção de Lucena seria de apenas R$ 200 milhões de reais!
O trabalho feito a olho, sem critérios técnicos, acirrou ainda mais a erosão segundo pesquisadores. ‘Para conter a erosão, uma das soluções adotadas pela Prefeitura de João Pessoa foi a deposição de pedras na encosta da falésia, enrocamento. Em consequência, a obra vem provocando erosão progressiva e alteração na dinâmica da linha de Praia do Cabo Branco, principalmente na porção sul, perto da Praça de Iemanjá’.
Prefeito de João Pessoa ultrapassa os limites da ignorância
É preciso ultrapassar os limites da ignorância para propor uma construção ao redor de uma falésia em processo erosivo. A ideia é tão absurda quanto ofensiva. Desafia o bom senso, zomba da inteligência coletiva e confirma o que sempre dissemos sobre os prefeitos do litoral. Em geral, são figuras medíocres que buscam o cargo para tirar proveito dele — e não para servir à população, como parece ser o caso do empresário da construção civil que hoje governa João Pessoa.
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Há anos denunciamos que muitos prefeitos alimentam e lideram a especulação imobiliária. Esses dois casos confirmam o alerta. Felizmente, no episódio da via pública ao redor da falésia, o Ministério Público abriu um inquérito e impediu a sandice de seguir adiante.
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A proposta do prefeito de João Pessoa
O Jornal da Paraíba informou que o prefeito Cícero Lucena foi o autor da proposta de mudanças nas regras de proteção urbanística e ambiental da orla da capital, a chamada Lei do Gabarito. A Câmara Municipal aprovou o texto, e o prefeito o sancionou em abril de 2024.
A Lei do Gabarito regula as construções na faixa dos 500m da orla de João Pessoa. O escalonamento de altura começa com 12.90m na 1ª faixa, até 35 metros no limite da última faixa. A área que fica protegida pelo escalonamento é considerada “patrimônio ambiental, cultural, paisagístico, histórico e ecológico” do estado, segundo explica o site do MPPB.
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É inacreditável que a proposta aconteça no momento em que a erosão ameaça o litoral do País. A Paraíba também sofre pela erosão que ameaça sair do controle, como aconteceu em baía da Traição, por exemplo. Ali o município com cerca de 9 mil habitantes decretou estado de calamidade pública devido à erosão e aos danos provocados.
Os “nobres” vereadores de João Pessoa, os mesmos que aprovam projetos insensatos como os de Lucena, também se presentearam em 2025. No início do ano, aprovaram outro projeto que dobrou o valor da Verba Indenizatória (Viap) destinada aos próprios gabinetes.
Segundo o Jornal da Paraíba, o benefício, antes de R$ 7 mil mensais por vereador, passou para R$ 14 mil. Com o novo valor, o custo anual da Viap chegará a R$ 4,8 milhões. A Verba Indenizatória serve para cobrir despesas dos gabinetes parlamentares, como a contratação de profissionais liberais e a manutenção de escritórios de apoio à atividade parlamentar, incluindo aluguel e condomínio.
Fica claro que nosso litoral enfrenta dois inimigos poderosos. De um lado, o aquecimento global, cada vez mais fora de controle; de outro, a turba de parasitas profissionais que se entrincheira na política municipal.
Ministério Público da Paraíba move Ação Direta de Inconstitucionalidade
Julgamento da ADI no Tribunal de Justiça forma maioria contra a mudança
O Jornal da Paraíba noticiou que, em 15 de outubro, o Tribunal de Justiça formou maioria para considerar inconstitucional a lei municipal proposta pelo prefeito de João Pessoa que altera as regras de uso do solo. Onze desembargadores votaram pela inconstitucionalidade, mas o julgamento foi interrompido após um pedido de vista.
Segundo o relator, o desembargador Carlos Beltrão, “a propriedade e o desenvolvimento econômico, embora corretos em tese, não podem justificar a precarização da proteção ambiental sem a demonstração de um interesse público superior”.
O desembargador Francisco Seraphico, que acompanhou o voto do relator, destacou que o texto da lei recebeu mais de 50 emendas depois das consultas públicas iniciais. Segundo ele, “a participação popular inicial se converteu em ato meramente protocolar e sem qualquer efetividade deliberativa. Isso configura uma clara violação ao devido processo legislativo constitucional.”
Assista ao vídeo da promotora Cláudia Cabral
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