Prefeito de Ilha Comprida insiste na verticalização
Feudo do PSDB desde sua criação em 1992, Ilha Comprida sequer deveria existir. O território era parte de Iguape, 70%; e de Cananéia, que ficava com 30%. Com um território de 192,09 km², população estimada pelo IBGE em 10.965 habitantes em 2018, não havia nada que justificasse sua criação a não ser a volúpia dos caciques políticos em conseguir recursos federais para pagar seus salários, os dos vereadores, e a nomeação de centenas de servidores públicos. Antes de mais nada, o município nos custa milhares de reais em impostos, especialmente porque sua economia incipiente não é suficiente para que de fato alcance a autonomia. Contudo, Ilha Comprida tem outros problemas comuns às estâncias Balneárias paulistas, a especulação imobiliária. Pior, o prefeito Geraldino Júnior (PSDB) insiste na verticalização.
A legislação de uso e ocupação do solo
Os prefeitos das estâncias balneárias do Estado sofrem uma certa esquizofrenia da verticalização. Para eles, pouco importam as condições quase sempre miseráveis da população sistematicamente desatendida pela falta de infraestrutura.
Em primeiro lugar, os prefeitos se aliam a empresários dos ramos da construção civil, ou turismo, que financiam suas campanhas em troca de mudanças nas leis de uso e ocupação do solo.
Mesmo com o aquecimento global fora de controle, pouco fazem para preparar suas cidades para a inevitável subida do nível do mar, e o crescimento da intensidade e frequência dos eventos extremos que já mostra sua potência, como as chuvas que cobraram a vida de 65 inocentes no litoral norte.
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Desse modo, quitam suas dívidas de campanha, ao mesmo tempo em que ganham novos e fieis financiadores para os próximos pleitos. Quase todos os interessados na ocupação do litoral conhecem o roteiro.
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A batalha em Ilha Comprida
Ela começou em 2020 e com vícios de origem da lei que permitiu a verticalização no município. O caso começou com a inclusão de artigos no código de obras, uma vez que o município não tem Plano Diretor, incorrendo em improbidade administrativa, segundo a Constituição Paulista, Art 181, Constituição Federal e Estatuto das Cidades, mesmo não tendo 20 mil habitantes.
Acompanhamos o caso desde seu início. Em determinado momento a Fundação Florestal de São Paulo autorizou a construção de uma fábrica de concreto usinado. Foi a deixa para enfiarem um ‘jabuti’ que se transfigurou em 11 Torres de 30 metros cada.
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Acima de tudo, Ilha Comprida não é propriamente uma ilha, mas um banco de areia que já sofre erosão acelerada. A prefeitura reconhece. Tanto é verdade que baixou Decreto de Urgência de Calamidade Pública para contenção do processo erosivo na região norte do município, a poucos metros do empreendimento.
A Prefeitura, em total descumprimento as orientações contidas no Projeto Emergencial de Mitigação dos efeitos da erosão costeira no Balneário Araçá (Ilha Comprida), tem realizado intervenções em total descumprimento a autorização concedida pela Fundação Florestal, que aponta que o descumprimento irá agravar o processo, mas não tem coragem de autuar ou, sequer, notificar a Prefeitura.
A importância de Ilha Comprida para a biodiversidade do litoral Sul
Não bastasse isso, Ilha Comprida tem papel estratégico na formação do Lagamar Iguape-Cananéia-Paranaguá. Este é um dos mais importantes berçários do Atlântico Sul e, além disso, cercado pelo maior trecho contínuo de Mata Atlântica do País.
Com 70 Km de comprimento por 3 de largura, seu formato longitudinal age como uma antepara, uma barreira constituída por estreita restinga, separada do continente pelo canal do Mar Pequeno, pelo Valo Grande, e pela foz do Ribeira de Iguape, no município de Iguape. Por este importante aspecto tornou-se uma APA estadual, a APA Ilha Comprida.
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De maneira idêntica, a Unesco a reconhece como Reserva da Biosfera. Por último, Ilha Comprida também abriga as últimas dunas do Estado, algumas ocupadas por construções, o que acirra a erosão.
Como se pode ver pelo mapa, Ilha Comprida tem 70 Km de praias, hoje o paraíso dos especuladores. As leis ambientais, já bastante desrespeitadas em terra firme, são quase ignoradas no litoral onde existe pouca fiscalização e muita maracutaia.
Além deste problema estrutural, o território é problemático. Ilhas são sobretudo ambientes frágeis, sujeitos à erosão natural em razão das ondas, ressacas, ventos, bem como correntes; e acirrada pela ocupação desordenada, muito próxima à areia da praia como já acontece por omissão do poder público.
Revisão do Plano Diretor
Quando começou a revisão do Código de Obras o Mar Sem Fim entrou em contato com o vereador Rogério Revitti. Segundo ele, em 2019, durante a primeira gestão de Geraldino Junior (PSDB), foi aprovada a Lei nº 1.625, de setembro de 2019, sem consulta pública. Ela entrou em vigor em 2020 e prevê prédios de até 30 metros de altura.
Revitti não foi o único a denunciar o motivo escuso. O vereador Daniel Ramos, em seção da Câmara, também afirmou que ‘a Lei nº 1.625 havia sido aprovada para atender exclusivamente um empreendedor em área específica’.
Questionamentos sobre o procedimento
Do mesmo modo, o ambientalista Roberto Nicacio enviou questionamentos, através da Ouvidoria, à prefeitura, relembrando as irregularidades que permitiram o início da verticalização.
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Entre os erros Nicácio apontava a falta de consulta ao Conselho da APA Ilha Comprida. Na época, tampouco houve consulta à Fundação Florestal, gestora das unidades de conservação do Estado, além dos vícios de origem. Ainda em 2021 o caso ganhou notoriedade e foi aberto um Inquérito Civil pela Promotoria de Justiça de Iguape.
Nos autos do Inquérito, a Promotoria solicitou que a obra não tenha início sem a manifestação da Fundação Florestal e do Conselho Consultivo da APA Ilha Comprida, tendo como base o Decreto Estadual 48.149/03 em seu Art 4 Inc V.
Finalmente, em fevereiro de 2022, o prefeito Geraldino Júnior (PSDB), sabendo que seu projeto seria barrado pelo Ministério Público, se antecipou e cancelou o alvará da construção. À época, o Diário do Ribeira comentou que ‘os trâmites de lei ocorreram de forma ‘atropelada’, sem participação efetiva da comunidade, sem respeito às normas ambientais e sem consonância com a Constituição do Estado de São Paulo.’
Presidente da Fundação Florestal declarou ser contrário aos prédios
Finalmente, em julho de 2022 este site entrevistou Mário Mantovani, presidente da Fundação Florestal. Ao questioná-lo sobre a verticalização, Mário foi peremptório:
‘Escreva aí’, João, ‘que o presidente da FF, e ambientalista, faço questão deste termo, é RADICALMENTE contrário à verticalização’. ‘Ilha Comprida não terá verticalização de jeito nenhum!’
Contudo, passado um ano não foi o que aconteceu. Ainda em 2023, Geraldino Júnior apresentou nova Lei, 046/2022, prevendo novamente a verticalização. As novas audiências aconteceram em fevereiro de 2022, porém, os vício de origem permaneceram.
Segundo nossas fontes, alterações estruturais deste porte, ou seja, os prédios, a proposta deve ser construída através de Plano Diretor, com a efetiva e comprovada participação da Sociedade e não apenas consultas, já com um PL minutado, chamando o encontro de Audiência Pública. Mais uma vez, quem não concordou foi constrangido durante o encontro.
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Numa delas, em vez de ouvir os questionamentos da população, quem se apresentou para explicar o projeto foi o próprio empreendedor! E apesar de desta vez o Conselho da APA ter sido ouvido e feito reparos, ainda assim em fevereiro deste ano a CETESB aprovou o prosseguimento da verticalização, deixando condicionantes as sugestões do Conselho da APA.
A questões pendentes
Entre as questões levantadas pelo Conselho estão a avaliação de estudos já realizados que abordem a relação entre a verticalização e o transporte eólico dos sedimentos e os processos erosivos em ambientes costeiros. Do mesmo modo, estudo que identifique impactos das obras sobre a avifauna, em especial as espécies migratórias e ameaçadas de extinção.
O Conselho solicitou que estes estudos fossem prévios à autorização, posto o risco de uma autorização sem esgotá-los. Porém, a Cetesb optou por tratar como condicionante, liberando a construção das 11 Torres, alegando ser um processo modificativo, mesmo tendo outra base legal Municipal, não a de 2019, revogada.
Por último, caberá ao empresário implantar as redes internas de abastecimento de água e de coleta de esgoto, bem como providenciar suas interligações aos sistemas públicos existentes.
Causou estranheza a aprovação da CETESB. Alguns munícipes se perguntam o que será feito caso o empreendedor não faça tais reparos. Por exemplo, os prédios seriam derrubados?
Para não citar a promessa do presidente da Fundação Florestal de que não permitiria a verticalização. E agora, como ficamos?