Praias de São Sebastião, Engenho e da Barra do Una, mais uma vez ameaçadas
O litoral norte de São Paulo continua a sofrer ameaças por empreendedores que insistem em mudar o zoneamento ecológico e econômico (ZEE) de áreas preservadas. Neste caso estão em jogo as praias do Engenho, e da Barra do Una, esta por sinal já superadensada. São cinco empresas da imobiliária Alemoa, com sede em Santos, que contestam o ZEE. Praias de São Sebastião mais uma vez ameaçadas.
Zoneamento ecológico e econômico do litoral norte paulista
Para começar, o ZEE da região foi feito em 2016. E teve como base, acima de tudo, audiências públicas realizadas ao longo de seis anos (de 2010 a 2016). Participaram moradores, organizações ambientalistas, universidades, representantes do setor produtivo, além de órgãos de classe.
Contudo, cinco empresas do Grupo Alemoa acionaram a Justiça na tentativa de cancelar áreas enquadradas como Z2, mais restritivas, para Z4, que permitem o loteamento e a construção de condomínios. É incrível que isto aconteça depois de seis anos de discussão e, especialmente, com a participação do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema).
Áreas de Preservação Permanente em risco
Dessa forma, começou a reação, mais uma vez liderada pelo Instituto de Conservação Costeira ONG emblemática que atua no litoral norte. Não é a primeira vez que a Alemoa investe sobre o que resta das áreas de preservação permanente na orla.
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Na época, a Alemoa recebeu denúncia por danos ambientais em uma área no interior da Terra Indígena Guarani Ribeirão Silveira, em São Sebastião. Como se vê, a especulação imobiliária não tem limites, tampouco respeita as regras de uso e ocupação do solo. Não sossegam enquanto nosso litoral não se tornar uma Cancún qualquer.
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Praias do Engenho e Barra do Una
Fernanda Carbonelli, do Instituto de Conservação Costeira, divulgou uma nota em que diz ‘Uma inoportuna judicialização, tendo como foco a mudança de Z2 para Z4 no zoneamento ecológico e econômico das áreas preservadas do município de São Sebastião, ameaça invalidar o entendimento democrático e participativo promovido durante seis anos, pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema)’.
Sequelas ambientais irreversíveis
Fernanda explica que a Z2 ‘permite exploração econômica porém com limitações, justamente para garantir a preservação do meio ambiente’.
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O interesse das empresas nas praias de São Sebastião
As cinco empresas pretendem ocupar com construções imobiliárias 10% de sua gleba, ou seja, 680 mil m2. Antes de mais nada, para ser ter uma ideia do tamanho a ser concretado, saiba que 680 mil m2 equivale a uma área maior que toda a região da Juréia, Praia do Engenho e Barra do Una juntas!
Ainda assim, na época, o grupo conseguiu uma liminar concedida por um juiz plantonista para suspender o andamento dos trabalhos. Contudo, pouco depois, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou a decisão.
Além disso, segundo Fernanda ‘o grupo procurou um renomado escritório especializado em Direito Ambiental e custeou a elaboração de um laudo orçado em mais de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais) que, surpreendentemente, em parte, acabou atendendo a seus interesses’.
‘Na verdade, o laudo está sendo duramente questionado. Tanto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, como também pelo ICC (Instituto Conservação Costeira), associação sem fins lucrativos criada para promover o desenvolvimento sustentável e evitar danos ambientais, que entrou como amicus curiae na ação judicial’.
Para os técnicos do Governo o laudo não se justifica. Enquanto isso, diz o ICC, ‘alterar a classificação de qualquer área representaria uma afronta à democracia, assim como ao direito transindividual do meio ambiente e, finalmente, ao postulado da supremacia do interesse público sobre o particular’.
Incoerências do laudo da Alemoa
Segundo o ICC as empresas alegam que ‘a região está desconfigurada a ponto de receber novas construções’. Mas, ao mesmo tempo ‘entrou com um pedido de redução de 90% do IPTU em suas glebas alegando ‘que o imóvel se encontra inteiramente coberto por vegetação nativa de Mata Atlântica e zoneamento Z2’.
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Como barrar a sanha destrutiva mas praias de São Sebastião e em todo o litoral?
É no mínimo inconsistente, para não dizer que as construtoras usaram dois pesos e duas medidas. Por outro lado, a insistência de empreendedores irresponsáveis é chocante. Sua recusa em constatar o que apenas uma geração transformou o litoral paulista beira ao cinismo.
Quando comecei a frequentá-lo, no final dos anos 60, era prístino. Não havia casas em topos de morros, mangues eram virgens, praias quase intocadas. Menos de uma geração depois, as cicatrizes de uma ocupação desordenada estão por todos os cantos.
Do extremo sul de São Paulo, ao extremo norte, impera a especulação imobiliária e seu insaciável apetite. É mais que hora da sociedade dar um basta definitivo. Em síntese, é hora igualmente, de revermos o modelo insustentável de ocupação que escolhemos para o litoral.