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O PORTA-VOZ DO MAR

Otto Aquino

Os mais de 7 000 quilômetros da costa brasileira já impressionaram muitos navegantes. E os brasileiros que vivem nele também. E foi para mostrar como vivem essas pessoas e sua relação com o atual estado do nosso mar que o jornalista e velejador João Lara Mesquita navegou, ao longo de um ano e meio, do Amapá ao Rio Grande do Sul. A saga rendeu uma série de programas na televisão e um levantamento bem acurado da situação ambiental do nosso litoral. João fez boas descobertas, outras nem tanto. “Do jeito que a coisa vai, nosso mar corre o risco de não ter mais condições de se regenerar, tamanha é a quantidade de lixo nele”, avaliou. “Na minha opinião”, resumiu, “ele já está morrendo!”. Veja o que mais João Lara viu.

O que de pior você encontrou?
A indiferença do povo brasileiro com seu próprio litoral. É uma constatação aterrorizante. O brasileiro deu as costas ao mar. E ele já está doente. O mais triste disso é ver que a principal fonte de poluição ainda é o despejo de esgoto humano — algo, a rigor, simples de resolver. Existem hoje por volta de 150 zonas mortas nos mares no mundo, lugares sem o oxigênio necessário para que haja vida. E algumas delas estão na nossa costa. E isso porque só 20% do esgoto gerado no nosso país recebe algum tipo de tratamento. E, muitas vezes, apenas o tratamento primário, que não é suficiente. Estamos criando um mar de cocô.

Onde está o problema?
Na concentração de pessoas em áreas sem infra-estrutura adequada. No Brasil, a densidade demográfica média é de 17 habitantes por quilômetro quadrado. Mas, na zona costeira, esse índice chega a 87 pessoas. Ou seja, quase não há espaço para receber mais ninguém. E o pior é que a capacidade de regeneração do nosso litoral parece estar-se esgotando. E nós, apesar da responsabilidade de possuir uma das maiores zonas costeiras do mundo, não temos feito nossa parte. A maioria das cidades do nosso litoral despeja esgoto in natura no mar. E as pessoas, quando vão à praia, sujam ainda mais. E das formas mais grotescas possíveis. Algo, enfim, precisa ser feito. E rápido.

O que fazer então?
Além, é claro, de um eficiente tratamento do esgoto, é preciso frear e controlar a pesca profissional, cuja frota mundial já é estimada em 4 milhões de barcos. E é urgente banir práticas como o arrasto e criar mais reservas marinhas e fiscalizá-las efetivamente. Hoje, apenas 0,01% dos oceanos são vedados à pesca. Não é nada! E no Brasil não é diferente. Apenas 0,12% da nossa costa possui áreas de proteção ambiental. E muitas delas estão ao deus-dará, sem fiscalização alguma. Só as respeita quem tem alguma consciência.

No meio de tanta coisa ruim, deu para ver algo positivo?
Felizmente, sim. Vi algumas soluções engenhosas, como a Constituição Estadual da Paraíba que proibiu a especulação imobiliária nas primeiras ruas da orla de todo o Estado, disciplinando a construção civil. É o único, entre todos os 17 estados costeiros que visitei, que soube preservar a integridade e a beleza cênica da sua paisagem. Mas, a cada novo governo, a pressão para mudanças é brutal. Só que, ao menor sinal de titubeio dos governantes, o povo ameaça ir para a rua protestar e a coisa esfria novamente. Ainda bem. Nesse ponto, a Paraíba é um exemplo. Ainda resta uma esperança.

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