O mar sem fim é portuguez…
…E ao imenso e possível oceano, ensinam essas Quinas que aqui vês, que o mar com fim será grego ou romano, o mar sem fim é portuguez…
(Fernando Pessoa em sua obra máxima, Padrão, do livro Mensagem)
Pequena grande obra: o mar sem fim é portuguez…
O documentário abaixo é uma pequena grande obra. Pequena porque tem menos de 50 minutos. Grande porque consegue, em curto espaço de tempo, resumir para aqueles que não leem, uma das maiores obras da humanidade: a aventura marítima portuguesa. Antes deles outros povos também avançaram na construção naval, conseguindo assim serem potências marítimas ao seu tempo. Os fenícios parecem ser os primeiros, logo depois os egípcios, por fim, e ainda antes dos lusos, a China, potência marítima, um século antes!
Saga portuguesa – desconhecida e desvalorizada pelos filhos mais ilustres: nós!
Há muito que sou fã desta epopeia. Estudo, divulgo, e não me canso de reclamar das falhas das escolas brasileiras que passam pelo assunto como se fosse menor não lhe dando a importância devida. Talvez resida aí um dos motivos pelos quais o mar, os oceanos e tudo que acontece neles, seja visto aqui como algo que não nos diz respeito.
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O movimento náutico português foi o precursor da globalização, cujo ápice vive a nossa geração. Naquela época eles seguraram o mundo ‘nas mãos’. Enfrentaram mitos, credos, pavores os mais horríveis.
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Foram necessários mais de cinco séculos para que a tecnologia das comunicações atingisse aquilo que nossos antepassados conseguiram entre 1415 e 1522. Foi a saga portuguesa quem deu ao mundo a ‘cara’ que tem hoje. Facilitou o comércio, a integração entre os povos, a difusão do conhecimento em escala planetária.
Brasil quinhentista, um grande estaleiro
O documentário peca só por um detalhe: dá pouca importância ao papel do Brasil durante os quatro séculos da Carreira das Índias (Saiba mais), motivo que me fez escrever.
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Como se sabe a Bahia foi nossa primeira capital. O motivo, entretanto, é prosaico: ventos e correntes favoráveis para quem sai da Península Ibérica, à vela, com intenção de dobrar o cabo da Boa Esperança.
Esta ‘estrada invisível’, formada pelos elementos fluídos, mar e vento, traz qualquer coisa que saia daquele ponto direto para nosso litoral: de uma rolha, até uma caravela, tudo vem dar aqui, na latitude da Bahia, seu ponto final.
Até nos mapas fomos retratados como um imenso estaleiro: O mar sem fim é portuguez…
Veja o mapa de Giovanni Batista Ramusio, de 1557, mostrando o corte da madeira de lei para reformar as caravelas latinas.
Ao arribarem nestas plagas nossos irmãos logo perceberam a riqueza da terra nova: Mata Atlântica cobrindo o litoral do Rio Grande do Sul até o Ceará. Ou seja, madeira de lei em abundância. O que sobrava era cortado para tingir tecidos, como se sabe…
E qual o material dos barcos da época? Madeira, claro. Por séculos fomos o estaleiro perfeito para o reparo das naus e caravelas da Carreira das Índias. As naus mal aguentavam três ou quatro meses no mar, quanto mais o período de um ano que duravam as viagens portuguesas de ida e volta.
A decadência baiana
O litoral da Bahia não é nem em sombra da pujança de outrora. Por motivos climáticos a costa do Estado foi a mais abençoada pela Mata Atlântica. Se o bioma é rico por si, a parte baiana era a mais formidável de todas.
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Era…
Ao voltar de mais uma viagem para gravar episódios da série da TV Cultura, aluguei um carro para fazer todo o sul da Bahia. De Prado até Porto Seguro. E tudo que vi foi reflorestamento com eucalipto. Isso é fruto da estupidez, e do torpor dos baianos preocupados atualmente com suas festas populares. Comemorar o quê?
Embarcações típicas da costa brasileira
Hoje, devido ao descaso, o brasileiro médio mal sabe o que é Mata Atlântica, muito menos conhece ou valoriza uma de nossas maiores riquezas culturais: as embarcações típicas.
É preciso lembrar que durante os primeiros 200, 250 anos após a chegada, nos restringimos ao litoral usando o mar como ponte entre uma capitania e outra. Para isso desenvolvemos barcos que até os dias atuais lembram as caravelas. Sejam no formato do casco, sejam no tipo de velas: as mesmas das caravelas, as velas latinas bastardas.
Bem cultural ameaçado
Não por outro motivo o IPHAN considera estes barcos, fadados ao desaparecimento pela ignorância, burrice e ‘progresso’, como bens culturais dos brasileiros. Notem a enorme semelhança entre o bote-bastardo, ainda em uso nos litorais do Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, com as caravelas portuguesas.
O mar sem fim é portuguez…e povo vira-latas só dá valor ao que vem de fora
Como só valorizamos aquilo que vem de fora, segue o que disse sobre nossos barcos típicos, e a natural habilidade dos brasileiros com as coisas do mar, um dos maiores ícones da vela mundial: o norte-americano Joshua Slocum, em 1889:
Estas canoas produzidas a partir de árvores gigantescas são ao mesmo tempo a carruagem e a carriola da família para o sítio, ou do arroz para o moinho. Estradas são quase desconhecidas onde a canoa está disponível; consequentemente, homens, mulheres e crianças são todos adestrados quase à perfeição na arte da canoagem. (…) a navegação é usada com grandes vantagens pelos habitantes quase anfíbios da costa, que amam a água e movem-se nela como patos e marinheiros natos.
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O mar sem fim é portuguez…made in Brazil
Conheça uma das obras monumentais que foram construídas na Terrinha, o galeão Padre Eterno, tido como maior navio de sua época. O Padre Eterno é fruto do ‘achado’, e da convivência com os nautas portugueses.
Pequena cronologia da epopeia náutica lusitana
Para os historiadores, o início foi a conquista de Ceuta, em 1415. Três anos depois, a ilha da Madeira foi descoberta e, em 1427 foi a vez dos Açores. Daí para a frente era preciso atravessar o Cabo Bojador, um mítico empecilho para que descessem a costa da África. Mas o navegador Gil Eanes conseguiu a façanha em 1434.
Daí para baixo, considerando que desciam o Atlântico Sul, foi uma conquista atrás da outra, até que Vasco Da Gama dobrou o Cabo da Boa Esperança e navegou para a Índia, em 1498. Neste mesmo ano, segundo o historiador Jaime Cortesão, o navegador Duarte Pacheco Pereira teria sido o descobridor do Brasil. No entanto, a história oficial como se sabe, reconhece o mérito como sendo de Cabral em 1500. Treze anos depois os lusos chegavam na China. O Japão, ponto culminante nas navegações, foi atingido em 1542.
Saiba como tudo começou.
E se você é daqueles que leem recomendo vivamente o trabalho do mestre Jaime Cortesão, Os Descobridores Portugueses, ed. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, dezembro de 1990.
Cortesão esgota o assunto, indo fundo nas descobertas e aprimoramento náutico português. Não existe obra mais completa em seus três volumes.
Assista ao vídeo A Expansão Marítima Portuguesa e saiba mais
Fontes: http://www.joshuaslocumsocietyintl.org/; http://www.joshuaslocumsocietyintl.org/; http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=15773&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia
Izabel Pimentel lança livro, primeira brasileira a dar a volta ao mundo.