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O Graf Spee, e a Segunda Grande Guerra no Atlântico Sul

O Graf Spee, e a Segunda Grande Guerra no Atlântico Sul

A primeira batalha naval da Segunda Guerra Mundial, uma das mais dramáticas, ocorreu em dezembro de 1939 em nosso ‘quintal’. Chamaram-na de Batalha do Rio da Prata. Nela, o couraçado alemão Graf Spee, comandado por Hans Langsdorff, enfrentou um esquadrão de cruzadores britânicos que incluía os navios HMS Exeter, Ajax e Achilles, sob o comando do Comodoro Henry Harwood. O Graf Spee era um navio especial, criado para contornar as restrições do Tratado de Versalhes sobre navios de guerra alemães. Estes, classificavam-no como um navio da classe Deutschland. Já os ingleses, que o viram pela primeira vez em 1937, chamavam-no zombeteiramente de “couraçado de bolso”. Isso porque o Almirante Graf Spee tinha apenas um terço do deslocamento de um encouraçado convencional. Em 1937, 450 navios de todo o mundo se reuniram em Solent para a coroação do Rei George VI. A Alemanha participou com seu navio capitânia.

Graf Spee na parada naval de 1937
O Graf Spee na parada naval de 1937 em homenagem ao rei George VI. Em segundo plano outro navio que ficou famoso durante a guerra, o HMS Hood. Imagem,Royal Navy official photographer.

Os antecedentes

O Tratado de Versalhes, que marcou o fim da Primeira Guerra Mundial, incluiu um artigo, o 190, para restringir o rearmamento alemão. Esse artigo limitava os navios blindados alemães a 10.000 toneladas. Lançado em 1936, o Graf Spee era um deles. Ele tinha dois irmãos gêmeos, o Deutschland e o Admiral Scheer. Construíram os três navios entre 1929 e 1936 nas empresas Deutsche Werke em Kiel e Reichsmarinewerft em Wilhelmshaven. Oficialmente, declararam deslocar 10.000 toneladas longas, conforme o tratado. Mas, na realidade, deslocavam entre 10.600 e 12.340 toneladas.

O design e a construção do Admiral Graf Spee e seus irmãos revelam uma fascinante fusão de necessidade, engenhosidade e arte da engenharia naval. O projeto incorporou diversas inovações radicais. Além disso, os navios blindados da classe Deutschland foram desenvolvidos com blindagem muito mais forte e canhões de maior calibre, ao mesmo tempo que deslocavam apenas 15.000 toneladas, em oposição às 44.000 toneladas de um navio de guerra britânico como o HMS Prince of Wales .

O nome foi uma homenagem ao  Almirante Maximilian von Spee, que foi morto durante a Batalha das Ilhas Falklands/Malvinas na Primeira Guerra Mundial.

As novidades incorporadas ao Graf Spee

Para aumentar a velocidade e o alcance, sem sacrificar o poder de fogo, os projetistas recorreram a tecnologias avançadas. Desse modo, o casco  foi feito com soldagem elétrica em vez da rebitagem tradicional, o que reduziu o peso e aumentou a resistência estrutural. Esta nova abordagem tornou o Graf Spee significativamente mais leve e, portanto, mais rápido do que seria usando técnicas de construção tradicionais.

Imagem, www.warfarehistorynetwork.com.

O sistema de propulsão foi outro destaque. Ele era movido por oito motores diesel MAN, diferentemente das típicas turbinas a vapor usadas em muitos navios de guerra daquela época. Esses motores não apenas davam ao Graf Spee uma velocidade máxima de impressionantes 28 nós, mas também lhe proporcionaram um alcance operacional maior. A 20 nós, ele podia percorrer distâncias de até 8.900 milhas náuticas, três vezes mais do que um encouraçado comum,  e um colosso para a época.

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O armamento também foi notável. Ele tinha seis canhões de 280 mm montados em duas torres triplas, que eram consideravelmente maiores do que os canhões de 203 mm encontrados na maioria dos cruzadores pesados ​​da época. O navio também apresentava oito canhões de 150 mm, oito canhões antiaéreos de 105 mm e carregava vários tubos de torpedo e aeronaves para reconhecimento e ataque.

Uma campanha de ataques comerciais altamente eficaz no Atlântico Sul

O Graf Spee, assim como seus navios irmãos, fez várias patrulhas de não intervenção perto da costa espanhola durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Em agosto de 1939, pouco antes do início da guerra na Europa, enviaram o Graf Spee e sua tripulação de 1.134 marinheiros para o Atlântico Sul. Isso era uma precaução. A missão era atacar navios mercantes nos mares do Brasil, Uruguai e Argentina assim que a guerra começasse. No Atlântico Sul, pouco vigiado na época, o Graf Spee causou grandes problemas para a Inglaterra.

Rotas do Graf Spee no Atlântico Sul. Imagem, www.hmsajax.org.

Três dias após o ataque alemão à Polônia, em 3 de setembro de 1939, a Grã-Bretanha declarou guerra à Alemanha. Nessa altura, o Almirante Graf Spee, com seu navio de abastecimento, o petroleiro Altmark, estavam a oeste das Ilhas de Cabo Verde e em direção ao Atlântico Sul.

Hans Langsdorff adotava táticas quase piratas. Ele mandava seus marujos pintarem e repintarem o casco, trocavam o nome e a cor da embarcação. Cobriam as torres com canhões usando lonas. Essas ações permitiam que o Graf Spee se aproximasse dos inimigos quase despercebido.

Nem os britânicos, muito menos os franceses, sabiam onde estava o Graf Spee

Em alguns momentos, nem os britânicos nem os franceses sabiam onde estava o Graf Spee. Ele aparecia de repente, afundando milhares de toneladas de navios mercantes aliados no Atlântico. Cinco dias após afundar um cargueiro britânico em Pernambuco, em 30 de setembro de 1939, o Graf Spee capturou outro navio e logo depois afundou mais dois.

Depois de ser reabastecido, o Graf Spee interceptou um cargueiro na rota Cidade do Cabo – Grã-Bretanha e seguiu para o Oceano Índico. Passou dez dias sem capturar presas. Então, Langsdorff dirigiu-se para o Canal de Moçambique e afundou outro cargueiro. Após isso, ele retornou para sua área de reabastecimento no Atlântico Sul.

Em 7 de dezembro de 1939, após nove semanas, o Graf Spee havia afundado nove navios mercantes, totalizando 50.000 toneladas. Apesar de ser um inimigo implacável, o capitão, um homem honrado, não causou a perda de nenhuma vida.

Hans Langsdorff conquistou o respeito das tripulações britânicas

O Graf Spee operava seguindo ordens estritas do Almirante Raeder, líder da Marinha Alemã. Raeder instruiu o navio a evitar confrontos com forças inimigas mais fortes. O comandante Langsdorff, respeitado pelas tripulações britânicas, tratava humanamente os prisioneiros.

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Langsdorff, com formação humanista e tradição familiar na área eclesiástica e jurídica, não na naval, mostrou-se misericordioso. Ele era alemão, mas não nazista. Em todos os nove naufrágios sob seu comando, salvou vidas britânicas. Ele transferia prisioneiros para o navio de abastecimento Altmark, antes de afundar os navios capturados. Contudo, seus ataques eficazes atraíram mais de vinte navios de guerra aliados em sua perseguição. O Grupo de Caça Britânico G, comandado pelo Comodoro Henry Harwood, finalmente encontrou o Graf Spee na América do Sul.

Encurralando o Graf Spee

Segundo o especialista Alan D. Zimm, que escreveu para o U.S. Naval Institute, apesar de receber elogios, o comodoro britânico Harwood permitiu que o Graf Spee escapasse por entre seus dedos na Batalha do Rio da Prata.

“Durante o quarto mês da Segunda Guerra Mundial, em águas plácidas ao largo da América do Sul, uma frota britânica interceptou o navio de guerra Almirante Graf Spee. Mas, depois  de trocarem tiros por 83 minutos, o esquadrão britânico se retirou.”

Alan Zimm diz que o comandante britânico “livrou seus navios tão bem quanto qualquer um poderia esperar”, creditando-o como emulação do “gênio de Nelson”. ‘Mas , apesar  de os britânicos terem uma vantagem de poder de fogo de 125 por cento, retiraram-se’.

O Graf Spee inutilizou metade das principais baterias do Ajax e o Aquiles sofreu sérios danos. As vítimas foram sete mortos e cinco feridos a bordo do Ajax, além de quatro mortos no Aquiles. O comodoro Harwood, então, colocou uma cortina de fumaça para confundir as armas inimigas e se retirou do alcance das principais armas.

Após a batalha, diz o especialista, Harwood justificou sua retirada alegando que o fogo do Graf Spee era muito preciso. A precisão alemã não justificava o desengajamento. E conclui o especialista, ‘a Batalha do Rio da Prata não foi o momento mais brilhante da Marinha Real’.

A batalha naval

Segundo o Royal Marines History, Harwood sabia que o Graf Spee estava em algum lugar no Atlântico Sul. No entanto, desde 15 de novembro, ele não tinha informações precisas sobre sua localização. Com isso, Harwood chegou a duas conclusões:

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Primeiro, ele acreditava que o Graf Spee tentaria atacar os transportes na rota da Argentina / Brasil para a Grã-Bretanha. Na América do Sul, três países neutros – Argentina, Brasil e Uruguai – permitiam que os navios usassem suas instalações portuárias.

Segundo, Harwood decidiu não dividir sua força de cruzadores. Entre as duas opções óbvias, o Rio da Prata na Argentina e o Rio de Janeiro no Brasil, ele escolheu colocar sua força na foz do Rio da Prata e esperar.

A grande surpresa mundial

Então, em 17 de dezembro de 1939, o navio de guerra Graf Spee, danificado pela batalha, dirigiu-se ao porto de Montevidéu, no estuário do Rio da Prata, para reparos. Langsdorff e o ministro alemão Otto Langmann pediram 15 dias para concluir os trabalhos. Mas o governo uruguaio impôs uma condição: Langsdorff deveria sair em dois dias ou ele e sua tripulação seriam internados pelo resto da guerra, de acordo com a Convenção de Haia.

Navios britânicos no rio da Prata. Imagem, www.warfarehistorynetwork.com.

Nos dias seguintes, houve muita espionagem  enquanto britânicos e alemães negociavam com as autoridades do Uruguai. Os britânicos foram eficazes e inundaram as ondas de rádio com informações falsas. Eles alegaram que o porta-aviões Ark Royal e o cruzador HMS Renown estavam a caminho. Na verdade, a frota britânica restante ainda estava a 2.000 milhas náuticas de distância.

Langsdorff  tinha duas opções

Langsdorff ficou com duas opções difíceis: ou sair para o mar e arriscar ser afundado pelos ingleses, ou enfrentar o fato de que o tempo disponível era insuficiente para realizar os reparos necessários no navio, que estava fortemente danificado. Esta situação complicada aumentou o dilema enfrentado pelo Capitão Langsdorff.

Em Montevidéu, Uruguai. Imagem, www.warfarehistorynetwork.com.

Confrontado com estas perspectivas sombrias, Langsdorff fez um sacrifício estratégico. Ele optou por afundar o Graf Spee, negando aos Aliados a vitória simbólica de capturar ou afundar o navio. Depois de dispensar a maioria da tripulação, dirigiu-se com uma equipe mínima ao largo de Montevidéu. Lá, as cargas de dinamite colocadas a bordo foram detonadas e o navio afundou nas águas rasas do estuário do Prata.

Imagem, www.navalhistory.com.

A maior parte da tripulação do Graf Spee foi internada na Argentina, país neutro, mas com simpatia pela causa alemã. A tripulação recebeu um tratamento respeitoso e teve até permissão para realizar um funeral para os camaradas caídos.

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O final heroico

O comandante Langsdorff hospedou-se na embaixada alemã. Três dias depois, encontraram seu corpo morto, envolto na bandeira alemã, não na bandeira nazista com a suástica. Sua ação refletiu o princípio de manter a dignidade e o valor da vida humana, mesmo em tempos de guerra, uma postura respeitada até hoje. Langsdorff deixou cartas para sua esposa e para o embaixador alemão. Nelas, explicou sua decisão de afundar o Graf Spee para evitar que caísse em mãos inimigas. Ele sabia que qualquer tentativa de fuga para águas abertas falharia com a munição restante. Assumiu as consequências, acreditando que um capitão não deve se separar do destino de seu navio. Langsdorff afirmou estar pronto para pagar com a vida por qualquer possível mancha na honra da bandeira.

Fontes consultadas: The German Cruiser Admiral Graf Spee – A Formidable Power of the Kriegsmarine;  Death of the Graf Spee;  The German pocket battleship ‘Admiral Graf Spee’ in 1939; The German Cruiser Admiral Graf Spee;  A Battle Badly Fought.

Para saber mais assista ao vídeo

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