Meio ambiente, pós pandemia da Covid-19, e a economia (e a burrice também)
Ninguém duvida que o mundo pós pandemia será outro. Além de forte recessão, e um rastro de milhares de mortes, uma coisa é certa em meio a tantas incertezas: nossa ação em relação ao meio ambiente terá que mudar. Já há consenso de que a pandemia também é fruto da degradação ambiental. A procura da sustentabilidade deixará de ser discurso. E quem não fizer a lição de casa será duramente boicotado pelas assombrosas lembranças que este inicio de século 21 deixará. Meio ambiente, pós pandemia da Covid-19, e a economia é o post de opinião de hoje.
A fatídica reunião ministerial de 22 de abril
O mundo, que nos inveja pela graça da maior biodiversidade do planeta, agora também conhece as entranhas da atual administração. Mas a bizarrice da reunião passou batido para alguns veículos.
No dia seguinte à divulgação do vídeo a Reuters, por exemplo, ignorou a linguagem ‘exótica’ do presidente e, no despacho da noite de 22 de maio, estampou em manchete, “O ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, pediu ao governo que adote mais desregulamentação da política ambiental, enquanto as pessoas se distraem com a pandemia de coronavírus.”
A imagem externa do País, já afetada pelo aumento do desmatamento em 2019 (para não falar na condução da crise da pandemia), desmorona.
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Ele sabia o que estava falando. Os alertas de fora do governo ecoavam em sua cabeça.
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Meio ambiente, pós pandemia da Covid-19, e os alertas de especialistas
Já em 2019 o tema preponderante do Fórum Econômico Mundial, em Davos, foi o meio ambiente. E o mundo, nem em pesadelo, imaginava que seria submetido pela Covid-19. Mas já assustava-se com o desmatamento acelerado da Amazônia.
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Um ano atrás, enquanto a comunidade mundial perplexa criticava os resultados ambientais do primeiro ano de governo Bolsonaro, o Relatório Global de Riscos produzido pelo Fórum Econômico Mundial, afirmou pela primeira vez que todos os “principais riscos de longo prazo em relação à probabilidade são ambientais.”
Isso reforçou a decisão dos maiores fundos de investimentos que deixaram claro em Davos: ‘ou o Brasil muda a política de meio ambiente, ou não haverá investimentos no País’.
Maus tratos à Amazônia e Mata Atlântica
Em 2019 o ministro do meio Ambiente investiu contra a Amazônia, e demonstrou descaso e desleixo com o litoral. Neste 2020, suas baterias tornaram à Amazônia, mas incluíram na mira também a Mata Atlântica.
O despacho MMA 4.410/2020, de abril de 2020, traz ‘risco iminente do cancelamento indevido de milhares de autos de infração ambiental e termos de embargos lavrados a partir da constatação de supressões, cortes e intervenções danosas e não autorizadas em Áreas de Preservação Permanente situadas no bioma Mata Atlântica’, segundo ação do Ministério Público Federal e da ONG SOS Mata Atlântica.
E o desmatamento na Amazônia cresceu. Segundo dados do Inpe, ‘o desmatamento bateu recorde no primeiro trimestre de 2020’. E piorou no quarto mês do ano, atingindo ‘406 km2, 64% a mais do que no ano passado, segundo o Deter’.
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Pior que o crescimento do desmatamento na Amazônia em 2020 foi a edição da MP 910/2019. Ela ficou conhecida como ‘MP da grilagem‘ porque, do mesmo modo que o despacho contra a Mata Atlântica, tal MP assinada pelo ‘Exterminador do Futuro’, como se referiu a Bolsonaro o jornal The Guardian, é um cardápio – inconstitucional – de benesses. Premia quadrilhas de grileiros ao entregar imensas áreas públicas a preço de banana a grandes especuladores que agem na Amazônia.
Meio ambiente, pós pandemia e a reação internacional sobre a MP da grilagem
A reação foi rápida. Em carta a senadores e deputados os principais supermercados da Inglaterra, entre eles ‘Tesco, Sainsbury’s, Morrisons e Marks & Spencer, além da rede Burger King, do fundo público de pensões sueco AP7 e de outras empresas de gestão de investimentos’ os signatários afirmaram: “Se a medida for adotada, isso fomentaria ainda mais a apropriação de terras e o desmatamento em grande escala, o que colocaria em risco a sobrevivência da Amazônia”.
Economistas, diplomatas, e ex-ministros alertam para o caos ambiental promovido por Ricardo Salles
Ainda antes da reação internacional, em 8 de maio de 2020 os economistas Armínio Fraga e Juliano Assunção escreveram um artigo no Estadão sobre o quiprocó na Amazônia. Título: “Pra que grilagem? Cuidado com a MP 910.” Corpo do texto, “Caso a Medida Provisória (MP) 910/2019 seja aprovada em seu texto original, irá piorar a já triste trajetória de estatísticas de desmatamento na Amazônia, premiar grileiros por seus crimes e causar sérios danos à imagem internacional do Brasil.”
Mais adiante, o alerta: “A agenda ambiental internacional ganhou novos contornos ao longo dos últimos meses. O desmatamento da Amazônia é mencionado explicitamente como potencial obstáculo para o acordo comercial com a União Europeia. A exportação agropecuária também tem sido constantemente alvo de restrições e ameaças comerciais.”
E insistiram: “As discussões sobre mudanças climáticas (Observação do MSF: que o governo brasileiro considera obra de comunistas…) chegaram com contundência ao mundo dos investimentos … grandes investidores tem sido explícitos quanto à incorporação de sustentabilidade como critério para a avaliação de risco e alocação de recursos.”
‘Desafios do acordo Mercosul-União Europeia’
Este foi o título que Rubens Ricupero escolheu para seu artigo no Estadão de 12 de maio. Jurista e diplomata, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, assim abriu o texto: “Um fato novo complica o entendimento entre os países do Mercosul.” Em seguida, o autor demonstra a confusa posição argentina no bloco. Mas, em seguida, alerta: “Além dessa incerteza (da posição Argentina), menciono duas questões do lado brasileiro para acesso ao mercado europeu: competitividade e meio ambiente...”
“O segundo desafio são os compromissos na área de meio ambiente que o Brasil deverá cumprir. O capítulo de desenvolvimento sustentável, incluído no acordo, talvez seja o mais desafiador, em vista da atual política de meio ambiente e mudança de clima do governo brasileiro.”
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‘A crescente força política dos partidos verdes nos Parlamentos europeus’
“A crescente força política dos partidos verdes nos Parlamentos dos países europeus poderá representar um obstáculo para a ratificação do acordo caso a atual política ambiental brasileira não se modifique, como exemplificado pela crise em relação ao Fundo Amazônico (mais uma ‘obra’ de Ricardo Salles), que resultou na suspensão de recursos financeiros recebidos da Alemanha e da Noruega.”
“O descumprimento dos dispositivos poderá acarretar boicotes e mesmo restrição de importação de produtos agrícola do Mercosul.”
‘O mundo mudou…as preocupações com o meio ambiente entraram definitivamente na agenda global’
“O mundo mudou e as preocupações com o meio ambiente, a mudança do clima, a preservação das florestas entraram definitivamente na agenda global. A falta de informação interna objetiva dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos nas últimas décadas e a crescente percepção externa negativa sobre as políticas ambientais criam uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial o do agronegócio.”
Meio ambiente, pós pandemia, a economia…e a burrice
Pelos mesmos motivos de Armínio Fraga e Juliano Assunção, ou Rubens Ricupero, oito ex-ministros do meio ambiente (Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, José Carlos Carvalho, Izabella Teixeira, Marina Silva, Rubens Ricupero e Sarney Filho) pediram em maio a Rodrigo Maia, para não colocar a ‘MP da Grilagem’ em votação na Câmara dos Deputados (A MP venceu em 17 de maio. Foi substituída por projeto de lei que está em tramitação).
Quando o mundo sair da pandemia com suas economias despedaçadas, o Brasil vai precisar investimentos externos para sair do buraco. Os fundos de investimentos internacionais estarão mais magros e mais exigentes.
E vão se lembrar da aventura de um despreparado ministro do Meio Ambiente, marionete de seu leviano mentor.
Ninguém duvida que há excesso de burocracia em todos os órgãos do governo federal, incluso o ministério do Meio Ambiente. Mas não é aceitável a redução proposital da fiscalização, e o desmonte sistemático do arcabouço interno do ministério…às escuras, em meio a pandemia.
Teremos que vencer duas pandemias simultaneamente, a da covid-19 e a da burrice; esta, especialmente contagiosa nas redes sociais e equipe do Palácio do Planalto.
Fontes: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,desafios-do-acordo-mercosul-uniao-europeia,70003299735; https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pra-que-grilagem-cuidado-com-a-mp-910,70003296168?utm_source=estadao%3Afacebook&utm_medium=link&fbclid=IwAR1vfvpLTglHIqa7hFEJJZNaf22Q5NaT3wxcVkobTiicrIYBADyEPaRDAmc; https://conexaoplaneta.com.br/blog/em-carta-ex-ministros-do-meio-ambiente-pedem-a-rodrigo-maia-para-nao-colocar-a-mp-da-grilagem-em-votacao-na-camara-dos-deputados/?fbclid=IwAR0F68fxCccorsW2XgtqfyWMlb7MD4_aTIaYWDJNLpFHgriT-46JDZzh5A0; https://www.reuters.com/article/us-brazil-politics-environment/brazil-minister-calls-for-environmental-deregulation-while-public-distracted-by-covid-idUSKBN22Y30Y; https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2020/05/20/supermercados-britanicos-ameacam-boicotar-brasil-por-mp-da-grilagem.htm; https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2020/01/24/tema-ambiental-afeta-fluxo-financeiro-diz-presidente-do-bc.ghtml.