Ilha de Boipeba, SPU manda parar empreendimento
A ilha de Boipeba, no Sul da Bahia, ainda é o que se pode chamar de paraíso. A dificuldade da chegada poupou esta beleza do turismo de massa que tantos malefícios causam. Ela fica quase grudada a outra ilha, de Tinharé, onde o turismo de massa praticamente desfigurou Morro de São Paulo. Contudo, até hoje em Boipeba só há pequenas pousadas que convivem em harmonia com as belezas naturais. Da mesma forma, a região é de grande riqueza biológica. Coberta por Mata Atlântica, tem um rico manguezal na parte voltada ao continente. Já o lado de fora é repleto de praias, de várias feições e estilos, recifes de corais e ainda com sua paisagem secular preservada. Por quanto tempo não se sabe. Recentemente uma polêmica ganhou as redes sociais com a possível construção de um mega resort no lado sul de Boipeba.
Ilhas são de propriedade da União
Antes de mais nada, vale informar que, por sua biodiversidade, ambas as ilhas, Boipeba e Tinharé, fazem parte da APA das Ilhas Tinharé e Boipeba, uma unidade de conservação marinha criada pelo Governo da Bahia em 1992. De maneira idêntica, a região recebeu chancela da UNESCO como Reserva da Biosfera e Patrimônio da Humanidade.
Em março deste ano publicamos o post Privatização de Boipeba, BA, por influentes milionários. Escolhemos a palavra ‘privatização’ justamente para chamar a atenção do leitor. Como todas as ilhas, ela é da União.
Contudo, cinco influentes empresários conseguiram 20% da ilha onde pretendem erguer um grande complexo turístico, por módicos R$183.375,00 mais a promessa de criar 150 empregos, a criação de um Programa de Educação Ambiental e, ao mesmo tempo, Elaboração de Projeto Socioambiental.
Mais lidos
Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemVírus da gripe aviária mata milhões de aves mundo aforaArquipélago de Mayotte, no Índico, arrasado por cicloneAcidente com dois petroleiros russos ameaça o Mar NegroSão eles Armínio Fraga, José Roberto Marinho, Arthur Baer Bahia, Marcelo Pradez Faria Stallone e Antonio Carlos de Freitas Valle. Convenhamos, são nomes com alto poder de lobby e influência. Menos de R$ 200 mil reais para um quinto de uma ilha paradisíaca nos pareceu algo altamente improvável, não fossem eles tão influentes.
É possível comprar uma ilha?
No Brasil qualquer pessoa pode comprar uma ilha da União, seja por cessão onerosa, quando o comprador paga o valor estipulado em troca de uma licença para dela se aproveitar. Outra forma é por concorrência pública, quando a União assim o desejar. Em ambos os casos, o comprador não fica dono do imóvel, mas tem o direto de usufruir da propriedade desde que qualquer alteração seja aprovada.
PUBLICIDADE
Seja como for, há sempre regras rígidas, especialmente no que diz respeito às questões ambientais. Cada prédio, píer ou qualquer outra construção, tem necessariamente que ter prévia aprovação. O cuidado está correto. Ilhas são espaços únicos, frágeis, que guardam tradições sociais centenárias em condições ímpares de isolamento em termos ambientais.
Por estas qualidades singulares, seja qual for seu uso, quanto menor ocupação destas terras, melhor. Afinal, se sua biodiversidade e paisagem foram mantidas por famílias que as habitam há centenas de anos, que mantenham o direto de explorá-las em seus usos e costumes para o resto da vida. Os outros poderão conhecê-los, e desfrutar suas qualidades via o turismo de baixa intensidade como tem sido.
Leia também
Ilha Diego Garcia, última colônia britânica na África será devolvidaVulcões submarinos podem ser a origem da lenda da AtlântidaPavimentação da Estrada de Castelhanos provoca tensão em IlhabelaAssim, o que espanta, é saber que a ideia de cinco empresário prevaleceu sobre o direito das populações originais que desde o século 15 habitam e mantém a integridade da região. Como justificar o usufruto de 20% de Boipeba por menos de R$ 200 mil reais, e ainda por cima para ganhar dinheiro com um megaprojeto turístico.
Só os cinco ganham?
População e vilas de Boipeba
Em primeiro lugar, o projeto não tem valor social. O máximo que fará, segundo os empresários, é gerar 150 empregos durante o breve período da construção civil. Em seguida serão demitidos, e substituídos por funcionários mais escolarizados de outras regiões. Para efeito de comparação, a população de Boipeba, que pertence ao município de Cairu, é de 15 mil pessoas (IBGE 2009).
De acordo com o site boipebatur.com.br, ‘A Ilha de Boipeba é um dos locais de colonização mais antigos do Brasil. Sua população é uma miscigenação entre negros, índios e europeus, principalmente portugueses e holandeses. A população vive basicamente do turismo, da pesca e do artesanato local.’
Segundo a mesma fonte, ‘A base econômica é o turismo e a pesca, além do artesanato produzido em palha e cipó. Já ‘o rendimento médio mensal per capita da população economicamente ativa (11.250 indivíduos) é de 1,7 salário mínimo’.
A subsistência desta população pobre, depende do vigor da biodiversidade local basicamente dividida em quatro povoados: Velha Boipeba, Monte Alegre, de Moreré e, finalmente, de São Sebastião, também conhecido como Cova da Onça.
O projeto turístico
É neste local bucólico, rústico, e portanto, único em originalidade que os empreendedores pretendem construir um resort de luxo. Segundo o portal da prefeitura, ele terá 69 lotes para residências fixas, ‘duas pousadas com 3.500 m² cada, mais de 82 casas, parque de lazer, píer e infraestrutura náutica, e aeródromo. Sua localização será na Fazenda Ponta dos Castelhanos, Povoado de São Sebastião, na parte sul da ilha.
O projeto ainda tinha a previsão de um campo de golfe com 18 buracos que, todavia, parece não ter sido aprovado ainda que conste do site da prefeitura. Em resumo, é um projeto que foge à característica do local que é o turismo de baixo impacto, e de cunho ecológico. Este, gera empregos e renda, mantém as tradições sociais vivas como atrativo, bem como a paisagem; em outras palavras, a modalidade promove a riqueza biológica em vez de banalizá-la, apequená-la.
Secretaria de Patrimônio da União suspende a transferência de parte de Boipeba
Estranhamente, o projeto dos cinco sortudos foi aprovado pelo INEMA – Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Contudo, depois de muitos protestos que incluíram um abaixo-assinado (até a data em que este post foi escrito já contava com 94 mil assinaturas), em 6 de abril o governo federal, através da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) — ligada ao Ministério da Gestão —, suspendeu os efeitos da transferência de titularidade autorizada pelo INEMA.
A SPU também determina que a empresa Mangaba Cultivo de Coco LTDA e o empresário Marcelo Pradez de Faria Stallone não realizem qualquer obra no terreno até que seja apurado se o empreendimento aprovado atende à legislação patrimonial e que seja publicada a Portaria de Declaração de Interesse do Serviço Público com a delimitação do perímetro do território tradicional da comunidade de Cova da Onça.
PUBLICIDADE
A decisão da SPU atendeu um pedido do Ministério Público Federal (MPF) do dia 14 de março. Os procuradores entendem que a autorização para a transferência de titularidade e construção do empreendimento pode retirar direitos de comunidades tradicionais que ocupam a ilha de Boipeba.
“Irregularidades Gravíssimas”
O site O Eco teve acesso ao ofício do MPF e Defensoria Pública da União enviado ao governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues Souza (PT), e ao Secretário de Meio Ambiente, Eduardo Sodré Martins, sobre “Irregularidades Gravíssimas” no caso da ilha de Boipeba.
O documento questiona: ‘tem se tornado comum a utilização de áreas da União por projetos, atividades e empreendimentos de toda ordem, comprometendo o modo de ser e viver, a dignidade e a existência das comunidades tradicionais na Bahia.’
Ele ainda determina que ‘não autorize ou licencie, em hipótese alguma, empreendimentos em áreas públicas federais, principalmente nas localidades em que envolvam comunidades tradicionais protegidas constitucionalmente.’
A ver quais serão os próximos passos, quem sabe Boipeba tenha a felicidade de se aproveitar do turismo de baixo impacto que, além de não prejudicar o modo de vida das populações tradicionais, ainda mantém a integridade da biodiversidade e, especialmente, a belíssima paisagem.