Gelo da Groenlândia e o ponto de inflexão
Em janeiro de 2019 o New York Times repercutiu um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences cujo título era Greenland’s Melting Ice Nears a ‘Tipping Point,’ Scientists Say, em tradução livre, O derretimento do gelo na Groenlândia se aproxima de um ‘ponto crítico’, dizem os cientistas. Já o texto de abertura dizia “O Ártico está esquentando ao dobro da taxa média do resto do planeta. Uma nova pesquisa acrescenta evidências de que a perda de gelo está se acelerando conforme o aquecimento aumenta.” O que parecia ficção em 2019 parece ter se confirmado um ano e meio depois: Gelo da Groenlândia e o ‘ponto de inflexão‘ é o comentário de hoje.
Gelo da Groenlândia e o ‘ponto de inflexão’
Desde já, ‘ponto de inflexão’ é o ponto do não retorno. E a matéria do Times de 2019, que dizia que ‘nos aproximamos do ponto crítico’, agora foi confirmada por outra publicação científica.
“A camada de gelo da Groenlândia pode ter atingido um ponto crítico que a colocou em um caminho irreversível para o desaparecimento completo.A queda de neve que normalmente reabastece as geleiras da Groenlândia a cada ano não consegue mais acompanhar o ritmo do derretimento do gelo, de acordo com pesquisadores da Ohio State University.”
“Isso significa que a camada de gelo da Groenlândia – o segundo maior corpo de gelo do mundo – continuará sua perder mesmo se as temperaturas globais pararem de subir.”
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Repetimos a frase: “…o derretimento completo da Groenlândia pode elevar…” O derretimento completo pode acontecer se não fizermos nada, mas não é o que está acontecendo. É preciso ler com atenção antes de tirar conclusões.
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Na verdade o derretimento dos dois polos é tão acentuado que mudou o eixo da Terra.
Como foi feito o novo estudo
Os cientistas revisaram 40 anos de dados mensais de satélite de mais de 200 grandes geleiras que estão drenando para o oceano em toda a Groenlândia. Segundo Michalea King, autora principal do estudo e pesquisadora do Centro de Pesquisa Polar e Climática Byrd da Ohio State University:
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Junho de 2019
Em junho de 2019 o Mar Sem Fim repercutiu o mesmo estudo citado pelo New York Times no post O Ártico está derretendo. Portanto, não é novidade. É apenas, e aparentemente, a confirmação do que a comunidade científica vem alertando faz tempo.
Não por outro motivo, o mundo comemorou o Acordo de Paris, o primeiro aceito pela comunidade mundial sobre o corte de emissões. O acordo previa conter o aquecimento da temperatura média do planeta em menos de 2º C até 2100.
Mas, de lá para cá, as coisas pioraram. Donald Trump retirou a maior economia do mundo do acordo. E em Brasília, há quem diga que aquecimento global é um ‘complô comunista’.
Independente das declarações, é fato que o Brasil não vai cumprir suas metas de diminuição de emissões em 2020 apesar da pandemia que desacelerou a economia mundial ter contribuído para que muitos países atinjam as suas. Em nosso caso, o motivo são as queimadas na Amazônia, e no Pantanal. E isso ajuda a explicar as cobranças a que somos submetidos.
O gelo da Groenlândia
O gelo da Groenlândia já é o maior contribuinte individual para o aumento do nível do mar. Apenas nos próximos 80 anos, sua taxa de derretimento atual acrescentaria outros 6,9 cm aos níveis globais do mar, de acordo com um estudo publicado em dezembro.
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Ian Howat, glaciologista e coautor do artigo:
O recuo das geleiras colocou a dinâmica de toda a camada de gelo em um estado constante de perda. Mesmo se o clima permanecesse o mesmo ou até esfriasse um pouco, a camada de gelo ainda estaria perdendo massa
Para estes cientistas a quantidade de gelo que a Groenlândia perde por ano aumentou nas últimas décadas. Até o ano 2000, o manto de gelo tinha chances iguais de ganhar, ou perder gelo a cada ano. Mas, revisando o clima nos últimos 20 anos, eles concluíram que o manto só pode ganhar massa a cada 100 anos.
O moto-perpétuo?
Os cientistas dizem que em apenas cinco dias, a camada de gelo da Groenlândia ‘perdeu 55 bilhões de toneladas de água’. Este fenômeno foi favorecido por ‘uma onda de calor durante o verão de 2019 na Europa’ que acabou por atingir a ilha.
O www.theweathernetwork.com diz que “O derretimento provoca mais derretimento, pois a água que se acumula na camada de gelo absorve mais luz do sol e aquece ainda mais tudo ao seu redor. É por isso que pontos de inflexão como a Groenlândia aceleram tanto a perda de gelo.”
Mas isso não é tudo: “No Ártico, o derretimento do gelo está expondo o permafrost – solo congelado que libera poderosos gases do efeito estufa quando degela. Se o aquecimento descongelar o permafrost suficiente, os gases liberados reterão o calor mais rápido do que as emissões de combustíveis fósseis dos humanos.”
Ainda há esperança
A intenção não é disseminar pânico, mas chamar a atenção para o fato evidente, muitas vezes negado, outras vezes não levado a sério como deveria. É nesta tecla que temos batido.
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O Brasil não se prepara para o que vem pela frente. A maioria de nossos gestores políticos se preocupam com as próximas eleições, mesmo um dia depois de serem eleitos. E não dão bola para as questões que afetarão a vida das próximas gerações.
A mais rica cidade do Brasil, São Paulo, naufraga todo verão. Inclusive no último. E não estamos sozinhos quando chamamos a atenção do público, de modo a que faça pressão e pense bem nas eleições que mais uma vez estão às nossas portas.
No último podcast que gravamos, desta vez com Fernando Henrique Cardoso, abordamos o assunto. FHC não hesitou: “Ainda hoje nos meios políticos o conhecimento (sobre o aquecimento) é retórico, não é verdadeiro; um sentimento autêntico de quem sabe que isso é coisa séria.”
Ainda há tempo, embora a cada dia que passa, menor, como concluiu a matéria do theweathernetwork.com, “Limitar o aquecimento global pode atrasar esses pontos de inflexão e dar ao mundo mais tempo para se preparar.”
Imagem de abertura: Poul Christoffersen.