ENTREVISTA
João Lara Mesquita, jornalista que sobreviveu a naufrágio na Antártida
Depois de ver seu barco afundar no meio do gelo, ele conta que ainda tem pesadelos com acidente e planeja escrever um livro
BRUNO PAES MANSO
“A adrenalina ainda não passou”, diz o jornalista João Lara Mesquita, de 56 anos, ex-diretor da Rádio Eldorado, que no dia 7 de abril viu seu barco Mar Sem Fim naufragar na Antártida. Mesmo acumulando 60 mil milhas no mar, distância suficiente para quase duas voltas ao mundo, ele diz que nunca viveu emoção tão forte. Ainda dorme mal, tem pesadelos e voltou a fumar. Preparando um livro sobre a aventura, diz sentir-se arrasado por ter deixado no fundo da Baía de Fildes a carcaça de seu barco, contribuindo para a poluição local. Atualmente, o jornalista escreve todos os dias no marsemfim.com.br, onde junta material de viagens que fez pela costa brasileira e Antártida. No site, há 2 mil fotos, 45 horas de 90 documentários da costa brasileira, além dos cinco filmes da jornada à Antártida em 2009.
Em casa, com o labrador Bauzer. Jornalista tem 60 mil milhas no mar: distância daria para dar quase duas voltas ao mundo
Já deu para entender o que aconteceu?
Houve um fenômeno meteorológico que potencializa as três piores condições da Antártida. Chama-se “jato frio inercial”, segundo me explicou o professor Rubens Junqueira Villela, um dos primeiros brasileiros que foram para a Antártida, ainda nos anos 1950. O vento, que já é forte, fica fortíssimo. O frio, que já é absurdo, desce ainda mais. Esse vento forte sopra todo o gelo para a Baía. O acúmulo de gelo acabou destruindo o barco, que ficou preso.
Chegou a temer por sua vida?
Em um momento como esse, tudo é dramático. É uma situação medonha. Mas não chegamos a ficar em risco. O máximo que poderia ocorrer era a gente subir em uma pedra. Os chilenos (da base que os socorreu) diziam ter certeza de que naufragaríamos em dois dias, mas eles estavam preparados para o resgate.
Quais são seus planos agora?
Essa é uma história dramática, tem componentes excepcionais para um livro. É preciso contá-la para expiar a culpa, para que sirva de exemplo, para que outros aprendam. Eu aprendi e sei que hoje sou um homem melhor, um navegante melhor, um caráter melhor.
Que lições tirou do episódio?
Estive ao lado de pessoas excepcionais, que são pagas para salvar a vida de gente que elas nunca viram. Como os chilenos e argentinos que me ajudaram. Não perguntaram meu nome, de onde sou, onde moro e se dedicaram a me salvar e arrumar meu barco. Por 12 dias, um trabalho dificílimo. O que você precisa? Ele batalha por você. Foi uma lição de luta, humildade, perseverança e solidariedade.
E o que foi pior?
A carga emocional é fortíssima. Até hoje, eu não consigo dormir direito, tenho pesadelos. Eu tenho filhos pequenos, pais octogenários, irmãos que sofreram enquanto eu estava por lá. Isso me deixou péssimo. Sou uma pessoa que não gosta de incomodar os outros. E, de repente, dei trabalho para meio mundo. Marinha brasileira, profissionais estrangeiros, minha família. Eu me sinto culpado e um livro vai me ajudar.
E pretende voltar à Antártida?
Não descarto a possibilidade, mas acho que sou mais útil na costa brasileira, filmando e documentando a costa do País. Amanhã (hoje), vou à TV Cultura para falar em retomar o projeto. Em última hipótese, vou alugando barcos nos Estados. Não vai ter o mesmo charme, mas pelo menos sai o documentário.
É isso que pretende fazer daqui para frente?
Sim, é preciso informar sobre o mar. As pessoas mudam de atitude quando bem informadas. Quando falamos em óleo do mar, as pessoas pensam em grandes desastres. Apenas 13% de todo o óleo que está no mar é de desastres. A maioria vem do automóvel. 70% da população do mundo mora na faixa costeira. Quando a fumaça sai do escapamento, aquilo é o óleo. Quando chove, volta para o oceano. As pessoas não sabem. Quando as pessoas têm informação, mudam a postura.