Falésias e a tragédia na praia de Pipa, RN
O acidente na praia de Pipa, em Tibau do Sul no Rio Grande do Norte, quando o desmoronamento de uma falésia matou um casal e seu filho de apenas sete meses enquanto descansavam em sua sombra chamou a atenção da sociedade que ainda se incomoda com tragédias. Mas o triste acidente nos remete a mais uma formação comum na zona costeira brasileira. E, como outras, muito pouco conhecida e respeitada. Se tragédias servem para algum propósito seria este, estudá-las para evitá-las. Ou, no mínimo, mitigar suas consequências. Falésias e a tragédia na praia de Pipa (As fotos que ilustram este post foram feitas durante a primeira viagem do Mar Sem Fim, 2005-2007).
Falésia, conheça esta formação
Encontramos um artigo da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, escrito por Leonor Assad. O título já diz tudo: As belas e perigosas construções da natureza. Belas, mas perigosas. Este não foi o primeiro acidente fatal por desmoronamento de falésias ao longo dos litorais do planeta.
Leonor inicia seu artigo comentando a nossa costa: “O oceano Atlântico banha o litoral brasileiro que se estende por mais de 8 mil quilômetros, predominados por costas baixas. Mas, por vezes, a terra firme se impõe ao mar por meio de escarpas com inclinação acentuada. Surgem, aí, as falésias, esculpidas principalmente pela ação erosiva das ondas do mar.”
Vale repetir o ‘esculpidas principalmente pela ação erosiva das ondas do mar’. Ou seja, apesar de sua beleza, não é de bom tom se distrair com elas em razão da erosão, fenômeno natural acirrado pelas condições naturais da zona costeira, neste caso, as ondas.
Mais lidos
Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemVírus da gripe aviária mata milhões de aves mundo aforaArquipélago de Mayotte, no Índico, arrasado por cicloneAcidente com dois petroleiros russos ameaça o Mar NegroOnde ocorrem no litoral brasileiro
E voltamos ao artigo da SBPC: “As falésias no Brasil ocorrem principalmente nas regiões Nordeste e Sudeste, onde se alternam com praias, dunas, mangues, recifes, baías e restingas, e conferem singularidade à paisagem litorânea.”
Especialmente no Nordeste a beleza das falésias atrai, ou facilita o turismo. Foi o que aconteceu na praia de Pipa, uma antiga vila de pescadores que caiu no gosto dos turistas. E foi por eles transfigurada.
PUBLICIDADE
O turismo é a vocação natural do litoral. Mas quando ocorre de forma desordenada também pode descaracterizar o lugar como aconteceu na praia de Pipa que não tem a menor condição de receber a enorme quantidade de pessoas que a frequentam.
Estas considerações nada têm a ver com o acidente que deu ensejo ao post. São apenas uma maneira de aproveitar o episódio para divulgar informação a quem frequenta, ou se interessa pelo litoral.
Leia também
Investimentos no litoral oeste do Ceará causam surto especulativoCafeína, analgésicos e cocaína no mar de UbatubaA repercussão da retomada da análise da PEC das Praias pelo SenadoFalésias, sua beleza e o turismo no litoral
O artigo que mencionamos também aborda este aspecto. “O potencial turístico da região litorânea, e em especial do Nordeste, tem sido apontado em diversos estudos que destacam seus atributos naturais, culturais e a abundância de mão-de-obra com custos baixos.”
“As áreas onde ocorrem as falésias possuem um atrativo especial para o turista: é o mar visto de cima. Ronaldo Fernandes Diniz, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), considera que “juntamente com as praias arenosas e dunas locais, as falésias do Nordeste constituem paisagens de rara beleza e, portanto, de grande valor para as atividades turísticas e o desenvolvimento regional”.
O processo erosivo nas falésias
Leonor Assad explica como acontece: “Nas falésias, o processo erosivo atua em duas frentes: na base, pela ação das ondas e correntes marinhas. E no topo, pela ação das águas da chuva. As ondas escavam a base das falésias e provocam desmoronamentos. Isto, combinado com a ação das águas pluviais, faz com que as falésias recuem em direção ao continente.”
E reforça: “Falésias são naturalmente áreas de risco, pois estão constantemente submetidas ao processo erosivo que favorece desmoronamentos, tanto no topo, como na base da falésia.”
Por sua beleza e fragilidade, as falésias eram protegidas como APP – Área de Preservação Permanente, pela resolução do Conama nº 303/02 que proíbe qualquer tipo de ocupação numa faixa de cem metros, contados da sua borda.
Esta mesma resolução, que dava status de proteção aos mangues, restingas, e dunas foi extinta por arte do ‘ministro’ do Meio Ambiente em setembro de 2020.
PUBLICIDADE
A afronta foi de tal ordem que gerou enorme polêmica. Felizmente, a ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal suspendeu a decisão que agora será discutida no plenário. Ou seja, ainda é tempo para se revogar a decisão de Salles.
A atividade turística nestas áreas
O artigo de Leonor Assad também toca nesta questão. E ressalta os problemas que podem acontecer, como em Pipa: “Especialistas consideram que o turismo é uma atividade que deve ser sustentável em termos econômicos, sociais e ambientais.”
“Para evitar impactos ambientais são necessários planejamentos e zoneamentos que considerem a capacidade de carga dos ecossistemas envolvidos. A capacidade de carga é o máximo de uso possível de um ecossistema sem causar efeitos negativos sobre os recursos biológicos, sem reduzir a satisfação dos visitantes e nem produzir efeito adverso sobre a sociedade receptora, a economia ou a cultura local.”
Turismo ‘desde que se respeite a legislação’
Capacidade de carga que jamais foi medida ou implementada na região de Pipa, o município de Tibau do Sul. A autora ressalta que a atividade turística é viável em locais de falésias, ‘desde que se respeite a legislação’.
E, apesar de não podermos dizer que o acidente de Pipa aconteceu em razão de algum desrespeito, já que as falésias do local aparentemente não são ocupadas, não é o que ocorre em outros locais do litoral do Nordeste.
Legislação ambiental frequentemente desrespeitada no litoral
Ao longo de minhas viagens pela costa brasileira o que mais vi foi a ‘legislação vigente’ (ao menos à época) sendo desrespeitada, inclusive, e especialmente, em área de falésias.
Leonor Assad busca sustentação em seu texto citando Ronaldo Diniz, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), que disse: “Em áreas próximas às bordas das falésias devem ser evitados edificações, tráfego de veículos, alterações no fluxo natural de água pluvial, deposição de lixo e entulhos e exploração turística acima da capacidade de suporte local.”
PUBLICIDADE
A autora cita outro pesquisador, José Maria Landim Dominguez, professor titular em geologia costeira e sedimentar da Universidade Federal da Bahia (UFBA): “É preciso estabelecer faixas de recuo baseadas em projeções de taxas históricas de erosão da linha de costa para uma determinada localidade; proibir intervenções humanas, como jardins e fossas, que provocam aumento da entrada de água no solo e, consequentemente, aumento do risco de desmoronamento.”
“E impedir que se construam obras de estabilização na forma de muros na base das falésias, que afetam a dinâmica de transporte e deposição de sedimentos, exacerbando os processos erosivos nas áreas vizinhas.”
Apesar dos alertas dos especialistas e da legislação ambiental reconhecer os riscos e a ‘beleza singular’, e ‘proteger’ as falésias no papel; a mesma legislação foi sistematicamente ignorada como demonstram as fotos, e sem reação da opinião pública.
Como já dissemos inúmeras vezes, o mar e a zona costeira não comovem o público. Não poderia ser diferente. Resta aprender com o acidente, e aguardar a posição do STF.
A zona costeira brasileira jamais precisou um ‘ministro’ para maltratá-la. Nossa omissão é mais que suficiente.
Imagem de abertura: MSF
Fontes: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252010000200003#:~:text=As%20fal%C3%A9sias%20no%20Brasil%20ocorrem,conferem%20singularidade%20%C3%A0%20paisagem%20litor%C3%A2nea.
Tristão da Cunha e a quarta maior área marinha protegida nos oceanos