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Dois hectares de mangue em Paraty provocam discórdia

Dois hectares de mangue em Paraty provocam discórdia

Essa é de cair o queixo! Recentemente, descobri uma disputa em torno de dois hectares de mangue em Paraty. Como assim? Preste atenção, porque essa história ilustra até onde vai a falta de discernimento de uma parte significativa da população, em meio ao caos e à destruição causados pelos eventos extremos. Acredite se quiser: a Associação de Moradores do Centro Histórico de Paraty- AMAP, que tem assento no Conselho da Cidade, pediu o corte raso do manguezal da Terra Nova, uma barreira natural que protege a histórica cidade do mar. Pode isso?

mangue em Paraty
A área demarcada está em litígio.

Em plena era de aumento descontrolado do nível do mar, causando erosão em litorais ao redor do mundo, uma associação de moradores de uma cidade costeira, que enfrenta inundações mensais durante a lua cheia e nova,  solicita a remoção do pouco que resta do mangue?

Não há como discutir com quem não quer se informar

Nós vivemos uma época maravilhosa por um lado, e tenebrosa, por outro. A época da velocidade instantânea da informação. O sujeito soluça na Praça da Paz Celestial, em Pequim, e a gente pode ver ao vivo na internet. Fantástico. Pessoas começam a ser operadas à distância graças às novas tecnologias. Hoje é possível ter educação até nos locais mais ermos do planeta, basta pra isso uma conexão com a rede mundial de computadores.

Não é aceitável que um pedido como este tenha qualquer chance de prosperar. Ele só revela a profunda ignorância de parte dos brasileiros. O que deveríamos estar fazendo, se o Brasil não estivesse nas mãos de governantes alienados que se acham protagonistas de algo indefinido, é desenvolver um plano nacional de replantio de manguezais, como já fazem dezenas de países na Ásia, África, Oceania, e nas Américas Latina e do Norte.

Manguezais e áreas úmidas em geral estão sendo replantados por seus valiosos serviços ecossistêmicos. E, ainda melhor, esses países estão gerando renda através dos créditos de carbono.

Algumas funções dos mangues

Além de ser o segundo berçário marinho em importância, depois dos corais, o mangue é ninhal para aves em geral. Mas, o mais importante é que ele atua como uma barreira de segurança, protegendo a linha da costa contra a erosão. Ou será que mais importante é o fato de que um hectare de mangue sequestra quatro vezes mais CO2 da atmosfera que a mesma porção de florestas tropicais.?

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Hoje, estamos cercados por um bombardeio ininterrupto de informações. Onde quer que se vá, elas continuam a chegar. É fundamental ter discernimento para distinguir o que realmente importa.

Lembrei de uma situação semelhante em Ubatuba, em 2023, quando flagrei a então prefeita, Flávia Pascoal (PL), destruindo o restante do mangue do rio Escuro para expandir o bairro com o mesmo nome. Felizmente, a Câmara cassou o mandato de Flávia Pascoal em 2023 por outros crimes.

Por muito menos o  Ministério Público indiciou um prefeito

Por muito menos, o prefeito de Ilhabela, Antonio Colucci (PL),  que chamamos ‘O Colosso do Litoral Norte’, enfrentou um indiciamento pelo Ministério Público Federal (MPF).

Em 2023, durante uma audiência pública, Colucci iniciou uma discussão com um dos participantes sobre a retirada de jundu das praias (planta de restinga). Em determinado momento, Colucci reconhece que a prática é crime. Mesmo assim, incita explicitamente a população a proceder à retirada clandestina: “Vamos tirar o jundu, vocês precisam me ajudar a tirar o jundu. Eu não posso mandar a prefeitura tirar, porque senão eu vou preso, mas se cada um tirar um pé por dia, rapidinho não tem mais nenhum. Tira lá, cada um vai lá e ó…puxa o pezinho, puxa o pé”, disse o prefeito.

A polêmica em Paraty

Alguém do poder público de Paraty deve ter dado guarida ao pedido, não fosse isso a polêmica não cresceria como aconteceu. Por exemplo, a vereadora Flora Maria Salles França Pinto enviou ofício ao prefeito pedindo ‘a criação de um Parque Municipal na área’, o Parque Municipal Terra Nova, ‘como incentivo à educação ambiental, ao avistamento de pássaros, e a proteção e valorização do local’.

Já, Francisco Menoret, que é guia de turismo e observação de aves, mandou carta ao chefe do Escritório Técnico da Costa Verde, e Superintendente do IPHAN no Rio de Janeiro, André Farias Cavaco, onde pedia a mesma coisa e avançava:

“Temos certeza de que a vocação daquela área que tão bem traduz o conceito de Paraty, Cultura e Biodiversidade, que nos valeu o título de Patrimônio Mundial, perfeitamente integrada à paisagem urbana da cidade, embora praticamente abandonada pelo poder público, é ser protegida legalmente, com total proteção aos seus ecossistemas marinho/costeiros…”

Na parte em negrito Francisco Menoret nos deixa saber que o prefeito de Paraty não dá atenção para a área de mangue, mal cuidada, suja, e desprezada pelo prefeito Luciano de Oliveira Vidal (MDB).

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A palavra de um notório morador, o Príncipe D. João  de Orléans e Bragança

Conversei  com D. Joãozinho, como é mais conhecido, que mora em Paraty. Segundo ele, ‘é a maior área verde no Centro Histórico que atrai turistas e moradores ao gramado que separa a cidade do mangue’.

Foto de D. Joãozinho de colhereiros se alimentando no mangue.

‘Eu moro em frente do mangue e vejo a área gramada usada por observadores de aves. Há dezenas de tipos, como colhereiros, garças brancas e cinzas, e uma infinidade de outras. E além disso, é uma área protegida que faz parte imprescindível da proteção visual da cidade, segundo o IPHAN’.

A palavra do prefeito Luciano Vidal (MDB)

Antes, saiba que consegui o celular de Luciano Vidal (MDB) e que foi através dele que o prefeito respondeu três questões que enviei. Luciano, entretanto, extrapolou, escreveu muito mais. Talvez isso explique alguns erros de digitação,  e muitos outros. Alguns são fáceis de perceber o significado que o autor quis dar, outros nem tanto. Decidi não alterar  para evitar mudanças de sentido. O texto segue tal qual o recebi, ou seja,  ipsis litteris.

Segue a mensagem que enviei ao prefeito: Prezado; Soube da polêmica do mangue da Terra Nova, e recebi denúncias de que o sr. não trata a região com o devido cuidado. Falta limpeza, segurança, faltaria empenho de sua parte, dizem que o mangue ‘está praticamente abandonado pelo poder público’.

1- Como responde a esta acusação?

2- De qual lado o sr. está na polêmica em que a Associação de Moradores do Centro Histórico de Paraty- AMAP, com assento no Conselho da Cidade, pede o corte raso do mangue, enquanto a outra parte sugere que a área se torne um Parque Municipal, conforme sugestão da vereadora Flora Maria Salles França Pinto?

3- Como avalia que um membro do conselho peça o corte de vegetação protegida por lei, e que presta importantes serviços ecossistêmicos especialmente em época de aquecimento global fora de controle?

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Desde já peço desculpas aos leitores pelo tamanho da resposta.

‘Primeiramente tudo isso é mentira e quem te mandou é oposição aproveitando do processo eleitoral para te usar’.

‘Se vc quiser posso ir lá com vc pessoalmente e vc vai ver que o mangue está totalmente regenerado. Lá atrás muito antes do meu governo na década de 2000 o PL IPHAN entrou com um pedido para que fosse lidado (Sic) o referido mangue por conta do impacto visual do sítio histórico. Aquele mangue na verdade nunca existiu ali e com o tempo e devido a sedimentação e correntes naturais de maré e a falta de circulação e drenagem no local o mangue se instalou e cresceu ali’. 

O Ibama entrou com uma ação civil pública contra o IPHAN’

‘Após esta poda que foi feito salvo não me engano em 2000 mil (Sic). O ibama entrou com uma ação civil pública contra o IPHAN que tramita na justiça condenando o mesmo pelo dano ambiental causado. Isso sim que eu sei é não tem nada haver com prefeitura’ (Sic).

‘Sobre o abandono , isso é mentira e não existe. Volto a dizer quem está te mandando está se aproveitando do momento político. Porque em 5 anos do meu governo nunca teve uma denúncia desta? Porque só agora? Não é estranho?’

‘Com relação as ações da prefeitura temos uma aos municipal no qual é incluído o mangue da terra nova (Sic). Toda semana o mangue sofre fiscalização da secretaria do ambiente e da guarda municipal com monitoramento de pessoas que tentam adentrar no mangue e constantemente são abordados pela fiscalização. Não existe ninguém morando lá. Segundo recentemente, fizemos a drenagem do entorno do mangue com o centro histórico para melhorar o fluxo de água, através do programa limpa rio e estamos com uma draga e caminhões no local não só do mangue como também desassoreando o Rio pereque acu. Graças a parceria mossa com o governo do estado com todo licenciamento feito pelo ineia e maquinários. Pois o custo é muito alto e todo isso beneficia ao mangue da terra nova’. 

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Eu mesmo quase toda semana eu vou lá para ver as obras’

‘O mangue da terra nk a nós temos um certo carinho e eu mesmo quase toda semana eu vou lá para ver as obras e sofre monitoramento toda semana de fiscalização. Vou te mandar as fotos do mangue e das obras para vc ver como está bem regenerado e muito vivo nosso mangue. Eu duvido um mangue tão bem preservado no Brasil numa malha urbana como o nosso. Então o que lhe estão te oasssndk é vendendo gato por lebre e se aproveitando do momento político’.

‘Não estou de lado nenhum porque não precisa de nada e sim de cuidado somente e fazer o que estamos fazendo. Primeiro que eu não vou entrar nesta polêmica de corte de mangue porque isso é uma bola dividida, principalmente em época de eleição e está associação do centro com esta nova direção é só polêmica e nada para ajudar. Veja a contradição, eles dizem que está na cabeça de alguns abandonado e por outro lado querem cortar o mangue e isso a preservação deles? Mangue não se corta e não se poda em hipótese alguma. Eles querem forçar uma barra aí eu corro eles e outros se aproveitam para denunciar e criar polêmicas como no passado’.

‘Outro não tem que fazer parque algum no mangue porque ele já é protegido por lei federal código ambiental brasileiro como APP área de preservação permanente. E também está inserido dentro da apa municipal. Agora eu divido se alguém consegue uma licença ambiental do ibama por se tratar também de área federal para se cortar o mangue. Quero ver pra crê (Sic). Eu não vou entrar numa furada desta por conta de meia dúzia de pessoas criando esta situação da cabeça própria deles’. 

‘O meu lado é da maioria do povo’

‘O meu lado é da maioria do povo e da parte ambiental. Paraty ganhou em meu governo o título de patrimônio mundial na categoria “cultura é biodiversidade “ e a única do Brasil com este título é e a única da América Latina com três títulos internacionais. Cidade criativa em 2017 e agora cidade patrimônio mundial em 2019 com muito orgulho e esse povo aí que está passando este absurdo para vc não contribuíram em nada (Sic). Só polêmica’.

O prefeito ainda enviou um ranking Municipal ICMS ecológico, e prosseguiu em suas explicações.

‘No ano passado e neste ano ficamos em 1o. Lugar de áreas protegidas, e em 9o lugar e este ano em 8o. Lugar respectivamente no ranking do ICMS ecológico do Rio de Janeiro. Que mais prova de unidade de cknsevacao maior do que esta que é monitorada pelo sistema do Inea? Se tivesse algum mangue aqui sofrendo com certeza a gente iria levar paulada mas graças a Deus todos estão monitorados e sofrem fiscalização constante’.

(Em tempo: depois de continuar escrevendo o post e entrevistando os envolvidos, resolvi dar uma olhada no celular. Encontrei muitos novos parágrafos no WhatsApp da nossa conversa, repetindo o que já foi dito, além de dezenas de fotos e vídeos que não consegui ver por falta de tempo—e porque muitos eram de temas que não têm relação com este post).

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A palavra de Dax Goulart, da AMAP

No inicio, quando me apresentei como jornalista ambiental, o Sr. Dax Goulart não quis falar. Perguntei se ele não era membro da Associação de Moradores do Centro Histórico de Paraty, e se confirmava que a AMAP havia pedido o corte raso do mangue para fazer uma praça. Negou novamente. Retruquei dizendo que era minha obrigação ouvir alguém da AMAP, e perguntei se ele poderia sugerir algum membro.

Depois disso a conversa começou a fluir, Dax disse que ‘não podia falar em nome da associação que está numa fase de arrumação interna’, sem diretor, etc.

Em seguida, comentou que a AMAP ‘entrou em contato com o IPHAN, com a secretaria de meio ambiente, e com o Ibama’. Como o IPHAN tombou também a paisagem de Paraty, queriam saber se poderiam, ou não, ‘podar’ o mangue. Explicou que, como no passado o mangue não existia, ‘o paratiense não terá nenhum prejuízo em sua relação com o mar (caso o mangue for cortado)’.

INEA – Instituto Estadual do Ambiente

Depois, contou que o INEA – Instituto Estadual do Ambiente- ‘disse que aquele mangue não necessita de licença, porque é da alçada da prefeitura, quem pode responder é o município’, segundo ele.

Finalmente, disse que mora defronte ao mangue e que antes dele existir não havia alagamento das ruas de Paraty porque a água fluía. Hoje não é assim porque criou-se uma camada de lama impenetrável que ameaça o lençol freático, uma vez que Paraty não tem saneamento, e todo o esgoto in natura é jogado ali.

Reclamou do prejuízo do comércio, e citou turistas que se hospedam perto do mangue e depois mudam de pousada devido ao mau cheiro. Reclamou que ninguém quer conversar sobre isso, e finalizou dizendo que já houve estupros no mangue.

P.S. Depois da entrevista descobri que Dax Goulart é presidente da Associação de Moradores do Centro Histórico de Paraty.

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Eleições municipais no litoral em outubro: é hora da reação

Em 2024 acontecerão as eleições municipais no litoral. Talvez esta seja a derradeira oportunidade de salvar o que resta da zona costeira brasileira. Este site está cansado de denunciar corrupção na maioria dos municípios costeiros.

Triste pela situação, e indignado pela inação da maioria das prefeituras, ocorreu-me que, ou nos unimos agora, ou não sei se teremos outra oportunidade. Não acredito que os municípios mais visados pela especulação imobiliária, muitas vezes comandada pelos próprios prefeitos, aguentem mais quatro anos de abusos.

Infelizmente, a maioria dos alcaides de cidades costeiras é despreparada para gerir a ocupação e ordenamento de um município costeiro, uma área extremamente frágil especialmente em época de aquecimento global, e pressões por todos os lados.  Enquanto parte deles não tem preparo outra parcela, mais simplória, ou nega o aquecimento, ou não leva em consideração. Ao nosso  ver, a maioria procura se eleger não para servir o cargo, mas para servir-se dele.

Pense sobre isso, cidadão de Paraty.

Mitos e verdades sobre a campanha de despoluição do rio Tietê

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