Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, é possível, mas falta vontade política
Nosso assunto é Desenvolvimento Sustentável da Amazônia. Para isso, lembremos o que escreveu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 2 de fevereiro em artigo no Estadão. FHC comentava que ‘Fim e começo de ano são épocas de balanço pessoal, familiar, das empresas e mesmo do País. Sem maiores pretensões, direi umas poucas palavras sobre o mais geral: o que me preocupa ao ver o Brasil como nação.’
‘Até que ponto se conseguiu avançar?’
FHC se perguntava ‘Até que ponto se conseguiu avançar?’ E concluiu: “Em certos setores, bastante: nos segmentos produtivos nos quais fomos capazes de introduzir ciência e tecnologia. Assim aconteceu especialmente na agricultura, que desde o passado se apoiou na tecnologia. O Instituto Agronômico de Campinas exemplifica bem o que ocorreu com a produção cafeeira. Por trás de cada produto em que a agricultura avançou sempre houve o apoio de alguma instituição de fomento e pesquisa.”
O Estado confirmou mais de uma vez, em especial no editorial Alinhamento e agronegócio, em 9 de janeiro que comentou a safra 2020.”A safra poderá chegar a 248 milhões de toneladas, se os fatos confirmarem as projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. Nesse caso, o total colhido será 2,5% maior que o da temporada anterior. A área plantada terá crescido 1,5%. Mais uma vez, como ocorre há décadas, o aumento da produção será bem maior que o da terra usada no cultivo. Essa é uma das características mais notáveis da agropecuária brasileira: amplia-se o volume produzido poupando terra e contribuindo, portanto, para a preservação do ambiente.”
O apoio ‘de alguma instituição de fomento e pesquisa’
Nossa agricultura é a maior prova de que com apoio de instituições de fomento e pesquisa é possível avançar. A cada ano que a safra cresce, usa-se menos terra, como registrou O Estado. Hoje, depois de ‘muita ciência e tecnologia introduzidas’, o agronegócio representa cerca de 21,6% do PIB nacional. É o mais importante segmento da economia. Para 2020, a projeção de crescimento vai de 3,2% a 3,7%, conforme o prognóstico de safra de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Mais lidos
Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemPirataria moderna, conheça alguns fatos e estatísticasMunicípio de São Sebastião e o crescimento desordenadoFrota de pesca de atum gera escândalo e derruba economia de MoçambiqueQual o motivo do sucesso? “Por trás de cada produto em que a agricultura avançou sempre houve o apoio de alguma instituição de fomento e pesquisa.” É o que defende o pesquisador Rinaldo Segundo, em seu livro Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (2015, Editora Juruá). Rinaldo é Mestre em Direito pela Faculdade de Harvard, e graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso.
Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
Rinaldo Segundo explica que ‘a colonização da Amazônia pode ser dividida em três fases. A primeira delas, iniciada na década de 1970, se identifica com o Plano de Integração Nacional (PIN). Destacam-se entre os principais objetivos a construção de estradas com a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém e a colonização agrícola…A segunda fase se estende de 1974 a 1980, principalmente através do Programa Polamazônica, que se constitui no inventivo à formação de fazendas de gado e à exportação de recursos naturais… A terceira fase, iniciada nos anos 1980, procurou estabelecer novos assentamentos rurais ao mesmo tempo em que se procurou estimular mega projetos na Amazônia.
PUBLICIDADE
“Nestas três fases”, prossegue, “inexistia preocupação com os efeitos do financiamento de novos desmatamentos sobre o maio ambiente. Em todas as fases, recursos subsidiados estimularam a colonização amazônica.”
E podemos acrescentar: nada de introduzir ciência e tecnologia nestas, ou nas fases anteriores. Eis aí o busílis. Rinaldo confirma: “Sem industrialização, tecnologia e pesquisa, há pouco espaço para inovar e diferenciar produtos inclusive na Amazônia…Com industrialização e tecnologia, há o aumento geométrico da produtividade e, com pesquisa (inovação), há a diferenciação dos produtos…”
Leia também
COP16, Quadro Global para a Biodiversidade: situação críticaLula agora determina quem tem biodiversidade marinha: GuarapariDragar o Canal do Varadouro: má-fé, insensatez, ou só ignorância?Introduzir ciência e tecnologia para alcançar Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
“Para viabilizar isso na Amazônia, a formação de clusters é fundamental.” E explica: “Clusters são grupos de indústrias que se vinculam mutuamente, reforçando e aumentando sua vantagem competitiva. Incluem também universidades, centros de pesquisa, escolas técnicas, instituições de fomento governamentais, etc.”
Em outras palavras, para que o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia seja possível é imperativo ‘introduzir ciência e tecnologia’, duas disciplinas menosprezadas, e até demonizadas pela atual gestão. Lembremos o escandaloso caso da exoneração do cientista Ricardo Galvão, do Inpe, ao alertar que o aumento de desmatamento era inevitável ante a diminuição intencional de fiscalização.
Um dos primeiros cientistas a escancarar esta questão na grande mídia foi o climatologista Carlos Nobre, na esteira da devastação da floresta no período 2019-2018, com aumento de quase 30%. Há três anos Nobre lançou o conceito da terceira via amazônica que ele mesmo explica:
O elemento inovador da terceira via é propor trazer para o seio da floresta e das comunidades as modernas tecnologias que lhes propiciarão enorme poder de gerar novos conhecimentos
Ciência e tecnologia nos produtos extraídos da Amazônia
Rinaldo Segundo mostra em sua obra, uma política pública a ser discutida, que não precisamos ficar eternamente fixados no passado. “Imagine-se que ao invés de vender castanhas in natura, essas castanhas são industrializadas, combinando-as com outros produtos amazônicos ou não. Agora, não serão apenas castanhas in natura, mas um mix de castanhas, um sorvete de castanha com cupuaçu, chocolate de castanhas amazônicas, etc. E com tecnologia, a quantidade de castanhas antes produzidas pelo extrativista passaria para dez vezes mais.”
Mas só tecnologia não basta. Para o autor, “uma coisa é certa: para um desenvolvimento sustentável efetivo, a participação social deverá ser construída nas diferentes realidades amazônicas.”
PUBLICIDADE
A tese da academia
Rinaldo Segundo não está sozinho. Para Carlos Nobre,”falta industrializar a biodiversidade. E o que fizemos? “Nós nos desindustrializamos nos últimos 30 anos Existem mais de 400 produtos da Amazônia com algum uso, mas em muito pequena escala. No entanto, o açaí atingiu escala mundial. Este é o grande futuro. Sistemas florestais com açaí rendem entre US$ 200,00 e US$ 1.500,00 dólares de lucro por ano por hectare. O gado na Amazônia mais lucrativo rende US$ 100,00 por hectare.”
Madeira, açaí, castanhas, babaçu, látex, e ervas da floresta…
São alguns dos produtos da floresta extraídos pelos extrativistas. E todos vendidos sem serem beneficiados. Rinaldo estudou os processos de cada produto, e mostra as falhas que existem na cadeia, propondo, como sempre, mais tecnologia e inovação em cada etapa, especialmente o beneficiamento. Sobre as plantas da floresta, e o conhecimento dos nativos, isso pode vir a ser um tesouro. É preciso juntar os dois: o conhecimento tradicional e a biotecnologia, para transformá-los em remédios, por exemplo. E isso só se faz com investimento em pesquisa. Não existem milagres.
O caso da madeira é emblemático. ‘um modelo insustentável ambiental e economicamente’. “Mais de 80% da madeira utilizada é desperdiçada e queimada, sem uso produtivo. Sem dono, o desperdício não é computado como perda para as empresas. No final, menos de 20% da extração de madeira ocorreu sustentavelmente.” Mas poderia ser diferente. “Madeira com valor agregado, além de desestimular novos desmatamentos ao gerar trabalho e renda para pessoas antes empregadas na extração ilegal, estimula a eficiência no aproveitamento da madeira agora completamente trabalhada.”
É evidente que o capítulo que trata da madeira não se resume a isso. Ele estuda a cadeia de produção e distribuição, propõe novos caminhos, reafirma a importância do Estado, tanto para dotar a região onde vivem cerca de 23 milhões de brasileiros com mais tecnologia, mas também na necessária fiscalização. E reafirma, com exemplos, a ausência do Estado na Amazônia.
Pecuária e Agricultura
“As áreas desmatadas utilizadas pela pecuária são quase nove vezes as áreas desmatadas pela agricultura na Amazônia Legal. A produtividade bovina na Amazônia é variável, sendo influenciadas pelo clima, genética do rebanho e qualidade do solo…Atividade preponderante na Amazônia considerando a área agrícola, a pecuária extensiva pode ser explicada pela lucratividade, maior proporcionalmente nos Estados amazônicos que em outros Estados brasileiros, e pela política de créditos públicos subsidiados. Lucratividade e créditos subsidiados incentivam a pecuária extensiva e desmatamento desordenado.”
O autor discorre longamente sobre o tema, mostrando que, ao contrário da agricultura que investiu em tecnologia a ponto de não necessitar novas áreas florestais para aumentar a produtividade, a pecuária não o fez. Gera poucos empregos, e concentra a renda. Então, mais uma vez, propõe manter as duas, mas aplicando tecnologia à pecuária, e criando políticas mais sustentáveis para o financiamento, apoio técnico, etc. E não deixando de frisar que ‘a produção agrícola (soja) e a limpeza de áreas para pasto são as principais razões para o desmatamento hoje’.
De quebra, o trabalho propõe soluções para o interminável problema da regularização fundiária e ambiental. Mas não fica apenas nisso. Comenta os instrumentos econômicos para alcançar tais objetivos, as fragilidades das medidas de comando e controle, a justiça tributária, regulação de mercados, logística, etc.
PUBLICIDADE
Agricultura familiar e grupos excluídos na Amazônia
Também são lembrados, do começo ao fim do trabalho. E suas respectivas atividades, estudadas. Há propostas para todos, sempre contemplando políticas públicas, tecnologia, e investimento em pesquisa. “Os grupos excluídos da Amazônia são os esquecidos do desenvolvimento’. Para Rinaldo, “projetos voltados para os grupos de excluídos devem evitar o êxodo rural, promover a qualidade de vida, combater a fome etc…mas devem também ter viabilidade econômica sem o que dificilmente terão continuidade.”
O trabalho é completo. Rinaldo analisou as políticas atuais e seus problemas; as cadeias de produtos naturais, a logística e seus gargalos. E propõe soluções. O mesmo com a pecuária, agricultura familiar. E ainda a eterna questão da regularização fundiária, e medidas para a regulação dos mercados. É uma sugestão de política pública como nunca se viu.
Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
Desenvolvimento Sustentável da Amazônia não é panaceia, mas sua leitura é obrigatória por todos que se interessam pela região. É um belíssimo começo que deve ser mais discutido, e testado, como o próprio autor sugere. E não é a única sugestão bem acabada e profunda da academia. Há outras. Resta ao governo deixar de lado sua descabida birra com a ciência, lembrar do recado de Davos, e colocar mãos à obra na construção de uma real política de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, algo que vá além de simplesmente ter ‘comando e controle’, coisa que hoje sequer consegue.
É hora de virar o jogo. A Amazônia carece de desenvolvimento sustentável. A academia mostra opções. O governo deve chamá-la, dar-lhe voz, discutir suas propostas. Como mostrou editorial do Estado (4/2/2020) ‘o custo da má reputação ambiental do Brasil pode nos custar muito caro’.
Imagem de abertura: Reprodução – Pnud
Fonte: Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, Rinaldo Segundo, Editora Juruá, 2015.
Fontes virtuais: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,alinhamento-e-agronegocio,70003149575; https://g1.globo.com/especial-publicitario/dia-do-agricultor/brf/noticia/2019/08/05/entenda-como-o-agronegocio-impulsiona-a-economia-brasileira.ghtml; https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,a-realidade-do-desmatamento,70003095676; https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,angustias-e-crenca,70003181772; https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,o-alto-custo-da-ma-reputacao,70003184132.