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Decadência do Parna de Noronha e crise das UCs marinhas

Decadência do Parna de Noronha e crise das UCs marinhas

Nós já mostrarmos as mazelas das Unidades de Conservação do bioma marinho. Fizemos uma série de documentários quando visitamos todas elas. Na época, 2014 – 2016, entre 62, havia apenas sete que cumpriam suas obrigações: A ESEC do TAIM, Rio Grande do Sul; RPPN Salto Morato, Paraná; ARIE Queimada Grande, São Paulo; MONA das Cagarras, APA de Guapi-Mirim, e o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no Rio de Janeiro; e finalmente, a Rebio Atol das Rocas, Rio Grande do Norte; se a avaliação fosse hoje entraria outra nesta lista, a Revis de Alcatrazes. As demais funcionavam no papel. Agora, um estudo na  Environmental Pollution escancara as consequências do superadensamento no Parna de Noronha.

parna de noronha, excesso de turistas e golfinho rotador
Imagem, Projeto Golfinho Rotador.

Hoje, uma mistura de fezes humanas, produtos químicos, derivados de petróleo e microplástico polui as águas ao redor, e os golfinhos mudaram seus hábitos, ficando mais expostos a predadores, devido ao excesso de barcos na baía, em outras palavras, turistas demais.

Especulação imobiliária, condomínio, fezes no mar e tráfico de crack

Apesar do abuso do termo ‘paraíso’, ao se referirem às praias brasileiras, há muito que ele rareia, quase não existe mais em razão da ocupação predatória que segue até hoje.

Acervo MSF.

O Parque Nacional de Jericoacoara convive com a especulação imobiliária, tráfico de drogas, e domínio do Comando Vermelho. O dos Lençóis Maranhenses luta na Justiça para tirar um condomínio de dentro da área protegida, o tráfico de crack domina quase todas as Resex do Pará, e Fernando de Noronha tem excesso de fezes humanas em sua parte marítima, e golfinhos estressados pelo turismo excessivo.

Parna de Noronha e seus dois senhores: governo federal, e estadual

É importante saber que Fernando de Noronha tem um problema a mais que as outras unidades de conservação. O Parque Nacional foi criado em 1988 pelo governo federal.

Desse modo, é administrado pelo ICMBio, assim como todas as UCs federais. Contudo, a ilha é um distrito de Pernambuco, assim, o Estado é o responsável pela Vila dos Remédios, a autorização de moradia,  serviços públicos como água, luz, saneamento básico, coleta de lixo, saúde, ensino, etc.

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Golfinhos rotadores mudam hábitos e correm mais riscos

Segundo o Projeto Golfinho Rotador, ‘o crescimento da atividade turística no arquipélago está gerando impasses socioambientais que colocam em risco o delicado equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a biodiversidade’.

E pergunta, ‘como conciliar o crescimento acelerado do turismo  com a conservação ambiental?’ Isso prova o que alertamos faz tempo. Nossas UCs estão abandonadas, e/ou, mal administradas. E além disso, recebem um quinto das verbas que deveriam receber para cumprir suas obrigações.

A pergunta é questionável porque todos os profissionais envolvidos com conservação sabem que o maior inimigo do meio ambiente é a superpoluação. De maneira idêntica, ambientalistas sabem que o excesso de turistas pode descaracterizar uma área protegida. Por isso, e como gestores, tomam medidas para impedir o excesso reavaliando constantemente o estudo de capacidade de carga e  publicando novas normas. Simples assim.

José Martins da Silva Júnior, oceanógrafo e coordenador do Projeto Golfinho Rotador, iniciativa que é patrocinada pela Petrobras disse que “Antes, eles permaneciam na baía dos Golfinhos por períodos mais longos. Até 2002, ficavam em média oito horas por dia. Em 2004, esse tempo já havia diminuído para quatro horas, e, hoje, eles ficam em média, cerca de duas horas e meia”.

Plano de Manejo em revisão na APA de Fernando de Noronha

A revisão do Plano de Manejo da APA de Noronha é oportuna, agora seria o momento certo para o novo estudo de capacidade de carga, e posterior regulação.

José Martins contou ao www.msn.com que, até 2003, cerca de cinco barcos passavam pela baía por dia. Em 2017 subiu para 16, e hoje já são mais de 20 barcos por dia.

Entretanto há que se dar um desconto. Este escriba sentiu uma certa ‘apreensão’ do gestor do ICMBio. Ela pode estar relacionada, pode ser, não temos certeza, à notória omissão de Marina Silva com as questões do litoral e mar brasileiros.

Poluição por esgoto aumentou nos últimos 10 anos

Provando o inchaço insustentável da população, e simultaneamente a negligência de Pernambuco, o estudo de autoria de pesquisadores brasileiros mostra que ‘a poluição por esgoto aumentou substancialmente nos últimos 10 anos dentro dessas Áreas Marinhas Protegidas‘. E que, ‘sem controle da poluição, as UCs não protegem os recifes, mesmo em regiões oceânicas‘.

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Outra das críticas parece até que saiu destas páginas. É algo que ocorre em quase cem por cento de nossas praias, o superadensamento e a falta de infraestrutura.

Impactos da poluição no Parna de Noronha.

‘O Arquipélago Fernando de Noronha, no Brasil, que tem experimentado um crescimento populacional significativo sem expandir a infraestrutura de esgoto. Mapeamos e quantificamos a poluição marinha nestes AMP, caracterizando as fontes de poluição e avaliando os seus efeitos nas comunidades bentônicas e de peixes em 13 locais de recife’.

‘Quantificamos nutrientes, metais e metalóides, microplásticos, esteróis fecais e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs) em amostras de água e sedimentos’.

‘A área portuária, dentro da área de uso múltiplo, apresentou altas concentrações de HAP, coprostanol e metal (loido), sugerindo esgoto não tratado e poluição química náutica’.

O único dado não acachapante do estudo é que, dos 13 pontos analisados, 6 estavam em boas condições.

Parna de Noronha, um monumento à burrice nacional

Em 2023 não aguentamos tanto descaso e falta de informação dos encarregados, notadamente o ICMBio, além do Ministério de Meio Ambiente. Então, publicamos Fernando de Noronha, ode à burrice tupiniquim onde enumeramos as falhas grosseiras deste que poderia ser um dos mais importantes cartões postais de nossa costa.

Acervo MSF.

O Parna de Noronha  (abrange 70% da ilha principal e todas as outras 21 ilhas secundárias), criado pelo governo federal em 1988 foi reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Natural Mundial em 2001. Portanto, existe há 37 anos mas jamais resolveu qualquer problema. Por exemplo, apenas uma das trilhas usadas pelos turistas não é de terra batida. No período chuvoso, as trilhas se tornam escorregadores de turistas e da lama.

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Desde pelo menos 1956 sabe-se, por um relatório do governador à época, que o reflorestamento era ‘urgente’. Quase 70 anos depois, a situação persiste. Do mesmo modo, nenhum trabalho sério e constante foi feito para erradicar as espécies invasivas, e ou exóticas, sejam vegetais ou animais.

Enquanto isso, centenas de gatos domésticos se fartam de comer mabuyas, único réptil endêmico. Além deles, há entre 7 e 12 mil lagartos adultos, o Teiú, introduzido nos anos 50, na ilha principal!

O teiú é predador de espécies como a tartaruga-verde, o lagarto-de-Noronha (endêmico), e o caranguejo-amarelo (endêmico), ou o anfisbena-de-noronha (espécie de cobra-cega). Apesar de todas as evidências, para o ICMBio o teiú é ‘espécie nativa e protegida’. Enquanto isso há, talvez, milhões de ratos em Fernando de Noronha. Do mesmo modo, nada se faz de eficaz para controlar as três espécies de roedores que dominam a ilha principal.

População cresce sem parar

Nas primeiras vezes em que estive em Noronha, nos anos 80, a população girava em torno de 2.500 pessoas. Hoje ninguém sabe ao certo. O último Censo (2022) indicava 3.167 habitantes, embora o Controle Migratório da ilha aponte 4.700 moradores.

Contudo, estimativas extraoficiais citam ‘mais de 5.000 pessoas’. Já o g1 diz que ‘na alta estação, como em julho de 2016, a Compesa abasteceu 8.000 pessoas (incluindo visitantes). Houve um irresponsável ‘inchamento’ da população por parte do Estado de Pernambuco,  sem o respectivo crescimento da infraestrutura que é precária e deixa a desejar desde 1956.

Como o Parna de Noronha pode conviver com falta água, coleta e tratamento de lixo, saneamento básico, etc?

O estudo aponta que ‘o esgoto tratado de forma inadequada e outras fontes de poluição marinha adicionam nutrientes, patógenos, sedimentos, matéria orgânica, sólidos em suspensão, produtos farmacêuticos, produtos químicos domésticos, sabonetes, petroquímicos, metais pesados, desreguladores endócrinos e micro e macro plásticos aos sistemas naturais’.

‘A poluição por águas residuais afeta as águas costeiras em todo o mundo e o Brasil é o quarto país do mundo com maior insumo total de nitrogênio nas águas costeiras, com entradas de águas residuais não tratadas de 30%’.

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‘É o caso do arquipélago de Fernando de Noronha, que compreende duas Áreas Marinhas Protegidas no Atlântico Sudoeste tropical e foi designado como Patrimônio Natural da Humanidade (UNESCO, 2001)’. 

UNESCO preocupada com o Patrimônio da Humanidade

‘Essa tendência preocupante de escalada do turismo e da expansão urbana chamou a atenção da UNESCO, que classificou o Patrimônio Mundial como de “preocupação (grifo nosso) significativa” em sua última avaliação (IUCN, 2020)’. 

‘Nossos resultados indicam que os impactos da poluição marinha se estendem às áreas marinhas protegidas oceânicas e que, sem controle local da poluição, as UCs (AMPs, no original) não são suficientes para proteger os ecossistemas marinhos, mesmo nas regiões oceânicas’.

Qual a função do Parna de Noronha?

A função principal de um parque é a conservação. Ou seja, dar uma chance à natureza para que ela se regenere. Mas o Parna de Noronha   nega a regeneração da fauna e flora desde sua criação. Assim acontece em quase todas nossas áreas marinhas protegidas.

Tudo isso em conjunto reforça o que sempre dissemos, o litoral do País está ao deus-dará, e nada indica que haverá qualquer mudança para melhor. Uma das provas é o ícone do ambientalismo mundial Marina Silva. Desde que assumiu, dois anos atrás, ainda não se pronunciou sobre o litoral. Há meses este site requisita uma entrevista com a ministra para falarmos sobre a zona costeira. Nada. Infelizmente, nada…

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