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Concreto em praia da Tijuca merece o Oscar da Burrice

Concreto em praia da Tijuca merece  o Oscar da Burrice

Qualquer pessoa minimamente informada sabe: não se deve mexer em praias. Ali vigora o chamado equilíbrio dinâmico — um sistema natural regulado por forças como o vento, as correntes, as ondas e as marés. Enquanto essas forças atuam livremente, as praias se transformam, recuam, avançam, se reacomodam. E, com o tempo, voltam ao seu estado natural. O problema começa quando a mão humana intervém. A ocupação da faixa de areia rompe esse equilíbrio, e o resultado é sempre o mesmo: dano ambiental.

São leis da física simples, ensinadas no colégio. Por isso a regra é clara: praia não se ocupa. Construções devem ficar bem além da faixa de areia, para que ela possa continuar a exercer sua função ecológica. Mas, no Rio de Janeiro, decidiram fazer o oposto. Em dezembro de 2022, a prefeitura autorizou a instalação de concreto sob a areia da praia da Tijuca. Uma ideia tão absurda que só restou uma conclusão: merecem o Oscar da Burrice, na categoria Estupidez do Ano

Imagem, MPF.

Erosão no litoral do Brasil

A erosão é um fenômeno natural nas praias — resultado direto das mesmas forças que moldam o litoral: vento, ondas, marés e correntes. Mas quando há ocupação desordenada, superadensamento urbano e o velho egoísmo de quem insiste em ter casa “pé na areia”, o que era natural se transforma em tragédia.

Hoje, a erosão já atinge cerca de 60% da costa brasileira. É um alerta gravíssimo. E não faltam estudos. O tema é amplamente debatido nas universidades, com dezenas de teses e pesquisas no Brasil e no exterior.

O próprio estado do Rio de Janeiro abriga um dos casos mais dramáticos do País:  Atafona no litoral norte. A destruição da cidade virou símbolo global do que acontece quando se ignoram as leis da física.

A National Geographic, a Euronews,e a agência AFP já documentaram o caso. A imprensa brasileira também. No YouTube, há dezenas de vídeos mostrando o avanço do mar, o colapso das construções, o abandono.

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A decadência do Rio de Janeiro

É triste constatar a decadência da antiga capital federal — cidade símbolo do Brasil, exaltada em prosa e verso. Desde que perdeu o status político para Brasília, o Rio entrou numa espiral de abandono da qual ainda não saiu.

É como a Argentina: sempre achamos que chegou ao fundo do poço, mas ela cava mais fundo. Com o Rio é parecido. Uma das cidades mais lindas do planeta está sendo desfigurada, vítima de décadas de má gestão, corrupção e descaso.

É desolador. Porque a geografia do Rio é um presente da natureza. Praias espetaculares, morros cobertos de Mata Atlântica, maciços de granito que brotam da terra como esculturas. O contraste entre formas e cores — montanhas, verde, céu e mar — compõe um cenário único.

E mesmo assim, conseguimos quase obliterar esse patrimônio.

A praia sendo estuprada por Eduardo Paes (PSD) e auxiliares da prefeitura do Rio de Janeiro. Imagem, MPF.

Contudo, a mão humana conseguiu o impensável. Transformou nosso cartão-postal mais emblemático, a lindíssima Baía de Guanabara , na cloaca da cidade.

Todos os dias, cerca de 15 mil litros por segundo de esgoto sem tratamento são despejados em suas águas. Isso mesmo: por segundo.

A baía que já foi símbolo de beleza natural virou o retrato da negligência — um espelho poluído da decadência urbana e ambiental do Rio de Janeiro.

Cemitério de navios na cara das autoridades

A Baía de Guanabara, além de esgoto a céu aberto, virou cemitério de naviosabandonados — bem diante das autoridades.

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Em vez de retirá-los, o poder público assiste passivamente enquanto essas carcaças apodrecem e afundam, agravando ainda mais a poluição. Algumas se soltam das amarras e vagam à deriva pela baía, colocando em risco embarcações, banhistas e moradores.

Enquanto isso, as “autoridades” seguem — literalmente — vendo navios.

O mesmo padrão de abandono se repete. A mortandade de peixes na fétida Lagoa Rodrigo de Freitas é anual. Todos os verões, centenas — às vezes milhares — de desvalidos são soterrados na lama em Petrópolis, vítimas da ocupação ilegal de encostas, sempre com a conivência do poder público.

E já que falamos nele, é preciso dizer: o poder público carioca está tão podre quanto as águas da Baía de Guanabara.

Vereadores são afastados em série: uns por conluio com milícias que dominam espaços públicos; outros por rachadinhas, corrupção, abuso sexual contra menores. Um verdadeiro retrato da degradação institucional.

Todos os últimos cinco governadores foram parar atrás das grades de tanto roubarem. O atual prefeito, Eduardo Paes (PSD), e o antigo, Marcelo Crivella (Republicanos),  foram alvos de operações policiais.

O desabafo é enorme porque o estropício com dinheiros públicos é superlativo desta vez. Aos fatos.

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Prefeitura do Rio de Janeiro

Eduardo Paes (PSD), prefeito da cidade, e sua secretaria de Infraestrutura, Jessick Isabelle Trairi, acompanhados de seus fiéis assessores, ganharam o Oscar da Burrice por unanimidade. Na categoria Estupidez do Ano, nem houve concorrência.

“Duas coisas são infinitas: o universo e a burrice humana. Mas a respeito do universo ainda tenho dúvidas”. Albert Einstein. Imagem, MPF.

Era exatamente o que não se deveria fazer. A decisão foi tão absurda que 26 especialistas de quatro universidades públicas (UFRJ, Uerj, UFF e PUC-Rio) assinaram um abaixo-assinado alertando que a obra pode aumentar os danos à praia, e não reduzi-los — como destacou a Folha de S. Paulo..

Não foi pouca coisa: especialistas em geomorfologia, dinâmica de praias, erosão e vulnerabilidade costeira se posicionaram contra.

E, como se não bastasse, a obra de R$ 10,6 milhões não tem relatório de impacto ambiental. Prevê colchões de concreto, manta geotêxtil com areia da própria praia, plantio de restinga e reestruturação de calçadas — ou seja, um pacote completo de intervenção desastrosa.

Protesto de pesquisadores de quatro universidades cariocas

O jornal  O Dia  destacou um ponto essencial do documento assinado pelos especialistas: ninguém foi consultado. Os pesquisadores afirmam que desconheciam a obra, não foram informados da intenção da prefeitura, não viram estudos prévios e não participaram de qualquer etapa do processo.

O professor Marcelo Sperle Dias, da UERJ, que estuda a Praia da Barra desde 1998, foi direto:

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“A praia tem uma das maiores quantidades de areia do Brasil. Não há erosão. O problema é a ocupação irregular — quiosques e calçadão invadindo a faixa de areia. Quando vem a ressaca, as ondas atingem essas estruturas.”

Como já dissemos no início: as areias das praias devem permanecer livres. Qualquer ocupação rompe seu equilíbrio natural.

Quase R$ 11 milhões de reais na lata de lixo

Quase R$ 11 milhões jogados fora — e isso numa cidade em colapso financeiro.

Segundo a Folha de S.Paulo, o uso de concreto e máquinas pesadas na praia assustou oceanógrafos e engenheiros. Um parecer técnico assinado por 26 especialistas aponta que os colchões de concreto podem agravar os efeitos das ressacas.

O motivo? A redução da infiltração da água do mar na areia, o que aumenta o impacto das ondas e pode acelerar a perda da orla.

Imagem, MPF.

Ignorância ou só burrice?

É óbvio. Só cavalgaduras não sabem. “Estruturas rígidas fazem refletir a energia das ondas que retornam ao mar com mais energia retirando a areia da praia e aumentando sua declividade. Esse fenômeno leva à diminuição progressiva da largura da praia (perda da área recreativa) e aumento de sua declividade, fazendo com que as ondas de alta energia em eventos de ressaca do mar quebrem mais próximas da orla onde estão localizados o calçadão, a ciclovia e quiosques”, afirma o texto.

Este parece ser o caso de Eduardo Paes (PSD) e seus auxiliares na prefeitura. As Universidades se rebelaram com toda a razão. Elas são públicas! Os acadêmicos passam a vida estudando estes fenômenos com dinheiro público. Basta uma simples consulta para informarem o certo a ser feito, evitando jogar no lixo o dinheiro de nossos impostos. Contudo, imaginar que isso aconteça no Rio de Janeiro onde a corrupção é endêmica equivale a acreditar em Papai Noel.

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O site confirma meiahora.com.br que a ‘obra’ saiu da cabeça desmiolada de alguém da prefeitura: ‘Dois peritos em Meio Ambiente do MPF concluíram que a obra desenvolvida pela Prefeitura do Rio de Janeiro não encontra respaldo na literatura técnica pertinente e nas instituições com expertise na temática…’

Vamos repetir: “não encontra respaldo na literatura técnica pertinente.”

Quase R$ 11 milhões na lata de lixo!

Resta saber quanto, dos R$ 11 milhões, já foram para o lixo; e como, se é que é possível, vão retirar o concreto armado da maltratada praia. A bem da verdade, a coisa toda é tão sem sentido que não acredito que seja só burrice, mas superfaturamento, ou parte do pagamento às empresas desviado para a conta bancária de políticos. Só pode ser isso.

Obra sem concorrência pública

Por falar nisso, o meiahora.com.br informa que ‘A obra está sendo realizada em caráter emergencial sem concorrência pública, apesar de, segundo o Ministério Público Federal, não haver justificativa para emergência, uma vez que os casos de danos por ressacas do mar não representam risco à vida e são notoriamente conhecidos.

Por último, é por termos gestores desta ‘extirpe’ que o litoral do Brasil se transforma em uma pocilga. Ou parte grande dos prefeitos promovem obras cretinas como esta, ou estão ligados à especulação imobiliária. Se uma estupidez desta magnitude acontece no Rio de Janeiro, imagine o que rola nos pequenos e pouco conhecidos municípios costeiros?

Navios de Calígula, ou ‘iates’ do Imperador

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