Câmara Municipal de Florianópolis cede à especulação imobiliária
Há anos o Mar Sem Fim acompanha e denuncia o avanço da especulação imobiliária no litoral brasileiro com potência explosiva em Santa Catarina. Ali o fenômeno acontece quase sempre com apoio do poder público em conluio com a indústria da construção civil. Agora, em 15/09 segundo o site O Eco, a Câmara Municipal de Florianópolis ‘aprovou um relatório preliminar que recomenda eliminar a criação de todas as UCs por decreto (são 11 no total) , pede uma “revisão legislativa” das demais e a abertura de edital para que moradores afetados se manifestem sobre a manutenção das áreas hoje protegidas‘.
O vereador Rafael de Lima preside o relatório que tem como relator Claudinei Marques, além da participação dos vereadores Adriano Flor, Manoella Viera, e Ingrid Sateré Mawé. Em nossa opinião ceder covardemente à especulação imobiliária, que desfigura o litoral catarinense, é mais uma prova de falta pudor dos políticos municipais.
A Mata Atlântica em Florianópolis
Em Florianópolis viceja a ameaçada Mata Atlântica. Ou melhor, o pouco que restou dela e de seus ecossistemas associados como manguezais e restingas que, junto com as dunas, garantem segurança para o que a ilha tem de mais atrativo, suas praias. A ameaça surge num dos momentos mais críticos que o planeta atravessa, com o aquecimento global fora de controle, e expõe o baixo nível moral e intelectual dos vereadores da capital de Santa Catarina.
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O litoral de Santa Catarina espanta. Quase todos os 27 municípios costeiros sofrem pressão da especulação, que devora ecossistemas e paisagens com rapidez impressionante. A corrida pelo lucro fácil com imóveis arrasa dois de seus maiores predicados: a beleza cênica e a proteção da linha da costa.
Assim, dunas, restingas e manguezais dão lugar aos prédios mais altos do Brasil num torneio de ostentação e megalomania. A paisagem, protegida pela Constituição assim como a biodiversidade, se perde. A erosão, agravada pelo mau uso do solo e pelos eventos extremos, causa prejuízos milionários, destrói a infraestrutura da costa e desaloja moradores de suas casas.
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Brasil perdeu 15% de suas praias nos últimos 35 anos
Oportuno recordar que um estudo do MapBiomas mostra que o Brasil perdeu 69 mil hectares de suas praias e dunas nos últimos 35 anos – o que representa uma redução de 15% no total de áreas compostas por areia. Os dados foram divulgados no final do mês de agosto, durante webinar nas redes sociais. O levantamento foi produzido a partir de um mapeamento de imagens de satélite entre 1985 e 2020.
Como não poderia deixar de ser, o estudo indica que a diminuição das faixas de praias e dunas pode ser explicada pela forte pressão imobiliária. Há, ainda, a baixa proteção: apenas 40% desse tipo de bioma está protegido em alguma unidade de conservação.
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Cores do Lagamar, um espectro de esperançaApesar da COP30 agenda ambiental marinha segue paradaSTJ decide: restingas que fixam dunas e mangues são APPsMesmo assim, a maioria dos vereadores da orla catarinense não se importa. Eles preferem engordar praias a custos milionários e com resultados inúteis. Piçarras já se prepara para a quarta engorda em 27 anos. Camboriú, que hoje sofre de obesidade mórbida, caminha para a terceira desde 2002. E Jurerê, Ingleses e Canasvieiras também se fartaram em banquetes de areia.
‘Erosão de praias e ressacas na Ilha de Santa Catarina’
Em 2022 os professores Luiz Fernando Vianna, Carlos Sales Araújo, e Argeu Vans publicaram o trabalho cujo nome aproveitamos como subtítulo: Erosão de praias e ressacas na Ilha de Santa Catarina.
Três anos atrás estes pesquisadores alertavam: ‘Na última década os eventos marítimos que causam erosão nas praias da Ilha de Santa Catarina vêm tornando-se notícia de forma cada vez mais frequente. Apesar da percepção sobre o aumento da frequência desses eventos nos últimos anos, os riscos associados a eles parecem não ser igualmente conhecidos.
O que alega a Câmara Municipal de Florianópolis?
Mesmo com as advertências de conterrâneos, os edis de Florianópolis tiveram a cara-de-pau de apresentar um relatório cínico, servil à especulação imobiliária. No texto, eles tentam justificar a proposta alegando que as unidades de conservação, que ocupam quase um terço da ilha (140 km²), “além da função ambiental, afetam diretamente a vida de moradores e pequenos empreendedores que vivem ou trabalham em seus limites”.
Eles apontam que decretos do Executivo criaram as UCs sem aval Legislativo. Dizem ainda que houve falta de estudos técnicos, de viabilidade econômica, de previsão orçamentária para desapropriações e indenizações, além da ausência de notificações formais a proprietários — revelou o site O Eco.
Veja que covardia! Estes políticos, muitos financiados pela indústria da construção civil, tentam justificar o absurdo em nome de moradores e pequenos empreendedores que vivem ou trabalham nesses limites. O documento ainda diz que o relator, Claudinei Marques (Republicanos), apontou supostas falhas jurídicas e técnicas na criação e manutenção de algumas dessas áreas.
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Em tempo, a Comissão Parlamentar Especial (CPE), criada pela Câmara Municipal de Florianópolis para tratar das Unidades de Conservação (UCs) realizou uma audiência pública e reuniões técnicas com representantes da Prefeitura e da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram).
Ministério Público de Santa Catarina investiga a comissão da Câmara de Vereadores
Atualizado em 3 de outubro quando soubemos que o MP-SC vai investigar a comissão da Câmara de Vereadores de Florianópolis depois de uma representação da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação. Segundo o site do MP-SC O procedimento foi instaurado pela 22ª Promotoria de Justiça da Capital a partir de uma representação da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, entidade que atua na defesa e no fortalecimento das áreas protegidas no Brasil.
E fazemos uma segunda atualização em 3 de dezembro para confirmar o que está dito acima. Ou seja, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) encaminhou uma recomendação aos Poderes Executivo e Legislativo do Município de Florianópolis orientando que se abstenham de propor e aprovar alterações nas finalidades ou nos limites das unidades de conservação (UCs) do município sem a observância estrita do ordenamento jurídico.
O Promotor de Justiça Luiz Fernando Góes Ulysséa destaca que o descumprimento da recomendação pode caracterizar ato de improbidade administrativa. Ao mesmo tempo, o MPSC reafirma sua disposição para o diálogo em defesa da biodiversidade e do meio ambiente ecologicamente equilibrado no território do município, recomendando que o gestor municipal preserve as UCs e siga rigorosamente o rito legal para qualquer eventual alteração. O prazo para resposta quanto ao acatamento da recomendação é de 10 dias.
Os maus exemplos de gestões anteriores de Florianópolis
Que o leitor não pense nem por um minuto que essa postura seja novidade entre os políticos de Floripa. A famigerada Jurerê Internacional escancara a capacidade destrutiva da especulação, sempre apoiada pela ‘omissão’ do poder público movido a propinas. Desde o início dos anos 2000, a Habitasul pagava servidores públicos para liberar licenças ambientais e viabilizar seus empreendimentos.
Muito pior são as revisões dos Planos Diretores das cidades costeiras. Em Florianópolis, a última ocorreu em 2023, virou caso de polícia: um golpe comandado por Gean Loureiro (União Brasil) e Topázio Neto (PSD). Ambos sabotaram a participação popular. Os vereadores votaram sob forte protesto, enquanto a população ficou do lado de fora da Câmara, cercada por grades metálicas e pela segurança reforçada da Guarda Municipal.
Na época, os moradores lançaram nas redes antissociais o Manifesto por um Plano Diretor Popular para a Florianópolis que Queremos. No texto, eles denunciavam que a aprovação da Lei Complementar 482, promulgada em janeiro de 2014, ‘resultou de um golpe orquestrado pelo setor imobiliário em conluio com a maioria dos vereadores. No apagar das luzes de 2013, os vereadores aprovaram em rito sumário 305 das quase 700 emendas apresentadas, à revelia do Regimento Interno. Fizeram isso sem debate em plenário e sob intensa repressão policial contra a população que se manifestava’.
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O que dizem os defensores das Unidades de Conservação?
O site O Eco cita a vereadora Ingrid Sateré-Mawé para quem “não se pode permitir que interesses particulares se sobreponham ao bem coletivo e à proteção da natureza”, numa alusão aos riscos de se usar a pressão imobiliária como justificativa para enfraquecer a proteção ambiental.
Enquanto isso, O Eco consultou a prefeitura de Florianópolis, comandada por Topázio Neto (PSD). A gestão garantiu que não eliminará as unidades de conservação. “Não haverá retrocessos ambientais, e nenhum órgão municipal permitirá qualquer tipo de perda nesse sentido”, afirmou
A mesma fonte revela ainda que ‘conforme análise de cientistas ligados ao Grupo de Pesquisa em Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco (GPDA) da UFSC, o documento erra feio ao apontar como ilegal criar UCs por decreto. A legislação federal e até decisões do Supremo Tribunal Federal confirmam a validade desse instrumento’.
Universidade protesta
Através da publicação de uma Nota Pública, o Programa de Pós-Graduação em Ecologia e o Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC vieram a público para repudiar o relatório preliminar da Comissão Parlamentar Especial das Unidades de Conservação da Câmara Municipal de Florianópolis.
O documento diz que as informações contidas no relatório são distorcidas e falaciosas. E ressalta a importância das UCs na regulação climática e no controle de enchentes e alagamentos na cidade.