Barra do Una e Praia do Engenho: vitória contra especulação
O Grupo Alemoa, uma grande imobiliária com sede em Santos, tentou rebaixar a classificação ambiental de duas áreas protegidas entre Barra do Una e Praia do Engenho para construir condomínios de alto padrão. Após quase uma década de disputa, a Justiça julgou improcedente a ação reafirmando a legalidade do ZEE-LN. Não é sempre que se consegue uma vitória tão acachapante contra a maior chaga do litoral, e muito menos num local que já enfrenta o superadensamento sem contar com a infraestrutura necessária para receber tantos turistas como o litoral norte de SP. Por seu potencial de gerar reações à altura, em outras palavras, de mostrar que é possível vencer o capital esta vitória merece comemoração. As informações deste texto são do jornalista Poio Estavski, de São Sebastião.

Espécie inédita de peixe do gênero Atlantirivulus no caminho da Alemoa
O caso ganhou complexidade após vir à tona, no decorrer da própria perícia judicial, a descoberta de uma espécie inédita de peixe do gênero Atlantirivulus. A identificação foi feita pelo assistente técnico do perito judicial e posteriormente confirmada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) por meio de estudos genéticos.
Mesmo assim, o perito José Adrian Patiño Zorz, engenheiro civil, ignorou o impacto da descoberta no laudo final. Antes, ele havia reconhecido a importância do peixe e sugerido rever a classificação da área. Escreveu que o fator era crucial para o processo.
No parecer final, porém, minimizou o achado. Recomendou reclassificar a área como Z4OD. Sugeriu que a questão da espécie ficasse para a fase de licenciamento. O Mar Sem Fim comentou este imbróglio no post Praias de São Sebastião mais uma vez ameaçadas publicado em 2022.
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A Alemoa age sempre da mesma forma, ela não descansa enquanto não conseguir transformar o litoral numa Cancún qualquer. Em 2018 publicamos o post Litoral Norte de São Paulo: especulação de novo?, onde mostrávamos mais uma tentativa desta empresa em modificar o ZEE quando chegou, até mesmo, a pedir a anulação de todo o processo.
Na época, a Alemoa recebeu denúncia por danos ambientais em uma área no interior da Terra Indígena Guarani Ribeirão Silveira, em São Sebastião. Como se vê, a especulação imobiliária não tem limites, tampouco respeita as regras de uso e ocupação do solo.
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A reação encabeçada pelo Instituto de Conservação Costeira
O ICC – Instituto de Conservação Costeira é uma emblemática ONG que coleciona vitórias no litoral norte de SP. E, de maneira idêntica, é a responsável pela criação da APA Baleia-Sahy.
Recentemente comentamos outra de suas vitórias, quando o ICC conseguiu uma vitória para as comunidades vulneráveis do litoral afetadas pela extração de petróleo.
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Cores do Lagamar, um espectro de esperançaDestruir praias é a missão dos prefeitos de Santa Catarina?Guaraqueçaba e Cananéia: o desafio da sustentabilidadePois foi esta mesma ONG que, na qualidade de ‘amicus curiae’, apontou erros técnicos, ausência de critérios científicos, uso de nomenclaturas inexistentes e a falta de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) nos laudos apresentados.
Um dos pontos mais críticos foi a classificação equivocada de um manguezal como vegetação em estágio inicial, quando, na verdade, trata-se de uma formação edáfico-clímax — o que exige preservação integral.
O ICC também protocolou pedido de anulação da perícia, com base no art. 473, III, do Código de Processo Civil, e solicitou nova análise, desta vez conforme a Resolução CONAMA nº 07/96, que regulamenta os critérios para classificação de formações florestais no Estado de São Paulo.
Alemoa tenta descredenciar o ICC
A reação da empresa santista foi retirar o ICC do processo, ação repelida por manifestações favoráveis do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual. Ambos reconheceram a importância e legitimidade da atuação técnica da ONG.
Assim, na última semana, o processo nº 0012299-88.2016.8.26.0635, movido pelo Grupo Alemoa S.A. contra o Estado, em que a empresa pedia a reclassificação de duas áreas de Mata Atlântica em São Sebastião foi contestado por diversos órgãos técnicos.
A advogada Fernanda Carbonelli, representante do ICC, celebrou a decisão em artigo técnico publicado após o julgamento:
“A sentença é uma vitória do pacto socioambiental firmado no Litoral Norte. Um pacto que não pertence apenas aos técnicos ou às ONGs. Ele pertence às futuras gerações. O que se tentou fazer foi desmontar, por via judicial, uma construção legítima e participativa. A Justiça agiu para preservar o interesse público e a integridade ambiental.”
Você conhece as muitas semelhanças entre Amazônia e o litoral?