Acidente de Mariana permanece sem culpados sete anos depois
Não bastou um acidente em Mariana, MG. Foram precisos dois para a sociedade brasileira reagir. Porém, ainda assim uma reação pusilânime, para dizer o mínimo.
Dois anos atrás, em setembro de 2020, este site publicou o post Acidentes de Mariana e Brumadinho não nos ensinaram. Nele, comentávamos os dois acidentes protagonizados pela Vale. Em 5 de novembro de 2015 veio abaixo a barragem do Fundão, em Mariana, MG, matando 19 pessoas, destruindo distritos e matando um curso d’água, o rio Doce.
Nova catástrofe sobreveio em 2019
Quando a população mineira estava assimilando o drama, nova catástrofe sobreveio. 25 de janeiro de 2019 foi a data do maior acidente entre mineradoras do mundo em Brumadinho (igualmente sem culpados até o momento). Desta vez 270 pessoas foram soterradas. Esmagadas por uma avalanche de lama com um volume de 11,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos que também engoliu vilas, casas, vegetação; e matou mais um rio, o Paraopeba. Mas, até hoje, passados sete anos, o acidente de Mariana permanece sem culpados. Não será a copa do mundo de futebol que nos distrairá destes terríveis e previsíveis acidentes. Apenas confirma que neste Brasil desigual só negros e pobres vão para a cadeia.
‘Mariana, o Brasil e a impunidade’
Antes de mais nada, os crimes cometidos pela Vale foram lembrados por Cristina Serra – uma das poucas jornalistas a fazê-lo – em texto publicado em 5/11/2022, na Folha de S. Paulo (cujo título reproduzimos acima). Cristina tem toda a razão em se revoltar. E cobrar o que qualquer país minimamente civilizado faria. Uma das medidas seria aprender com o erro para evitar os futuros. A segunda, punir os responsáveis.
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A articulista foi certeira: ‘O sistema jurídico brasileiro não foi capaz de julgar os responsáveis pelo crime conforme a denúncia do Ministério Público Federal. A maioria dos réus já se livrou do processo e caminha a passos largos para o refúgio da impunidade enquanto milhares de pessoas esperam suas indenizações.’
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Sonhos desfeitos, vidas perdidas, devastação social e ambiental reconhecida pelo Ministério Público Federal que diz em seu site: ‘O maior desastre ambiental do Brasil – e um dos maiores do mundo – provocou danos econômicos, sociais e ambientais graves e tirou a vida de 19 pessoas. Os prejuízos que se viram às primeiras horas e que aumentaram com o passar do tempo, projetam-se mesmo hoje como um devir que não tem tempo certo para findar. Danos contínuos e, em sua maioria, perenes.’
E, mesmo assim, sete anos depois nada acontece! Esta é a Vale, e a Justiça de Pindorama. A empresa matou quase três centenas de pessoas e nada, rigorosamente nada, aconteceu até hoje!
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Antes de mais nada, estes dois acidentes não foram os únicos protagonizados pela empresa. Em 2020 o navio fretado pela Vale, MV Stellar Banner, lotado de minério de ferro e com nada menos que quatro milhões de litros de óleo combustível, conseguiu a façanha de encalhar em um banco de areia, adernando em seguida, ameaçando naufragar, dentro do canal de saída do porto de Itaqui, Maranhão!
Um canal totalmente sinalizado, balizado. Mesmo assim, o sucatão da Vale, um monstro de ferro, com nada menos que 340 m de comprimento por 55 metros de largura, acabou afundado pela Marinha do Brasil. Sim, você leu corretamente, a MB afundou o sucatão da Vale!
Para piorar, nem a Vale muito menos a Marinha do Brasil, se pronunciaram a respeito embora o Mar Sem Fim tenha ligado inúmeras vezes para a Capitania dos Portos do Maranhão pedindo esclarecimentos. Assim é a Vale.
‘Morreu sem saber o que estava acontecendo’
A frase acima está entre aspas porque foi publicada pelo portal da cidade de Mariana. Trata-se de frase proferida pela dona de casa Pâmela Fernandes ao referir-se à sua filha.
“A Emanuely era uma criança, morreu sem saber o que estava acontecendo. Este mês de novembro, para mim, eu não sou nada”, disse Pâmela. Sua filha tinha apenas 5 anos. E foi mais uma que sumiu no meio da lama de rejeito da barragem da Samarco.
Fundação Renova é questionada
Enquanto isso, o portal lembra que ‘A atuação da Fundação Renova frente ao processo reparatório tem sido alvo de diversos questionamentos judiciais por parte dos atingidos e do Poder Público. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) chegou a pedir sua extinção por considerar que ela não tem a devida autonomia frente às três empresas. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) conduziu uma tentativa de repactuação do processo reparatório, mas as negociações fracassaram e foram encerradas em agosto.’
Quem fracassou fomos nós, cidadãos, que não soubemos cobrar como deveríamos. Sinaliza, igualmente, o fracasso do Brasil entorpecido por uma polarização cínica, e previamente armada por grupos antidemocráticos.
Bento Rodrigues ainda espera
Segundo o portal da cidade de Mariana, ‘Há sete anos, os atingidos vivem em casas ou apartamentos alugados pela Renova, fundação criada por Samarco, Vale e BHP Billiton para reparar os danos.’
‘O reassentamento do novo Bento Rodrigues deveria ter sido entregue às famílias. Só neste povoado eram mais de 200, mas, até hoje o processo ainda está longe de ser concluído.’
‘Mas, até hoje o processo ainda está longe de ser concluído.’
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Outro jornal que também comentou o aniversário da tragédia foi O Globo: ‘O processo criminal que tornou rés 22 pessoas e as mineradoras Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR Recursos Hídricos pelo desastre ainda está na fase de depoimentos de testemunhas.’
Como explicar a demora nos assentamentos, ou a lentidão da Justiça?
Não por outro motivo, como informa Cristina Serra, ‘A ineficiência do Judiciário levou 200 mil vítimas a buscar reparação na Inglaterra, onde a BHP tem uma de suas sedes. A corte inglesa, em Londres, aceitou a jurisdição do caso em julho e as partes já terão que apresentar seus argumentos agora em dezembro, na ação movida pelo escritório de advocacia Pogust Goodhead em nome dos atingidos.’
Veja a diferença. A corte inglesa aceitou a jurisdição em julho. Menos de seis meses depois, as partes terão que apresentar argumentos.
A nossa culpa
Assista ao vídeo que cobrava por SEIS anos de impunidade. Lembre-se da tragédia, suas vítimas, e o intolerável descaso. E reflita sobre a conflagração atual nas redes sociais por motivos pré-fabricados e, acima de tudo, fúteis.
Como bem disse um ex-ministro de triste memória, enquanto sociedade se distrai apedrejando-se mutuamente, a boiada passa.