Alta do Atlântico saiba quando foi a última
Alta do Atlântico: segundo estudos, os oceanos durante o Mioceno teriam subido até 180 metros em certos pontos do planeta, em relação ao seu nível atual
Como Cabral viu a costa baiana
Ao passar pela região da atual Porto Seguro, a bordo da nau capitânia comandada por Cabral, Pero Vaz de Caminha se espantou com o tamanho do litoral da ilha de Vera Cruz. E registrou também a presença de vistosas escarpas na praia, quase lambendo o Atlântico:
…[Esta terra] Traz ao longo do mar, em algumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas e delas brancas, e a terra, por cima, toda chã e muito cheia de grandes arvoredos…
O luso e a Formação Barreiras
O escrivão português mirava um trecho do que hoje se denomina Formação Barreiras. Constituída por camadas de areia e argila, elas geralmente têm algumas dezenas de metros de espessura. E se estendem por mais de cinco mil quilômetros.
Falésias: testemunhas da última alta do Atlântico
Para os geólogos essas falésias fazem parte da primeira unidade geológica descrita do país. Contam uma história muito mais antiga do que a saga do descobrimento. São testemunhas da última grande elevação do nível do Atlântico. Ela foi registrada em trechos da costa brasileira, especificamente no Norte e Nordeste, entre 25 e 16 milhões de anos atrás. O final da época chamada Oligoceno, e meio do Mioceno.
Formação das falésias
Grande parte se formou pela ação de correntes de maré ao longo da costa. Elas arrastaram sedimentos continente adentro devido a esse aumento significativo do nível do mar. Segundo estudos os oceanos durante o Mioceno teriam subido até 180 metros em certos pontos do planeta em relação ao seu nível atual.
No Brasil a elevação das Falésias é de cerca de 60 metros
No Brasil, a elevação média foi mais modesta, geralmente da ordem de 60 metros. Com picos de até 140 metros na costa de Sergipe e Alagoas. É o que demonstra um amplo estudo sobre a Formação Barreiras publicado na edição de agosto da revista científica Earth-Science Reviews.
Gangorra Atlântico: sobe e desce
Mas esse talvez não seja o dado mais surpreendente revelado pelo artigo, assinado por três geólogos brasileiros. Depois do período marcado por momentos de alta do Atlântico, em setores da costa do Norte e do Nordeste, entre 25 e 16 milhões de anos atrás, o nível do mar ao longo passou por uma fase de baixa entre 15 e 10 milhões de anos atrás.
Baixa do Atlântico no Brasil, subida em outras partes do planeta
Eessa queda no nível do Atlântico na costa brasileira ocorreu ao mesmo tempo que o nível dos oceanos atingiu sua subida máxima em outras partes do planeta. Por que o período de alta do Atlântico, no Norte e Nordeste, não bate com o de elevação dos oceanos em todo o globo? A geóloga Dilce de Fátima Rossetti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espacias (Inpe), primeira autora do artigo, responde:
Provavelmente, isso se deveu a movimentações de terreno provocadas pela atividade tectônica em trechos da costa brasileira
Solo em muitas partes da costa brasileira teria afundado
De acordo com os dados dos geólogos, o solo em muitas partes da costa brasileira teria afundado algumas dezenas de metros, entre 25 e 16 milhões de anos atrás, em razão de tectonismos. Embora nesse período os oceanos ainda não tivessem atingido seu pico de alta global, o rebaixamento do relevo em trechos do litoral do Norte e do Nordeste abriu caminho para a entrada no continente de material vindo do mar: criou bacias propícias para receber e armazenar sedimentos trazidos pelo Atlântico.
Dessa forma, a subida do nível do oceano em trechos do litoral resultou na deposição de sedimentos que deram origem à Formação Barreiras e também à Formação Pirabas. Esta última ligeiramente mais antiga e de menor extensão.
Três fatores explicam a altura do mar
De forma simplificada três grandes fatores podem influenciar a altura do mar em determinado trecho: o nível global de todos os oceanos; a estabilidade local do terreno (se ele está afundando ou levantando por causa de movimentos tectônicos); e a ocorrência de processos erosivos, que desgastam a superfície, ou de deposição de sedimentos, que acrescentam camadas ao solo..
Devido à interação desses fatores o mar pode subir apenas em um, ou em alguns pontos da costa, como no caso do Norte e do Nordeste durante o Mioceno. Enquanto isso, ocorre uma queda ou estabilização no nível dos oceanos na maior parte do planeta.
Separação da América do Sul do continente africano
O último grande evento que moldou o relevo da região foi a separação da América do Sul do continente africano. Iniciada há mais de 100 milhões de anos. A fratura que separou os dois blocos de terra foi preenchida pelas águas do Atlântico. Mas, como sugerem as pesquisas do trio de geólogos, isso não quer dizer que, desde então, não houve tremores e movimentações de terra ao longo da costa brasileira.
Marcos Pivetta, da Agência FAPESP.