Viagem do Naufrágio: fenômeno meteorológico contribui para acidente
Entre os milhares de correios que recebi desde o início dos problemas do Mar Sem Fim um é emblemático. Ele explica o que sofremos do ponto de vista da meteorologia, um fenômeno meteorológico contribui para acidente.
Quem enviou foi o Professor (da USP) Rubens Junqueira Villela, um dos primeiros brasileiros a ir para a Antártica, ainda nos anos 50. Nesta viagem o Professor Rubens esteve a bordo de um navio da marinha dos Estados Unidos.
Assim como eu, naquela ocasião Rubens escreveu uma série de artigos para o jornal O Estado de S. Paulo. Espetaculares. Foi a primeira vez que um jornalista brasileiro escrevia, direto de lá, sobre o que via e as aventuras pelas quais passava.
Quando fui para a Antártica a primeira vez, no verão 2009/2010, recolhi este material no arquivo do jornal e levei comigo como subsídio para as reportagens que faria. Uma excelente “aula”, as materias do Prof. Rubens (recomendo a todos que pesquisem na internet sobre o professor e seus artigos).
Série de documentários que fiz para a BAND
Na série de documentários que fiz para a BAND durante esta viagem, um dos entrevistados foi justamente o Prof. Rubens (Vejam no site. A entrevista está no terceiro documentário feito para a BAND )
Posteriormente o Prof. Rubens esteve muitas vezes no continente gelado, sempre acompanhando as missões brasileiras. A seguir o texto da mensagem que explica os fenômenos meteorológicos que acabaram por contribuir para o naufrágio de meu querido Marzão.
Fenômeno meteorológico contribui para acidente
“Caro João,
Acho que sei da tristeza que você e tripulação devem ter vivido com a perda de um barco tão valoroso como o Mar Sem Fim.
É o que sente todo marinheiro nas circunstâncias, e o que eu e meus companheiros a bordo sentimos em duas “quase” perdas, no Besnard quando encalhou em Ferraz, e o Rapa Nui quando virou no Drake. As tres mais hostis forças antárticas conjugadas o abateram: vento, frio e gelo.
Felizmente funcionou para você a clássica solidariedade antártica, sino-russo-chileno-argentino-brasileira-coreana no caso…
Tomei conhecimento um tanto tardiamente desta sua viagem
Tomei conhecimento um tanto tardiamente desta sua viagem. Comecei a acompanhar a evolução meteorológica na área da Península só no dia 5/4 quando vi uma notícia sobre a falta de notícias do iate russo-ucraniano Scorpius. Pouco depois fiquei sabendo que o Mar Sem Fim também estava em apuros. A situação meteorológica reinante nessa ocasião é minha velha conhecida, como objeto de pesquisa e experiência de campo (mar). Trata-se da combinação de um ciclone típico do Drake com com um fenômeno mais recentemente descoberto (1977) e explicado, o chamado “jato frio inercial”: ou “low level, cold inertial jet”, na denominação do descobridor, o prof. Werner Schwerdtfeger, alemão da Univ. Wisconsin em Madison que trabalhou na Argentina onde o conheci, e já falecido.
Indício que o jato inercial estava para se desencadear
O indício que o jato inercial estava para se desencadear aparece na observação das 00 GMT do dia 3 de abril, de Marambio e Esperanza no lado leste da peninsula: o vento salta para Sul-Sudoeste com 40 nós, e muito frio (até -19 C). Na ponta da Península, o vento torce violentamente para a esquerda (leste) pelo efeito Coriolis, devido a rotação da Terra, e entra no Bransfield e Shetlands do Sul de SE, E, virando para NE na altura de Deception. O efeito disso sobre a deriva dos gelos marinhos carregados do Mar de Weddell foi descrito pelos ingleses quando ocuparam as bases “secretas” de Deception e Admiralty Bay na década de 1940, e posteriormente pelos argentinos, que chamam o Bransfield de Mar de la Flota. O efeito do jato inercial distorce os padrões de circulação na retaguarda do ciclone e contribui para manter os ventos mais fortes e por período mais prolongado, e de componente Leste, quando o normal seria adquirir direção SW na retaguarda da baixa pressão.
Este tipo de situação ocorreu também em dezembro de 2003 e com resultados trágicos, com a morte de um pesquisador coreano a bordo de bote inflavel que virou, navegando entre Frei e King Sejong, conforme descrito no meu artigo na revista Scientific American Brasil de fev/2004.
Um abraço antártico e solidário,
Rubens J. Villela”
(foto do destaque: brogden.blog)